Esta não é uma crónica incendiária sobre questões de género, não chegou atrasada em relação à notícia da aprovação da lei das quotas de género nem vem defender supremacia feminina. É apenas um apontamento sobre a forma como a discussão se centra, tantas vezes, muito superficialmente no género, ignorando aspectos que lei nenhuma pode regular.
Ser mulher, nos dias de hoje, está na moda, da mesma forma que, em alguns círculos, o homem é apontado como a raíz de todos os males. Não só essa ideia é um enorme disparate como o problema da sociedade, seja em relação ao que for, nunca é da Mulher ou do Homem, mas de pessoas mal formadas, mal educadas e com uma natureza que as leva a praticar o mal, em vez de se dedicarem a espalhar o bem. Inveja e preconceito, discriminação e injustiça estão no topo das atitudes que fazem prevalecer a ideia que isto só lá vai com quotas. Não sei se vai.
Estão na moda clubes, encontros ou iniciativas dedicadas às mulheres. As melhores, para mim, são inclusivas e não exclusivas, colocando as mulheres em primeiro plano sem, contudo, excluir os homens, promovendo tanto um sentido de proximidade, união e entre-ajuda entre elas, como entre elas e eles.
Nisto de questões de género nem sempre o problema é o género mas sim, o género de pessoas. Se temos uma sociedade conservadora, patriarcal, sexista, machista, misógina, a culpa não é só deles. Também é nossa que permitimos, durante demasiado tempo, que se estabelecessem padrões que separam os direitos das pessoas. Também somos racistas, xenófobos, intolerantes. Toca a todos. Eles e elas que nestes domínios se confundem bastante, assumindo discursos, comportamentos e atitudes que contrariam esta tendência de uma sociedade mais esclarecida, paritária e equilibrada.
A luta dos sexos, das gerações ou, mais importante, pelo respeito e igualdade, perde-se no tempo. Talvez tenhamos todos uma tendência natural para nos considerarmos melhor do que o outro, ignorar a palavra diferença e repudiar tudo o que esteja distante do nosso quadro mental ou padrão de comportamento. Basta pensarmos na expansão territorial dos povos ao longo da história, nas cruzadas, na expansão marítima ou escravatura para percebermos que há em nós uma natureza conflituosa que tem tudo para correr mal. Que relação com os tempos modernos?
Se não for óbvia, pensemos na forma como a separação dos direitos, deveres e na rígida definição dos papéis sociais entre homens e mulheres é, também, uma forma subtil de escravatura. Deles que não podem abandonar esse papel de homem da casa, pai de família ou garanhão que papa todas, o machista que se acha melhor do que elas. Delas que ganham prefixos e sufixos porque se limitam a pensar, questionando. Delas, novamente, vítimas delas próprias - oh meu deus... o que vão os outros dizer!... - e dos seus pares, as outras mulheres que tão facilmente lhes apontam o dedo em vez de apoiarem, como acontece em muitos grupos femininos - não necessariamente feministas por definição - que têm como objectivo a entre-ajuda pessoal e profissional e que, acho, deveriam ser em maior número. Se esta entre-ajuda fizesse parte do nosso dia-a-dia, se na cabeça das pessoas fosse mais relevante o bem comum do que as tricas pessoais, seguramente não precisaríamos de quotas. Para nada.
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
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