Antes da questão essencial sobre a nossa impotência coletiva, há que realçar o trabalho de excelência de alguns dos repórteres nos lugares da guerra. Cândida Pinto está a ser, como sempre, um exemplo de alguém que cumpre com máximo apuro a missão do repórter: vê e ouve por nós, é uma extensão dos nossos olhos, dos nossos ouvidos – dos nossos sentidos. Com a valia suplementar de o testemunho que nos traz estar alicerçado em experiência e conhecimento profundo das raízes dos conflitos. O  relato chega-nos assim sempre com o enquadramento e a sobriedade que  nos permite, serenamente, sem impulsos emocionais, entender e formar opinião. É o que se espera de um repórter. Está por nós no lugar da notícia e consegue, com inteligência, contar o drama em modo apontado ao nosso raciocínio, não à excitação das emoções.

Qualquer ser humano lúcido só pode repudiar que a guerra seja uma etapa no desenvolvimento de qualquer conflito. Estar contra a guerra leva a estar contra qualquer atitude que contribua para a escalada da guerra.

Entra aqui um conflito íntimo: a emoção leva-nos a desejar que as nossas tropas se juntem com toda a força à defesa ativa do povo que está a ser agredido de modo ignóbil; a inteligência faz-nos compreender que ao acrescentarmos exércitos à guerra estaremos a ampliar a extensão da guerra e com risco fora de controlo, por sabermos que o comando político do outro lado está na mão de um alucinado que tem poder nuclear.      

Este conflito, entre emoção e razão, fica com resolução mais complicada ao experimentarmos comparar o dilema com o que envolve uma briga de pátio: vemos um bando de rufias a agredir um miúdo; limitamo-nos a gritar aos rufias que deixam de poder comprar nas lojas do nosso bairro?  E em vez de nos organizarmos para enfrentar o bando e fazer parar a agressão ao miúdo até nos pomos a filmar a cena?

Está aqui condensada a questão que perturba, a da nossa impotência.

Perante a agressão brutal à Ucrânia, injustificada, intolerável, indignamo-nos, reagimos com palavras de vigorosa condenação, exprimimos solidariedade, impomos sanções como nunca tinha acontecido, oferecemos extraordinário apoio financeiro e militar – é um facto que a União Europeia, tal como a NATO, nunca foi tão longe na defesa da causa justa – mas sem colocarmos os nossos militares no chão ao lado da tropa do povo que está a ser agredido.

Poderia ser diferente? O risco, é indiscutível, seria tremendo. 

Ursula van der Leyen, que foi valente a liderar a resposta europeia à pandemia, também está a ser valente na resposta europeia ao atual delírio de Putin. Mas o alucinado do Kremlin, com o cinismo que tem mostrado, deve incitar os generais dele com a pergunta: quantas divisões é que ela tem? Não há um exército europeu. A NATO é outra coisa.

A Europa foi apanhada desprevenida pela pandemia. Soube reagir e ganhar a batalha.

Agora, a Europa foi apanhada desprevenida pela guerra. Os líderes europeus sabem que é trágico para o futuro de todos nós se Putin conseguir concretizar os objetivos que tem para a Ucrânia. 

Uma certeza: é vital para nós todos, der por onde der, não deixar cair a Ucrânia.  

Estamos perante duas guerras: a da Ucrânia é uma guerra de independência frente à Rússia; a outra é pela essência do sistema democrático e pelos valores fundamentais europeus. Nestas duas guerras, o adversário é o mesmo: não é a Rússia, é Vladimir Putin.

Sabemos que o invasor é forte e temível.

Mas há a impressão de que a Europa – lastimavelmente tão irrelevante em questões também determinantes como a da liberdade e autodeterminação da Palestina – desta vez está a saber começar a mostrar-se forte e coesa. Mas sem arriscar ir lá.

Racionalmente, sabemos que o risco de ampliar os exércitos envolvidos na guerra é fortíssimo. 

Mas imaginemos que Putin resolve avançar sobre um dos países vizinhos e membros da NATO. Nesse caso, as tropas da Aliança Atlântica terão mesmo de se envolver. Alguns dirão: Putin não terá essa ousadia de atacar um país da NATO. Mas há 10 dias poucos acreditariam que Putin ousasse avançar sobre Kiev.

O consolo de ver a Europa começar a aparecer mais forte choca com a sensação que persiste de ainda impotência para salvar um povo europeu que está a ser agredido. 

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