Os Oscar, trazendo de volta o “vã” a “relevãncia”; a cerimónia mais recente a ter injustiças, enganos, desconfianças e embaraços - um decalque perfeito do mundo. Esta imitação da vida é uma das definições mais básicas de Arte. Assim, uma entrega de prémios que há muito se marimba para a Arte tem afinal capacidade de produzi-la. Já é quarta-feira, e depois?

Estou longe de ser um detestador militante dos Oscar. Aliás, até estou a embarcar nesta coisa rara e respeitosa, que é não traduzi-los para o nome português “Óscar”, nem pluralizar para “óscares”, como se de um substantivo comum se tratasse. Sendo eu assim um snob a favor dos Oscar, anulo o snobismo anti-Oscar que com maior facilidade me acusarão. Ainda considero a entrega das estatuetas como um dos mais relevantes eventos televisivos. Com maior ou menor fulgor, os prémios da Academia continuam a conferir e recolher grande importância na indústria cinematográfica. É o Cinema, assim maiúsculo, que ingenuamente desassocio da fixação industrial. É o Cinema, assim maiúsculo, que tem as ligações ao Oscar cada vez mais frouxas e irregulares.

Não sou nada contrário à apreciação marioaugustiana de filmes. Acho importante que existam pessoas com coração tão inegavelmente bom que lhes perdoamos o macarronismo do inglês e das considerações cinematográficas. Gosto que haja gente boa a trazer amadorismo (no melhor sentido do termo) à suposta crítica profissional, porque confundem o bom e o mau com o Bem e Mal, coisa enternecedora. Isto não é paternalismo, é porreirismo, por gostar de ver o lado de entretenimento no cinema entregue a quem se sabe entreter - o tipo de pessoa que também sabe distribuir sorrisos matinais no elevador (tenho a certeza que o maravilhoso Mário Augusto o faz). O meu problema é quando o discurso presumidamente artístico redunda no mesmo, numa máscara séria posta em cima das bocas sorridentes de sempre; o patetismo que não reconhece o pathos, e a profundidade veranil de quem escava com uma pá de brincar na praia.

Ora, The Academy - a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas – tem vindo a ser razoavelmente criteriosa nas ciências cinematográficas, e ponderada quando as “artes” são sinónimo de ofícios. Mas, a mesma Academy, é muito marioaugustiana no despercebimento que a 7ª Arte, mais do que sétima, é Arte. Sei que pareço sobranceiro, mas contra a multidão de votantes da Academia apoiam-me várias razões, desde as filosóficas (lembrar de Kierkegaard, que a “multidão é inverdade”) às observações empíricas mais gritantes (se “A Paixão de Shakespeare”, “Uma Mente Brilhante” ou “Forrest Gump” alguma vez foram os melhores filmes num ano, o meu nome é Samuel Peckinpah). A Academia ora se deixa levar por um entretenimento moderado, detraindo os excessos que mais vendem bilhetes (comercial ma non troppo), ora engole embustes artificiosos e compra intelectualismo a vendedores da banha da cobra.

Afinal o que há de tão académico nas escolhas desta Academia, nomeadamente nos prémios de melhor filme? Se não vão lá pela eficácia das bilheteiras, quais são os critérios? Não sei, mas são errados. Digo-o da forma mais carrancuda possível (um anti-Mário Augusto que nunca vos sorriria no elevador). A única maneira objectiva e académica que admito que usem para formular um vencedor será a matemática: reunir o conjunto de excelências, a soma das várias disciplinas, intervenientes e métodos cinematográficos cujo resultado é o melhor filme. Só que, se há coisa que História da Arte nos ensinou desde o modernismo até à actualidade, é que não é no empilhar de formalismos que se lê uma obra de arte, nem as somas são amigas do espírito, nem é assim que andamos para a frente. Não pressinto rebeldia na análise das coisas rigorosas, nem rigor na análise das coisas rebeldes. Isso é que era!

Depois há os factores políticos, que nunca sei se são os mais injustos se os únicos ainda a conferir interesse aos resultados dos Oscar. O espectáculo continua a ter interesse per si, e aí raramente a política anda ocultada; mas as leituras que se fazem dos vencedores, dos nomeados e das tendências gera sempre aquela curiosidade que impede o evento de ser mera fogueira de vaidades, ou desfile de prémios questionáveis. A edição de 2017, em particular, foi riquíssima nas possíveis análises políticas, sobretudo na justaposição do factor Trump com as questões raciais que assombraram os prémios no ano passado. Cereja no topo do bolo - se por cereja entendermos o momento de maior embaraço alheio que já senti - foi o desfecho calamitoso desta última edição. Até tal falhanço monumental está a ser lido (às vezes com suspeições mesquinhas) de forma política, e é por estas coisas que o formigueiro nos dedos para escrever sobre o assunto não me abandonou até hoje, nem abandonará até à próxima quarta-feira.

Eu, que só vejo de vez em quando os Oscar por causa dos momentos humorísticos (como a criança que só quer ver os bonecos nos livros), e assisto em directo só porque raramente durmo (essa qualidade somada a afectos far-me-ia um bom candidato presidencial) vou, ainda assim, mergulhar com intencionalidade no assunto até à próxima semana. Bem sei que sequelas raramente ganham o Oscar de melhor filme. Bem sei e mal me importo.

SÍTIOS ERRADOS, LUGARES ERRADOS, E O RESTO

Parabéns ao Rob Lowe, a cantoria dele já não é o momento de maior desorganização da história dos Oscar.

Ainda levemente relacionado com os prémios da Academia, este é um dos sítios menos recomendáveis desta semana.

Finalmente uma menção à polémica Ricardo Costa e Expresso contra os Truques da Imprensa Portuguesa. Não morro de amores pelo facciosismo ou pelos maquiavelismos dos Truques, cuja desonestidade se amplia quando o cartão de visita (e que óptima ideia seria) passa por um policiamento das manipulações da imprensa. É custoso ver que emulam deliberadamente algumas das piores manigâncias que denunciam. Ainda assim, estou solidário com eles caso se confirme esta espécie de whistleblowing por parte do Expresso.

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