Portugal é um país com uma comunidade algo “fechada” e reduzida quando comparada com o andebol, hóquei e, sem comparação possível, futebol. A variedade imensa de clubes em Lisboa (incluindo Cascais, são mais de seis equipas no principal escalão nacional em dez formações ao todo) não tem sido acompanhada nas regiões do Algarve, Centro ou Norte, o que criou sempre alguns problemas, tanto em termos de relacionamento, como de exequibilidade da modalidade e dos planos estratégicos que falharam ano após ano.

Se o leitor nunca acompanhou ou não tem noção do número de atletas que compõem o panorama geral do rugby nacional, será um exagero dizer que existem cerca de 4.000 jogadores envolvidos nos diferentes escalões, desde a formação mais básica até ao nível veterano. Há que somar a isto os treinadores, dirigentes, consultores técnicos e, mais importante de todos, os simpatizantes que tentam agraciar os seus clubes com a presença nas bancadas ou nos treinos.

Luís Cabelo | 2017
créditos: Luís Cabelo | 2017

O rugby é uma modalidade amadora em Portugal, com apenas alguns atletas a gozarem de um estatuto semi-profissional ou profissional (normalmente atletas sul-africanos, australianos ou neozelandeses). Por isso, 99,5% são atletas portugueses que "investem" o seu tempo em seis horas de treino de campo mais 5 a 8 horas de ginásio por semana, sem contar com os dias de jogo.

Todavia, os números diminutos nunca impediram o rugby português de sonhar alto e tentar atingir patamares inesquecíveis como foi o apuramento para o Mundial de rugby em 2007, o único da nossa história.

Ninguém se esquece, de forma alguma, da forma como os Lobos (alcunha dada aos jogadores seniores da Selecção Nacional, a "alcateia" do rugby) cantaram e sentiram o hino em terras gaulesas… Ainda hoje são imagens que subsistem, quer no adepto familiarizado com a modalidade, quer no que pouco a conhece mas apanhou o pormenor no telejornal ou em outro espaço noticioso.

Esse momento foi há dez anos, muito aconteceu desde lá para cá, vários seleccionadores e dirigentes passaram pela Federação Portuguesa de Rugby, os clubes perderam capacidade financeira e manobra estratégica, os problemas agudizaram e o desinvestimento nas estruturas da modalidade foi “assustador”.

Foi a maior placagem que o rugby português levou, e ainda estamos para ver uma reação total da comunidade a essa mossa física e psicológica.

Filipe Monte | 2017
créditos: Filipe Monte | 2017

2017 marcou o ano de “ressurreição” do Rugby Nacional, com a selecção de XV a manter uma invencibilidade invejável (não perde desde Maio de 2016), tendo conseguido o GrandSlam na divisão C da Europa sob a batuta de Martim Aguiar.

Muitos poderão dizer que foi o “mínimo exigível a uma selecção que já andou a lutar pelo título na divisão acima contra a Geórgia e Roménia”, esquecendo-se dos problemas financeiros e económicos que retiraram poder de “fogo” à federação e aos clubes. Para além disso, foi necessário reerguer o espírito e a moral dos jogadores, que de todos foram os menos culpados pela descida de divisão em 2016, mas não deixaram de ser os que sofreram mais com essa situação.

Com pouco investimento, financiamento e sem grande possibilidade de convencer novos sponsors, o rugby nacional teve de ir ao seu âmago e reconstruir todo um projecto que permitisse a Portugal voltar a lutar pela subida de divisão e, mais importante, que apresentasse uma equipa competitiva.

Para quem desconhece por completo a realidade do rugby europeu, tem de saber que existe o nível máximo onde estão Inglaterra, País de Gales, Escócia, Irlanda, França e Itália (as tão famosas Seis Nações, um circuito fechado e que não aceita, para já, mudanças à sua estrutura), seguindo-se as várias outras Seis Nações mas secundárias, terciárias e consecutivamente. Geórgia, Roménia, Rússia e Espanha foram sempre os adversários de Portugal nos últimos 20 anos na luta pelo título das Seis Nações “B” (os Lobos conquistaram-no pela última vez em 2004 com Tomaz Morais ao leme) naquilo que é chamado de Tier2 do rugby mundial (os All Blacks, por exemplo, são Tier1).

Luís Cabelo | 2017
créditos: Luís Cabelo | 2017

Contudo, agora surgiram outros adversários que poucos acreditavam que viriam a ter grande interesse pela modalidade: Alemanha, Bélgica ou Holanda. Os dois primeiros estão na divisão B e têm aumentado o investimento na modalidade ano após ano, com projectos estratégicos que vão tão longe como 2030, com ideias totais para transformar o rugby numa modalidade séria e atraente.

Pode ser algo estranho ou descabido avançar com esta frase, mas quando a Alemanha se mete em algo é porque sabe do potencial e rendimentos que pode retirar. O rugby é assim uma das novas bandeiras do desporto alemão, com o objectivo solene de chegar a um Mundial da especialidade, seja em 2019 ou 2023.

E como é que o vão conseguir?

Investindo na formação de jogadores, criando academias, escolas e clubes que potenciem os jovens atletas alemães, assim como recrutando atletas cujos pais ou avós são alemães, garantindo desde logo um acrescento potencializado para a sua selecção. A explicação que damos é um resumo de um resumo de uma introdução de projecto, mas o necessário para perceber que a Alemanha está num frenesim com o rugby e, por exemplo, o CEO da Capri-Sun (refrigerantes e sumos) investiu 30 milhões de euros como sponsor não só da Alemanha mas como do Heidelberg, um dos principais clubes germânicos.

Por isso, num país com dez milhões de pessoas, em que só 0,05% da população é que efectivamente joga rugby, o que se pode fazer ou esperar? Numa palavra só: juntar.

Miguel Rodrigues | 2017
créditos: Miguel Rodrigues | 2017

Juntarem-se os clubes nacionais e formalizar um plano estratégico sério, completo, e que não só defenda os interesses de cada um, mas de todos. Juntarem-se os parceiros mais leais à Federação Portuguesa de Rugby e reestruturarem o que necessita de ser reestruturado, apostar numa viragem para o futuro (até este momento só a comunicação da FPR e alguns treinadores nacionais, incluindo alguns dos escalões de formação das selecções, estão virados para tal) desligando-se dos padrões doentios que continuam a ser transversais a qualquer direção federativa (não tirando os méritos dos últimos três presidentes, houve males inerentes a cada uma das suas administrações que são muito complicados de justificar). Juntarem-se os jogadores que compõem todos os clubes e perceberem que dependerá sempre da sua boa vontade e trabalho o crescimento e aumento de rendimento, quer dos campeonatos nacionais como das selecções nacionais.

Mais uma vez, para quem desconhece estes factores e soluções, e que poderá parecer algo tão transversal a qualquer modalidade, o rugby deveria ser um exemplo “líder” neste campo, uma vez que tem uma comunidade mais pequena mas mais “concentrada”, altamente interessada na modalidade.

Para já, os grandes passos têm sido dados nos escalões de formação nacionais, que nos últimos 5 anos têm conquistado bons lugares em diferentes torneios e competições, com destaque para a conquista do Campeonato da Europa de sub-20 (2017), o 3.º lugar no Europeu de sub-18 (2016) e a vitória frente à Escócia (2015), entre outros pontos dignos de assinalar.

Existem definitivamente boas gerações a “explodir” ou a “crescer” no seio do rugby português, como é evidenciando pela constante domínio dos mais “novos” nas formações como AIS Agronomia, CDUL, CDUP, Académica de Coimbra, GDS Cascais, entre outros tantos. Se no futebol ficámos a conhecer atletas como José Gomes ou Diogo Dalot desde quase do berço, então fiquem a saber que no rugby também há atletas com potencial para conquistar as fronteiras fora de Portugal, casos de Vasco Ribeiro, David Wallis, Diogo Hasse Ferreira (o 1.º jogador português a jogar na principal divisão de rugby inglesa, totalmente formado em Portugal, no GDS Cascais) ou Manuel Picão.

Portugal tem ainda uma variedade de jogadores a prestar provas além-fronteiras, casos de José Lima (campeão da 2.ª divisão de rugby francesa e promoção para uma das melhores ligas mundiais), Pedro Bettencourt, Francisco Vieira, Samuel Marques, Aurelien Beco ou João Lourenço (e muitos mais), que têm aguçado uma “fome” estrangeira pelo melhor que se faz por cá ou lá, já que alguns destes jogadores nasceram em França mas nunca renegaram o seu “amor” pela bandeira portuguesa.

Luís Cabelo | 2017
créditos: Luís Cabelo | 2017

No futebol houve um destes casos (de sucesso) muito recentemente… Raphael Guerreiro, um jogador de enorme calibre que facilmente se podia ter "perdido" para a seleção francesa, mas a tempo se “salvou” e vestiu a camisola de Portugal. O rugby português até começou primeiro com este tipo de “movimentos”, e em 2007 a inclusão de David Penalva ou André Silva (ambos nascidos ou criados em França) foi importante para a seleção atingir o Mundial na altura.

Por isso, conjugar estes elementos todos, recuperar a “amizade” e familiaridade que tínhamos com a comunidade luso-francesa (que ainda desconfia de Portugal após alguns incidentes nos últimos anos), dar lugar e explorar os novos “diamantes” portugueses (no sentido positivo), encontrar um ponto de convergência entre clubes e federação (algo nunca atingível muito por culpa de ambas as partes que só se interessaram nos seus próprios planos e em agradar aos lobbies que gerem as suas estruturas) e finalmente atacar com pés, troncos e cabeça os objectivos básicos, intermediários e avançados que se põem até 2030.

Se o leitor perguntasse aos mais dedicados e sérios técnicos/dirigentes do rugby nacional “o que é preciso ser feito primeiro?" ou "para onde temos de canalizar o investimento e possível reformulação?”, acreditamos que a resposta seria “para os escalões de formação, atividades de captação de jovens e construção de uma cultura de rugby sustentável”. Em suma, a primeira preocupação deverá ser estimular as escolas das regiões fora de Lisboa a se interessarem pelo rugby através do projecto Tag Rugby ou Get Into Rugby, aumentando assim o número de atletas quer das escolas (Portugal necessita de começar a rever competições intra-desportivas a nível nacional), quer dos clubes.

Com um aumento significativo dos números de praticantes, os clubes passam a ter mais “vida”, mais “correria” e mais peso nas cidades/vilas onde estão assentes. O que pode "forçar" um investimento (ou pelo menos agilizar certos processos de cedência de campos e infra-estruturas para a modalidade, ou até na ajuda a candidaturas a investimento desportivo) nesses clubes e no solidificar do número de atletas. A partir daqui, a evolução e crescimento competitivo dos campeonatos nacionais de sub-14, 16, 18 serão ainda maiores, e fornecerão mais jogadores às seleções nacionais.

Um selecionador nacional que só consiga ter um grupo de 20 jogadores de boa qualidade e os restantes dez de médio/baixo nível, nunca conseguirá ter uma forte equipa que resista às competições internacionais. Porém, se o mesmo técnico tiver 50 atletas em excelente forma, competentes tecnicamente, com um desenvolvimento mental mais avançado que o “comum” praticante, a realidade poderá ser muito diferente e mais ambiciosa.

José Vergueiro | 2017
créditos: José Vergueiro | 2017

E para os atletas que ficarem de fora das selecções de formação? Seria interessante que se adicionasse uma competição extra, conjugando com o Campeonato Nacional e Taça de Portugal, mas algo diferente das duas, algo como seleções regionais que misturem os atletas de diferentes clubes e imprimam uma forma de estar tão colectiva e de integração que “parta” com barreiras de “inimigos” e os ponha em patamar (o espírito do rugby nacional por vezes cai nos exageros das clubites agudas, perpetuadas pela nossa cultura futebolística, que dita a nossa forma de estar).

Este é um plano tão normal e redutor para qualquer modalidade que pode parecer a quem está a ler este artigo que o rugby português está num “ano zero”. Não está, mas continua a ter pormenores e “costelas” ainda da sua fase embrionária que nunca foi realmente desenvolvida, ou que não se deixou desenvolver por interesses privados ou disputas territoriais.

Mas é aqui que mora a grande questão, uma vez que as maiores preocupações das últimas duas direções federativas foram a “revolução” total dos campeonatos nacionais de seniores, preocupando-se mais com a “copa da árvore do que ir directamente à raiz”. Portugal não pode cair no elitismo desportivo, de seleccionar um par de equipas para lutarem pelo campeonato Nacional e deixar as outras entregues a uma luta de simples manutenção ou descida de divisão.

Ao contrário do que se passa no futebol, o rugby em Portugal sempre teve dificuldades em ser aceite por todas as comunidades, muito pelo seu excessivo elitismo (algo que existe na maioria das equipas nacionais) e pela forma de estar tão anárquica que acarreta profundos problemas de coexistência com a realidade actual.

O futebol nisso soube sempre ser um desporto de massas, de aceitar qualquer um (possuindo mesmo assim problemas raciais e xenófobos que têm a ver mais com a cultura comum de cada nação do que com a modalidade) e de todos poderem “chutar uma bola de futebol”.

Portugal jogará no dia 20 de Maio em Bruxelas frente à Bélgica, pela promoção à divisão “B” das Seis Nações europeias, um passo fundamental para o crescimento e renovação da imagem da selecção nacional. Não obstante a esta data, é fundamental que os clubes aproveitem as suas camadas de formação, para agora darem um salto qualitativo que ficou sempre muito aquém dos objectivos traçados pelas direcções, quer dessas mesmas instituições, quer da própria Federação.

Francisco Isaac é editor de Rugby para o Fair Play, Rugby World Magazine e Portal do Rugby, e autor da rubrica The Rugby Lab.

O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.