As ruas enchem-se de pessoas, mas são poucas as que param nas lojas e nos restaurantes.
O presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina explica à agência Lusa, no centro da Praça da Figueira, que com o desaparecimento do turismo quase não há clientes no centro histórico.
“Tudo foi encaminhado para que o turismo fosse a grande força de compra na Baixa Pombalina. Quer a restauração, quer o comércio viviam — e não é exagerado — 70%, no mínimo, à custa do turismo”, indica Manuel Lopes.
Debaixo de um sol radiante em pleno outono, o antigo empresário reconhece que os consumidores vão demorar a voltar a ter confiança e poder de compra.
“Desapareceu o turismo, desapareceram clientes e os residentes são escassos. Obviamente, com este problema da covid, não havendo confiança das pessoas para circularem, a Baixa é aquela que mais se ressente”, diz, ressalvando que há muitos negócios a fechar.
Agora, diz, torna-se mais económico uma empresa encerrar do que estar aberta. Nas contas da associação, já terão encerrado cerca de 115 espaços comerciais.
“Houve muita gente – e não vale a pena estar a ignorar — que passou a viver à custa do turismo e obviamente que o turismo foi embora por estas circunstâncias que todos conhecemos. E agora para voltar a trazer e encher nosso espaço comercial vai levar o seu tempo”, assume.
No seu entender, o maior problema para o comércio não é a gentrificação, mas os novos contratos de arrendamento, uma vez que os empresários “não vão ter capacidade de renovar as suas rendas”.
Em frente à estátua de D. João I encontra-se Alfredo Tavares, diretor-geral da cadeia de hotéis My Story Hotels, que conta que teve de encerrar quase todos os espaços devido à falta de turistas.
“Nós temos cinco hotéis na Baixa de Lisboa. Neste momento, temos quatro hotéis fechados e um aberto”, suspira o empresário, recordando que, desde março, apenas mais dois hotéis reabriram durante o verão.
De acordo com o responsável, o grupo de unidades hoteleiras sofreu muito com as restrições impostas devido ao novo coronavírus.
“Tivemos grandes cancelamentos. Neste momento, não há sequer procura. Posso dizer que nos últimos três dias tivemos quatro reservas”, diz com mágoa, sem saber o que o futuro reserva.
Alfredo Tavares revela que cerca de 25 trabalhadores, de 80, não viram os seus contratos renovados, porque o grupo está com quebras acima dos 90%.
Na Rua da Prata, uma porta abre-se para o Oriente. O aroma a ramen (caldo de massa japonês) aciona o olfato e abre o apetite.
Paula Dias conta à Lusa que o restaurante de cozinha japonesa Panda Cantina teve de se adaptar à nova realidade, sublinhando que nunca foi “dependente do turismo”.
“Tivemos de criar um novo prato para ‘take-away’. O nosso restaurante é especializado em ramen. Tivemos de criar um prato sem caldo […]. Não queríamos perder a qualidade do nosso prato principal”, diz.
Segundo a gerente do espaço, a produção caiu para metade. O restaurante é pequeno e, com as medidas de higiene e segurança, não é possível fazer refeições para mais de 15 pessoas ao mesmo tempo.
Nesta odisseia pelas ruas de Lisboa quase sem vida, com espaços comerciais encerrados, são cada vez mais as lojas de lembranças de imigrantes da Ásia que dão luz ao centro da cidade.
Por entre as muitas dezenas de lojas com trancas à porta, há uma que surge com um aviso na Rua da Madalena: “Este estabelecimento vai encerrar definitivamente no final de dezembro. Vendemos tudo incluindo mobiliário a preços reduzidos”.
Ao balcão está Homero Cardoso, que explica que a pandemia veio retirar clientes à loja de artesanato português Santos Ofícios e não vê um futuro fácil para a atividade.
“Já estou cansado de estar a lutar por um projeto sempre com montanhas de dificuldades. Nós próprios, em dada altura, depois da pandemia […], ainda achámos que as coisas podiam melhorar um bocadinho, mas só pioraram”, realça, referindo que o negócio estava “completamente dependente do turismo”.
De acordo com o proprietário, a falta de apoios fez encerrar o espaço. que conta com 25 anos.
“[No verão] entravam aqui 200 estrangeiros. Dos 200 estrangeiros provavelmente cinco compravam, os outros 195 entravam como se viessem ver um museu, entravam e saíam, e alguns roubavam”, diz.
A loja só se manteve aberta nos últimos meses porque teve a esperança de que “alguma coisa pudesse melhorar”, um desejo que não se concretizou.
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