Três anos de ataques (e uma pandemia pelo meio)

Alexandra Antunes
Alexandra Antunes

Nos últimos meses, o mundo parou devido à covid-19. Chega a parecer que não há mais assunto e, por uma vez, todos sofremos do mesmo. África, que aparenta sofrer de problemas que não chegam à Europa — ou chegam mas noutra magnitude —, vê-se a braços com o mesmo vírus.

Nas últimas 24 horas, o continente africano registou 291 mortes devido à covid-19 e mais 15.325 novos casos de infeção. No total, são contabilizados 53.543 óbitos.

Contudo, as crises vividas não são apenas pandémicas. A violência armada em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.

A província — onde avança o maior investimento privado de África, para exploração de gás natural — está desde há três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, desde 2019.

Hoje, o bispo de Pemba apelou à mobilização de apoios, uma vez que falta dinheiro para ajuda humanitária.

“Pedimos esse apoio, para que não nos deixem agora”, num ato de mobilização que deve incluir todas as pessoas e organizações, das locais às globais, “seja a União Europeia, Nações Unidas, União Africana, todos os que puderem ajudar, da maneira que puderem”, destacou Luiz Fernando Lisboa.

Todavia, os apoios não são apenas para agora. Mesmo que a guerra em Cabo Delgado terminasse já, a ajuda seria necessária durante muito tempo.

Além dos ataques começam a verificar-se problemas de carência alimentar: o Programa Alimentar Mundial (PAM) cortou no apoio aos deslocados da violência armada, por falta de doações.

Para o bispo, o que é preciso fazer é claro. “Isso mostra que temos de intensificar a nossa campanha no sentido de conseguirmos mais apoio. As pessoas não podem ficar sem alimento”, numa região onde se perdeu quase tudo o que estava nos campos, por causa da violência armada. Por outro lado, a época do ano também não ajuda: até às novas colheitas, em abril, é tempo de escassez.

No meio das dificuldades, uma luz de esperança veio por parte do Papa Francisco, que fez uma doação para apoiar deslocados da violência em Cabo Delgado.

“Num gesto de caridade pastoral, o Papa Francisco ofereceu 100 mil euros para podermos aplicar no atendimento aos deslocados”, referiu o bispo. Segundo Luiz Fernando Lisboa, o donativo vai servir para construir dois postos de saúde.

O Papa tem mostrado proximidade com o drama que se vive no norte de Moçambique “desde há muitos meses” e mais explicitamente “no dia de Páscoa, em que falou da crise humanitária” — e, depois disso, “houve uma maior abertura por parte de muitos grupos, organizações e inclusive de vários países".

Nestes meses de pandemia, Moçambique regista um total de 133 mortos e 16.244 casos de infeção. Apenas em Cabo Delgado, no que diz respeito aos ataques, recordemos os números já aqui escritos: duas mil mortes e 500 mil pessoas deslocadas em três anos. São crises diferentes, todas elas com a sua relevância. E para todas elas é preciso olhar — e agir, dentro das possibilidades de cada um. Como lembrava o bispo de Pemba, “todos somos irmãos, somos corresponsáveis uns pelos outros”.

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