É uma tristeza que uma vida, para mais adolescente, chegue ao fim por vontade própria. Se Noa Pothoven tivesse escolhido atirar-se por uma janela a altura que tornasse a queda fatal, se disparasse um tiro contra a cabeça ou uma outra forma de suicídio, o caso desta jovem holandesa cuja vida se tornou um calvário de violência e doença provavelmente não teria saído das notícias locais em Arnhem, cidade de 150 mil habitantes a poucos quilómetros da fronteira alemã.
Noa, 17 anos, escolheu tentar a eutanásia. Mandaram-na esperar que o cérebro dela crescesse, apontaram para os 21 anos de idade. Ela não conseguiu esperar e morreu há uma semana por desnutrição. O caso de Noa abre um justificado debate sobre a liberdade de escolher e sobre o dever de assistência.
Num diário que passou como autobiografia a livro Winnen of Leren (Ganhar ou aprender) em novembro passado, Noa escreveu que “ladrões entraram dentro do corpo” dela e lhe levaram “a alegria de viver”. Noa foi vítima de abusos sexuais aos 11 e aos 12 anos, e de violação aos 14. Noa era uma aluna que relatam alegre e com boas notas até ao primeiro abuso que sofreu, numa festa escolar, tinha 11 anos. O caso foi falado e, meses depois, já com 12 anos, voltou a ser forçada por colegas. Tinha 14, ia pela rua ao fim de uma tarde e foi outra vez violentada, violada por dois homens. Nesse dia, contou à mãe. A cabeça de Noa passou a reviver estes assaltos todos os dias, a todas as horas.
A violência daqueles abusos, entre os 11 e os 14 anos, mergulhou Noa em depressão e stress pós-traumático, que conduziu a grave anorexia. Passou a sentir que a vida no sofrimento e na dor não vale a pena ser vivida. Noa confessou no diário que lhe faltavam forças para falar, e “muitas vezes, até para abrir os olhos e para respirar”.
A vida de Noa passou a estar confinada a casa, hospitais e centros especializados de tratamento psicológico. Foi nos últimos três anos submetida a várias temporadas de nutrição forçada e, constantemente, a doses de cavalo de tranquilizantes e anti-depressivos. Isto, ao mesmo tempo que Noa passou a pedir insistentemente que o fim dela pudesse ser abreviado com recurso à eutanásia.
A eutanásia está prevista na lei holandesa desde 2002. O pedido, a uma comissão de ética que aprecia cada caso, é admitido para pessoas com doença comprovadamente incurável e sujeitas a sofrimento extremo. O pedido é apreciado para idade logo a partir dos 12 anos, porém, entre os 12 e os 16, a vontade do adolescente tem de ser corroborada e coincidir com a dos pais e do médico assistente. A partir dos 16, deixa de ser necessário o consentimento dos pais, mas é condição prévia para apreciação de cada pedido, um detalhado relatório do médico que acompanha a pessoa que pede para aceder à morte por eutanásia.
Noa desencadeou há três anos esse processo de pedido de eutanásia.
Tantos psicólogos, psiquiatras e médicos de outras especialidades pelo mundo já ouviram pessoas a dizer-lhes de modo obstinado “quero morrer”. É, necessariamente, um abalo, um peso e uma responsabilidade acrescida para o terapeuta que escuta esse grito.
Torna-se mais complexo quando o paciente que tem a alma desesperada não sofre de alguma doença irreversível e mortal, que torne a vida insuportável para ser vivida. E ainda mais quando o paciente é alguém cuja vida ainda está no começo e não no tempo de fim.
É facto que a doença psíquica, como neste caso de Noa, também pode mortificar, de modo tão devastador que faz desejar o fim. Mas é suposto haver modo de tratamento, ainda que prolongado. Será que Noa teve a assistência devida? Será que desesperos como o de Noa têm o cuidado terapêutico que merecem? Será que a saúde mental está a ser tratada tal como outra qualquer doença grave, o cancro, a leucemia ou outra?
A eutanásia tem em conta a liberdade de escolha de cada pessoa e, ao mesmo tempo, o respeito pela vida. A eutanásia possibilita que quem está com mal irreversível e não aguenta mais possa chegar ao fim de modo suave, acompanhado, acarinhado e não tenha de se expor à violência suplementar de ousar atirar-se de uma varanda para a morte. No caso de Noa, a comissão de ética que apreciou repetidamente o caso, não autorizou, insistiu na continuação do tratamento.
Noa morreu no primeiro domingo deste junho, após três anos de sofrimento maior. Formalmente, não morreu por eutanásia, não lhe foram aplicados fármacos letais. Os pais chegaram a contactar a Levenseideklienik, uma clínica holandesa que pratica a eutanásia conforme a lei, e esta recusou intervir por neste caso não haver parecer favorável. Noa deixou-se morrer por ter deixado de se alimentar e hidratar quando já estava muito fragilizada.
Este relato do que aconteceu nos últimos dias com Noa ainda em vida faz pensar que os pais, ao não forçarem a alimentação, colaboraram com a vontade de Noa.
Fica reforçada a questão: a medicina fez tudo o que era preciso? As autoridades holandesas abriram um inquérito sobre as circunstâncias desta morte.
Também fica um confronto tenso entre liberdade de escolha e autorização da eutanásia. Neste caso, parece certeira a decisão da comissão de ética holandesa que mandou que o tratamento continuasse a ser tentado com determinação. Alguma coisa falhou e a pessoa de 17 anos morreu.
Bem diferente é o caso de Vincent Lambert
Ele e a mulher, Rachel, formaram-se em enfermagem e ambos foram colocados no hospital de Reims, no leste da França. Em 29 de setembro de 2008, Vincent ia de moto, de casa para o hospital quando teve um acidente grave. Os médicos apontaram logo lesões cerebrais irreversíveis.
Vincent ficou tetraplégico e nunca mais acordou. Está há 11 anos em vida vegetativa, sustentada por máquinas. Nos primeiros três anos ainda foi tentada a esperança de alguma evolução, mas o milagre, claro, não aconteceu. Em 2011 os médicos reuniram-se com a mulher e acordaram que não faria sentido prolongar a vida vegetativa.
Rachel expôs a realidade aos pais de Vincent e estes entenderam a inevitabilidade. Porém, foram consultar o pastor da comunidade religiosa que integram e onde é cultivada uma forma ultra de catolicismo. Os pais foram mobilizados para recusarem o consentimento de qualquer cedência ao fim da vida.
Desde então, o caso que deveria ser privado, tratado com recato e com o amparo da medicina, é tratado na praça pública e abre telejornais com as decisões contraditórias da justiça sobre se pode ou não ser iniciado o fim do suporte da vida vegetativa de Vincent.
Ele, desde há 11 anos, nunca mais acordou, a família está há 11 anos em confronto de escolhas e em sofrimento que deveria ser abreviado. Porque, como reconhece o atual Papa, “é moralmente lícito renunciar à aplicação de meios terapêuticos, ou suspendê-los, quando essa aplicação não tem correspondência com critério ético e humanístico” para suporte de vida.
Morrer é um momento extremo do viver. Deve ter, tal como no tratamento em busca da cura e por igual nos cuidados paliativos, acompanhamento adequado à dignidade humana. Qualquer decisão, com respeito absoluto pela liberdade individual, passa pelo devido equilíbrio entre insistência e desistência terapêutica.
No caso de Noa, deveria ter havido toda a insistência. No caso de Vincent, a desistência parece um dever.
A ter em conta:
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