Quando o inimaginável acontece

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Era uma tarde de verão como tantas outras em Beirute, a capital do Líbano suavemente banhada no encerramento a oriente do Mar Mediterrâneo.

Seria uma tarde como tantas outras, se bem que a viver no “novo normal” a que o país não escapou por estar enfrentar a pandemia da Covid-19. No entanto, o inimaginável, algo tão dantesco, tão inverosímil que, apenas pensado, pareceria impossível, tornou-se real. Ontem, duas explosões de grandes dimensões no porto de Beirute provocaram uma onda de choque que fez soçobrar uma das mais antigas cidades do mundo.

Rapidamente as imagens do momento começaram a multiplicar-se pelas redes sociais e, com elas, as reações de choque, à medida que por todo o mundo se procurava perceber como é que algo assim aconteceu.

Ainda não se sabe ao certo o que provocou uma explosão desta magnitude. As primeiras teses, alarmistas — promovidas tanto por anónimos nas redes sociais como por chefes de estado — apontavam para um ataque, mas a tese oficial aproxima-se para duas hipóteses que não se excluem.

Se para as autoridades libanesas, o desastre pode ter sido provocado devido a materiais explosivos confiscados e armazenados há vários anos, o próprio primeiro-ministro libanês apontou como possível causa da enorme explosão as cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amónio — um fertilizante químico com propriedades explosivas — que estavam armazenadas num depósito do porto de Beirute.

Hoje, numa fase onde ainda pouco é claro, é isto que se sabe:

  • O balanço oficial situa-se, para já, nos 135 mortos e mais de 5.000 feridos, mas os números podem subir, já que as equipas de emergência mantêm os esforços para encontrar sobreviventes e corpos.
  • Foi decretado o estado de emergência em todo o país, vigente para as próximas duas semanas.
  • Entre 250 e 300 mil pessoas terão ficado sem abrigo, segundo o governador de Beirute, Marwan Abboud.
  • O mesmo responsável aponta os estragos na ordem dos três a cinco mil milhões de dólares (2,5 a 4,2 mil milhões de euros).
  • A explosão, que deixou grande parte da cidade em ruínas, sentiu-se a 240 quilómetros de Beirute, na ilha do Chipre.
  • O Presidente do Líbano, Michel Aoun, já anunciou um pacote de ajuda de 100 mil milhões de libras libanesas (perto de 58 milhões de euros).
  • Estima-se que as toneladas de nitrato de amónio estivessem armazenadas num navio apresado em 2013 e que ficou no porto de Beirute deste então, sendo que um relatório inicial apontou para falhas de supervisão e negligência. Numa altura em que se procuram responsáveis, os oficiais do porto foram colocados sob prisão domiciliária e os governantes prometeram justiça.

Tudo isto já seria suficiente destrutivo para deixar qualquer país a precisar de apoio. No entanto, somem-se estes fatores específicos que assolam o Líbano:

  • Como os restantes países espalhados pelo mundo, o Líbano está a enfrentar as condicionantes da covid-19 e a maioria dos hospitais de Beirute, já sob pressão, ficou destruída.
  • Para além disso, o país está a lutar contra a pandemia com a sua economia paralisada — o país entrou em “default” e a sua moeda colapsou.
  • O país está assente num ténue equilíbrio político em risco, já que nesta próxima sexta-feira, o Tribunal Especial do Líbano, com sede na Holanda, deve emitir o seu veredicto no julgamento de quatro homens que são suspeitos de pertencerem ao movimento/partido Hezbollah, acusado de participar no assassinato de Rafik Hariri, em 2005, e que neste momento se encontra no poder.
  • O Líbano importa a maior parte da sua comida e a explosão ocorreu à beira dos silos onde estava guardado cerca de 85% do trigo no país. O Governo estima ter trigo para as próximas seis semanas, mas vai ter de importar ainda mais.

Por estas razões é que o primeiro-ministro do país, Hassan Diab, falou numa “verdadeira catástrofe” que se abateu sobre o país, ou, como disse o fotojornalista português João Sousa, radicado na cidade, em entrevista ao SAPO24, “isto era a última coisa de que precisavam".

Por isso mesmo, dos aliados tradicionais do Líbano, como o Irão, o Egito e a França, até países como a Alemanha, a República Checa e a Noruega, são já vários os estados que se comprometeram com ajuda humanitária. Até Israel, país com o qual o Líbano mantém um conflito armado por resolver, optou por oferecer apoio.

Se pretender ajudar o país, existem já várias campanhas em curso, que pode encontrar neste website.

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