Para o público em geral, Steve Bannon, nascido em 1953, no Estado da Virgínia, é o homem que influenciou algumas políticas mais radicais do Presidente Trump, depois duma carreira menos conhecida na internet de extrema-direita. Mas Bannon, que gosta de se exibir, não é apenas um dos conservadores que nestes dois anos tiveram funções na Casa Branca. Primeiro, é muito inteligente; segundo, tem uma percepção muito acutilante da situação mundial e, terceiro, criou – ou segue – uma filosofia quase mística que combina ideias medievais com métodos de agit/prop (agitação e propaganda) modernos.
Actualmente, há bastantes homens poderosos, alguns a governar, que procedem a uma mudança na ordem dos seus países e no equilíbrio de forças mundial. Todos eles têm objectivos políticos concretos que estão aquém da mudança telúrica que Bannon estuda e procura. Ficou conhecido como um dos primeiros e principais teóricos de Donald Trump, mas nunca respeitou o Presidente, que considera intelectualmente incompetente para implantar uma nova ordem mundial: “Ele não é a causa de nada, mas sim a consequência.” Tal como o vice-Presidente Mike Pence, que só está ao lado de Trump porque acha que é o desígnio de Deus, Bannon fez temporariamente parte da equipa de Trump como etapa para um destino maior. Digamos que, enquanto os outros só querem mandar na vida dos seus cidadãos, Bannon pensa no poder em termos apocalípticos. Para ele há uma luta civilizacional, universal, em nome da superioridade de valores míticos. A questão não é globalismo versus nacionalismo, ou autocracia contra democracia; a questão é a prevalência dos valores judaico/cristãos que a etnia branca impôs ao mundo e que agora estão em crise.
Parece um delírio megalómano? Parece. Mas Bannon não é um filósofo recluso a tecer considerações aterradoras; é um operacional a trabalhar no terreno para tornar viável a sua versão do mundo.
Esta postura pseudo-messiânica poderia ser ignorada, considerando-o como mais um maluco com visões surreais à solta; mas Bannon não pode ser ignorado, porque a sua actividade já provocou, continua a provocar e promete continuar, mudanças sociais na periclitante disputa entre a mudança e o status quo. É um facto que influenciou a política da maior potência mundial e, por arrasto, do xadrez internacional; é um facto que está a participar em mudanças semelhantes na Europa. Bannon, uma figura desmazelada e pouco simpática, não parece um influenciador da elite, contudo tem um papel que alterna entre o sub-reptício e o público com efeitos visíveis. Estava com Nigel Farage antes e depois da campanha nacionalista do UKIP, na Grã-Bretanha, conversa quando quer com Viktor Orbán, da Hungria, ou Marine Le Pen em França, e tem portas abertas nas altas esferas da Polónia. É conselheiro não oficial de Matteo Salvini. Está agora a levar a sua guerra na Europa. Se saiu dos Estados Unidos derrotado, ou se foi por considerar o seu papel cumprido, depende do ponto de vista. É verdade que lá sofreu uma derrota; perdeu o patrocínio dos super-milionários ultra-conservadores Mercer, foi despedido por Trump e expulso do site ideológico Breitbart News; mas também é verdade que conseguiu que o Governo adoptasse as suas ideias e continue a pô-las na prática.
Mesmo na dicotomia clássica esquerda-direita é difícil classificá-lo; mas essa dicotomia está ultrapassada, em parte por causa de pessoas como ele, pela dialéctica globalismo-nacionalismo. Em termos do vocabulário clássico, Bannon diz que não é nem anarquista, nem libertário, mas também não gosta dos nazis e da extrema-direita racista que se identifica com ele. O que ele afirma é que os Estados Unidos e o mundo estão na mão da elite dos ricos, o “Partido de Davos”, aliados à elite política corrupta e incompetente, para explorar o homem comum. O resultado foi a “desindustrialização” do Ocidente, território da “etnia judaico-cristã”, que “tem mais de três mil anos” e agora se vê empobrecida e preterida por mão de obra barata, imigrante ou escravizada nos seus países.
A solução é o “nacionalismo económico”: trazer a industrialização de volta, manter os países como economias auto-suficientes e arrancar o poder ao grande capital multinacional predador. Nacionalismo, mas não fascismo, que, segundo ele, é a aliança do tal capitalismo vampiresco com um estado gigantesco e violento. Menos capitalismo, uma ideia querida da esquerda, e menos Estado, uma proposta da direita norte-americana.
Foi precisamente a revolta dos cidadãos da classe média branca que provocou o Brexit e a eleição de líderes renovadores, como Trump.
Para salvar a civilização é preciso impedir a crise “bíblica” dos imigrantes; Trump, Orbán e Salvini são patriotas a defenderem os seus.
Quanto ao Islão, Bannon diz que não é o inimigo, até pode ser um aliado - uma aliança apenas estratégica, uma vez que os países islâmicos não são nem judaico/cristãos nem brancos. Então, uma aliança contra quem? Contra os russos e os chineses, regimes totalitários que exploram os seus para conquistar os outros.
Se isto faz sentido ou não, em termos históricos, geopolíticos ou éticos é uma questão teórica, mas na prática tem cada vez mais adeptos. Podemos ouvi-lo da boca do próprio Bannon.
Embora esteja muito presente na Europa, como adiante se verá, Bannon não abandonou as suas actividades nos Estados Unidos. Recentemente associou-se a Ryan Kolfage, o fundador duma organização que se chama “GoFundMe”, que pretende contribuir para a construção do famoso muro com o México. Já arrecadou 20 milhões de dólares de donativos, o que não é muito, considerando que o seu objectivo são dois mil milhões, mas não deixa de ser uma iniciativa com alguma repercussão. Bannon tem uma ideia maluca para construir o muro com uma espécie de cimento feito de cânhamo, segundo noticiou o site “Vice”.
Agora, na Europa a situação parece caminhar para uma institucionalização das ideias de Bannon através de uma organização ultra-conservadora italiana chamada Dignitatis Humana Institute. O grupo, constituído em 2008 por várias figuras, que incluem um tal de Benjamin Harnwell, os deputados ingleses Gay Mitchell e Nirj Deva, e membros do grupo mais conservador e anti-Francisco do clero, como os cardeais Burke (americano) e Martino (italiano), propõe-se a “redescobrir o respeito sagrado pela pessoa humana” com vista a conseguir o “bem estar do Homem”, e “rejeitar as ideologias totalitárias do século XX, o Nacional Socialismo e o Socialismo”. Apesar de terem presença em Bruxelas, Roma e alguns países do antigo Leste, ninguém daria nada por eles, até que concluíram um acordo com o Estado italiano para tomar posse da Abadia medieval de Trisulti, um imenso convento nas montanhas Apeninas (a 80km, de Roma), com a finalidade de fundar uma universidade para educar os futuros quadros do fundamentalismo religioso mais retrógrado. Para quem duvide desta classificação, basta ler a “Declaração Universal da Dignidade Humana” que rege a instituição.
Quem está a preparar o currículo do primeiro curso é Steve Bannon, que assim parece ter encontrado uma base estável na Europa, de acordo com a sua visão do mundo.
Ninguém com uma visão equilibrada (isto é, não radicalizada) do mundo, pensará que os 350 “monges laicos” formados anualmente em Trisulti poderão mudar o rumo da História. Mas não se pode ignorar que ideias que há décadas eram consideradas extintas voltaram a despontar, tal como as doenças que as vacinas tinham eliminado beneficiaram na corrente “anti-vax”. Steve Bannon talvez não fique nos livros dessa História tão tumultuada da Humanidade, mas neste momento tem uma influência nos acontecimentos que pode ter efeitos catastróficos no futuro.
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