Neto de Moura, processe-mos

Neto de Moura, o juiz que cita a Bíblia em acordos judiciais, vem agora reencarnar a Inquisição. Nada que nos surpreenda verdadeiramente, tendo em conta que ele vive, de facto, no século XVI. Mas o juiz está então agora a perseguir, escrutinar e processar todos aqueles que ousaram atentar contra o seu bom nome (o que é um bom nome?), seja em forma de comentário político ou escárnio humorístico. Que a sua masculinidade era mais frágil do que qualquer mulher vítima de violência doméstica, já todos nós tínhamos percebido. Que a sua toxicidade tivesse tons pidescos, já é uma camada extra de tacanhez que tem até uma certa graça.

Acho realmente divertido que ele ache que as críticas, em forma de piada ou não, de que tem sido alvo constante (surpresa, nem toda a sociedade pensa de forma medieval como ele) são um crime horrível, e que quem o perpetra merece os mais justos e duros castigos. Já quem dá socos e pontapés, físicos ou mentais, a uma mulher não merece que lhe causem grande transtorno. E isto tudo, pela honra. Pela honra do seu bom nome que não pode nunca ser escorraçado em praça pública, por mais infame que seja a sua conduta, pela honra de um homem que foi traído pela mulher que agrediu, por mais bárbaro que isto seja.

Como é que alguém, em 2019, crê realmente no conceito bacoco de honra? Como é que algum juiz de um Estado laico se atreve a citar a Bíblia na decorrer da sua profissão? Como é que uma pessoa numa profissão fundamental da sociedade odeia tanto as mulheres? Como é que há sequer um ser humano no mundo que ache realmente que atentado ao seu bom nome é um crime mais grave do que violentar fisicamente outro ser humano? São perguntas fascinantes, se acharmos a estupidez cavalar fascinante, para as quais não tenho resposta.

Nada caro Neto de Moura, alguém que pensa como o senhor, envergonha-me muito, tanto como me preocupa por desempenhar as funções que ainda (esperemos que por muito pouco mais) desempenha. Mas acima de tudo, dá-me pena. É preciso uma pequenez muito grande para se pensar assim. É preciso odiar-se muito a si mesmo para odiar outras pessoas assim.

Mesmo nada caro Neto de Moura, no meio de tanto pensamento abjecto que tem sobre a sociedade e as mulheres, que lhe surja por milagre divino (vamos aproveitar que acredita que Deus existe mesmo e é machista) a luz que precisa para perceber a alarvidade de querer processar pessoas por apontar o dedo à sua misoginia. Mas se tal não acontecer e se sentir melindrado na sua honra também com esta crónica, pode juntar-me à lista. Processe-mos.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Lugar Estranho: Ainda há bilhetes para Viseu (22). Bora ☺