Um café que saiu caro

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Será um euro um valor demasiado elevado a dar por uma bica? Como sempre, a resposta variará consoante os questionados (e as suas carteiras): para quem faz vida a beber cafés a 60 cêntimos pelos snack-bares deste país, sim; para quem mora na Suécia, não.

O custo de um café em si não seria polémico — aliás, é, mas apenas quando sobe, só que isso são outros quinhentos —, se se estivesse a falar de apenas um. O que dá o mote a este texto, no entanto, é uma dose de cafeína um pouco maior: 25 mil cafés, portanto, 25 mil euros.

Esse é o valor que António Rolo Duarte, estudante de doutoramento na Universidade de Cambridge, estipulou como necessário para conseguir pagar as propinas no prestigiado estabelecimento e sustentar a sua vida no Reino Unido enquanto conduz a sua investigação.

Não estando na posse dessa maquia, o estudante criou então uma campanha de financiamento online sob o pretexto de que os portugueses poderiam contribuir com um euro para o seu plano de estudos, ou seja, o mesmo que pagar-lhe um singelo café (numa bomba de serviço, isto é).

Até aqui, nada de particularmente polémico. O problema é que Rolo Duarte justificou o pedido com um aparente atraso na atribuição de bolsas por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a entidade responsável pela atribuição de financiamento à investigação científica em Portugal, sob tutela do ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Quer no vídeo de apresentação, quer no website que criou, o estudante queixa-se de que o financiamento fulcral para que possa manter-se a estudar no Reino Unido foi atrasado indefinidamente.

No entanto, a FCT nega-o: apesar de ter havido uma prorrogação dos prazos de pedido de bolsa por um mês — o que, logicamente, atrasou a apresentação dos resultados por igual período de tempo — o prazo, para já, é 3 de setembro. Ou seja, a atribuição das bolsas pode vir a atrasar-se, mas tal ainda não aconteceu.

Perante este cenário, nas redes sociais Rolo Duarte começou a ser acusado de fraude e de tentar enganar possíveis benefactores. O seu nome, de resto já tinha sido alvo de mediatismo antes. No ano passado, o estudante fez declarações polémicas no programa Prós & Contras da RTP quanto à pretensa falta de qualidade do ensino superior português, reafirmando-as depois mais tarde numa entrevista.

Quanto a este episódio, Rolo Duarte nega as acusações e mantém a defesa da sua palavra e de que a FCT deixou-o numa posição incomportável. Entretanto, a sua campanha foi suspensa pelo website que a aloja, mas já voltou ao ativo.

Como é fecundo nas polémicas à portuguesa, o tema está centrado numa só figura, mas concerne um problema bem maior, que pode e deve ser trazido para a discussão pública, arriscando-se a ser obnubilado pela controvérsia e esquecido na espuma dos dias. Neste caso, é a sempiterna precariedade dos investigadores portugueses, conforme explicou Bárbara Carvalho, presidente da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica, ao SAPO24.

Em causa estão os concursos ao emprego científico em Portugal, cujos atrasos crónicos na revelação dos resultados e colocação de investigadores nas vagas disponíveis deixam os bolseiros, em si mesmo precários pela natureza dos seus rendimentos, à beira do precipício. Os produtores de conhecimento, que deviam ser acarinhados pelos seus contributos, vivem com um garrote por terem de respeitar um regime de exclusividade onde não têm direito a subsídio de desemprego ou proteção social

Com a pandemia a tornar a sua situação ainda mais complicada, urge a criação de mecanismos para permitir o trabalho digno aos investigadores portugueses, nos quais também se inclui Rolo Duarte. Este, porém, ao contrário de muitos outros e apesar de toda a controvérsia, pode sorrir: as doações seguem em força e 267 pessoas já deram 7,642.00 euros à sua causa. Ainda faltam, no entanto, muitos cafés.

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