As relações entre a Escócia e a Inglaterra raramente foram pacíficas, e só em 1707 é que os dois países se integraram oficial e permanentemente. Para trás ficaram séculos de guerras de conquista colonial, questões sucessórias e religiosas, revoltas, e uma hostilidade evidente entre a sociedade tribal escocesa e o estado cada vez mais moderno - e militarmente eficiente - da Inglaterra. Embora o acto constitucional de 1707 tenha sido celebrado simultaneamente nos parlamentos de Londres e Edimburgo, a vida entre as duas nações é o que a moderna teoria política considera uma relação colonial: os escoceses pagavam mais impostos, tinham menos oportunidades e eram vistos como inferiores.

No período do grande Império Britânico a situação foi mais estável, sobretudo graças à política de Londres (usada em todas as colónias) de captar as elites para as suas escolas e dar-lhes carreiras nas artes e nas ciências. Para dar alguns exemplos, entre milhares, Alexander Fleming, o inventor da penicilina, James Watt, o inventor da máquina a vapor, o arquitecto Charles Renie Mackintosh e o pintor Henry Raeburn eram escoceses. Os regimentos de Highlanders fazem parte integrante do exército de Sua Magestade; John Moore, nascido em Glasgow, foi um dos mais importantes generais na Guerra da Independência dos Estados Unidos. Os soldados escocesses usam o famoso kilt nas paradas, mas combatem com o uniforme nacional nos teatros de guerra.

No século XX, o Reino Unido começou a mostrar fissuras impossíveis de ignorar no seu interior. Em 1921, a Irlanda, que sempre fora tratada como uma colónia inferior à Escócia, tornou-se independente, depois de uma guerra brutal de dois anos. Em 1934 formou-se o Partido Nacional Escocês, posteriormente dirigido pela figura carismática de Alex Salmond. Em 1997, um referendo criou o Parlamento Escocês, com poderes locais alargados. Em 2015, Salmond saiu de cena e o partido passou para Nicola Sturgeon. Nos referendos ingleses seguintes, desta vez para a entrada na Comunidade Económica Europeia, em 1973, e na União Europeia, em 2016, os escoceses votaram maioritariamente a favor - assim como no famigerado Brexit 45% votou a favor da permanência. Já no referendo para a saída do Reino Unido da UE, em 2016, votaram a favor de ficar.

A saída da UE acicatou o desejo da Escócia de se tornar independente, para poder sozinha voltar a integrar o Bloco Europeu.

(Note-se, a talhe de foice, que isso é possível, uma vez que a Inglaterra não pertencendo à UE não poderia opôr-se, o contrário do que aconteceria com uma Catalunha independente, que teria sempre o voto contra de Madrid.)

Em termos gerais, a Escócia é muito mais à esquerda do que o restante Reino Unido (Irlanda do Norte e País de Gales). O Partido Conservador praticamente não tem expressão. A luta partidária tem sido entre a esquerda trabalhista e os independentistas, considerados centro-esquerda.

No ano passado, Sturgeon propôs um novo referendo independentista, reforçada pelo desejo dos escoceses de permanecer na UE. O governo inglês, na altura chefiado por Boris Johnson, recusou, baseado no direito constitucional de o fazer.

Mais recentemente, a 21 de dezembro, aconteceu um novo diferendo entre os poderes de Edimburgo e Londres;: o parlamento escocês, dentro das suas competências, votou uma lei que permite às pessoas transexuais afirmarem-se como tal legalmente, sem necessidade de autorização médica. O parlamento inglês, de maioria conservadora, anulou a decisão.

Estes atritos têm levado o Partido Nacional Escocês a considerar que as próximas eleições gerais inglesas, em 2025, também serão indirectamente sobre a independência da Escócia - caso o partido consiga finalmente ultrapassar os 50% de votos. Seria essa a próxima oportunidade de Edimburgo.

É neste contexto que, subitamente, Nicola Sturgeon se demite. A razão apresentada é o desgaste de mais de oito anos no poder. Diz ela que deseja voltar à “vida normal”, fora da política. Afirmou taxativamente: “Um primeiro ministro nunca está fora de serviço. Particularmente nos tempos que correm, não há nenhuma privacidade. As coisas corriqueiras que a maioria das pessoas consideram normais, como ir tomar um café com amigos e dar um passeio, tornam-se muito difíceis”.

Não faz muito sentido, uma vez que Sturgeon, de 52 anos, é uma lutadora temível e nunca baixou a guarda. Mas é o que ela diz e não se descortina nenhum motivo específico — a não ser uma série de pequenos e grandes escândalos dentro do partido, o que provocou um aumento de apoio aos trabalhistas (que são anti-independência). Contudo, foi precisamente agora que as sondagens deram pela primeira vez 50,7% aos nacionalistas.

No Partido Nacional Escocês, apanhado desprevenido, reina a confusão. Para já, a opinião geral é de que a demissão atrasará pelo menos em cinco anos a hipótese de outro referendo independentista. Depois, há a questão de quem irá substituir Sturgeon. Há sete candidatos mas, dado que ninguém esperava esta demissão, nenhum deles se preparou convenientemente para a escolha que acontecerá em breve.

O Partido Trabalhista tem aqui uma boa oportunidade de subir nas eleições. Mas a Escócia será sempre um problema - e um enigma - para o Reino Unido.

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