Estamos a assistir à instauração e "normalização" de um novo tipo de combate (ou velho, mas afastado da Europa desde os tempos da ETA, das Brigadas Vermelhas e de outras organizações do mesmo tipo) numa guerra sem tréguas: o que utiliza a democracia para, subvertendo-a, indo directamente ao seu coração ideológico, aproveitar-se das "brechas" que são a essência da liberdade, e matar indiscriminadamente, sem qualquer espécie de lógica que não seja cultivar o terror do medo.

Não há um alvo a atingir, há um sentimento para alimentar: o medo. A insegurança. Os limites da liberdade em nome de uma presumível segurança. Bertrand Russel, esse génio que uniu a filosofia à matemática, falava da tirania do medo. Escreveu: "O nosso mundo vive demasiado sob a tirania do medo e insistir em mostrar-lhe os perigos que o ameaçam só pode conduzi-lo à apatia da desesperança. O contrário é que é preciso: criar motivos racionais de esperança, razões positivas de viver. Precisamos mais de sentimentos afirmativos do que de negativos. Se os afirmativos tomarem toda a amplitude que justifique um exame estritamente objectivo da nossa situação, os negativos desagregar-se-ão, perdendo a sua razão de ser. Mas se insistirmos em demasia nos negativos, nunca sairemos do desespero".

Em teoria, Russell tinha razão - na prática, acordarmos numa terça-feira de Primavera com bombas a explodir no meio da Europa e dezenas de mortos e feridos inocentes, cujo único erro (em rigor, azar…) foi estarem na hora errada no lugar errado, não deixa margem de manobra para esses "motivos racionais de esperança". Tanto mais que aqueles que nos decretam a tirania do medo são seres humanos como nós. São pessoas. Movidas pelo ódio, filhos da guerra, fanáticos, loucos, fundamentalistas, não adianta muito ir procurar a motivação desta gente - mas adianta parar para pensar que, quer queiramos ou não, aqueles assassinos nascem iguais a nós. Lá está: em igualdade e direitos.

E é por isso que estamos claramente a perder a guerra. Porque não estamos ao mesmo nível de quem nos ataca - estamos moral e eticamente acima, o que nos deixa mais vulneráveis. Ou seja, mais abaixo. É isto que está em causa e é neste quadro que o futuro se desenha.

As opções são escassas e o tempo também. Ou a Europa-que-decide se une e reconhece que estamos em guerra - e nesse caso não chega aumentar níveis de segurança e defender-se, talvez tenha mesmo de conceber uma estratégia mais musculada… -, ou vai continuar a deixar-nos viver na roleta russa de todos os dias. Com sorte, muitos de nós continuarão a não estar à hora errada no lugar errado.

COISAS QUE ME DEIXARAM A PENSAR ESTA SEMANA

Esta foi a ultima semana do jornal britânico The Independent em papel. A saída de cena foi bem montada, agora resta-nos o online e as versões mobile. Ao mesmo tempo que esta mudança sucede, o seu "rival" The Guardian, salvaguardado pelo financiamento de uma fundação que o sustenta, vai-se mantendo de pé, ainda que com previsões vagas de um futuro sem papel. A sempre assertiva revista "Prospect" escreve sobre o tema, num excelente artigo em que observa e perspectiva o que pode ser o futuro do The Guardian e do seu dominical The Observer. Vale a pena ler.

A situação no Brasil é tão confusa para os próprios brasileiros que o jornal Estado de São Paulo descobriu o filão editorial: livros que ajudam a entender o que poucos percebem. Este artigo alinha os livros que estão a ser preparados sobre o momento…

Quem quiser entender melhor o que está em causa nos atentados de Bruxelas tem forçosamente de passar pelas páginas do The Guardian. E já agora espreitar algumas das primeiras páginas mais fortes de ontem…