Lisboa foi subitamente tomada de assalto, resultado do luxo que sempre foi viver em Lisboa: uma cidade pequena com dimensão suficiente para nos perdermos, repleta de tradições e história, soalheira, uma calçada que conta parte da sua história e colinas que escondem muitos segredos. Lisboa é, de facto, um luxo e não apenas pelas lojas que se instalaram na Avenida da Liberdade, transformada numa espécie de fast luxury fashion para um consumidor aparentemente luxuoso que gosta de preços inflacionados para se sentir na moda.
O mercado do luxo cresceu 5% em 2017 e corresponde a vários milhões de euros multiplicados por três. Associados aos produtos dos segmentos tradicionais estão a crescer novas áreas de negócio, vocacionadas para as experiências ou prazeres de luxo, muitas vezes associadas à gastronomia e vinhos. O crescimento é maior e mais rápido na China, com uma classe média informada e ávida por coisas novas. Portugal começa timidamente a fazer parte deste mercado, resultado do movimento imobiliário associado, recentemente, ao turismo que, nos últimos anos, nos posiciona como um mercado emergente neste sector, com o consumidor angolano a dominar a maior percentagem das compras de luxo.
Nas marcas e no consumo de luxo há categorias e tipologias interessantes porque o luxo não se limita ao preço exageradamente elevado. A Starbucks, por exemplo, é considerada uma marca que corresponde ao luxo do dia-a-dia, da mesma forma que a Tiffany's é uma porta de entrada para um universo ainda considerado acessível a uma larga percentagem de consumidores, onde encontramos, por exemplo, a Prada. Já a Louis Vuitton faz a ponte entre este luxo acessível e as marcas que são consideradas de luxo, como a Rollex, seguidas de marcas de joalharia e relojoaria às quais poucos conseguem chegar, como a Harry Winston ou Patek Phillipe para, finalmente, atingirmos um ponto a que pouquíssimos conseguem chegar. E quando mais exclusivo e personalizado, maior o luxo, o que quer dizer que quando uma marca é acessível a muitas pessoas perde parte do seu estatuto de luxo.
A definição do luxo foi, naturalmente, evoluindo ao longo da história, de uma abordagem de opulência para outra, em torno das experiências que coleccionamos, uma preocupação com ética na produção e sustentabilidade, numa atitude consciente que revela claramente uma passagem da posse para o usufruto em torno da conveniência, escolha, valor e possibilidade de partilha. O consumo está principalmente nas mãos dos millennials, enfatizou Alexandre Arnault co-CEO da Rimowa na conferência The Language of Luxury, enquanto acrescentava a importância dos produtos e das marcas na construção da identidade que esta geração expõe através dos media sociais, principalmente o Instagram. Neste contexto social e digital, a futurista Sophie Hackford trouxe à conversa a importância da inteligência artificial na definição de novos modelos de consumo e na forma como a automatização das experiências se tornará uma realidade com, por exemplo, uma espécie de embaixador digital para cada um de nós, a cuidar da nossa presença no mundo virtual, negociando valores e efectuando as compras do dia-a-dia.
Nesta ligação entre o futuro digital e o presente ainda bem real, a conferência internacional de luxo da Condé Nast cruzou uma diversidade de temas com a moda e o luxo como pano de fundo. Questões como inovação e modelos de negócio, identidade, cultura, sociedade, futurismo e o impacto da digitalização cruzaram-se na expressão de mais de 20 oradores que passaram pelo Páteo da Galé, em Lisboa. Stefan Siegel, criador e CEO da Not Just a Label, plataforma digital criada em 2008, para apresentar e promover o trabalho de jovens designers de moda, foi peremptório e capaz de colocar a tónica num apelo a uma maior consciencialização para temas como o consumo passivo e irresponsável, denunciando, também, a ganância das marcas que desvalorizam o trabalho criativo especializado, derrubado pelo recurso a celebridades que ocupam o lugar de designers, em nome de um sucesso imediato e da popularidade que uma hashtag ou emoji podem trazer nas redes sociais digitais.
Siegel referiu igualmente a importância de redescobrirmos o nosso sistema de valores, ideia explorada por outros oradores, como Angelica Cheung, responsável pela Vogue na China, quando recordou que devemos acompanhar os tempos sem esquecermos quem somos, o que representamos e, em última análise, a nossa identidade. Facto que também Marisa Berenson, fundadora da Marisa Berenson Cosmetics referiu quando afirmou privilegiar a autenticidade e os valores como base da sua marca. Vânia Leles, criadora da Vanleles Diamonds contou a sua história pessoal que é, também, a história da sua marca de joalharia, demonstrando a importância de uma atitude responsável e de trabalhar com fornecedores de pedras preciosas eticamente responsáveis, aspecto que, numa outra perspectiva, também Simona Cattaneo da Coty Luxury defendeu: a comunicação das marcas das diferentes áreas em que operam (beleza e perfumaria, por exemplo) segue uma lógica de transgressão para deitar por terra preconceitos sociais e possibilitar a criação de uma narrativa que corresponda à diversidade social e cultural do mundo em que vivemos, algo que, também o mundo da moda e a indústria do luxo têm alguma responsabilidade em contribuir para mudar.
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