Nove meses depois "botão de pânico" e demissão

Marta Pedreira Mixão
Marta Pedreira Mixão

Foram necessários oito meses e quatro dias para que Cristina Gatões Batista, ex-diretora nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), quebrasse o silêncio e fizesse uma declaração em relação ao caso da morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, de 40 anos, ocorrida a 12 de março no centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa.

O cidadão foi barrado pelo SEF a 10 de março e acabou por morrer no aeroporto de Lisboa, dois dias depois enquanto se encontrava sob custódia do SEF. O relatório da autópsia descrevia marcas de violência e que estaria de mãos e pés atados.

A morte de Ihor Homenyuk levou à instauração de oito processos disciplinares a elementos do SEF, que, após investigação, deram lugar à acusação de três inspetores por homicídio e à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto. Cristina Gatões manteve-se no cargo.

No dia 16 de novembro, em entrevista à RTP, a então diretora do SEF pronunciava-se pela primeira vez sobre o caso e admitia ter-se tratado de uma "situação de tortura evidente”, mas afirmava não ter ponderado colocar o seu lugar à disposição ou a possibilidade de demitir-se.

Hoje, quase nove meses depois, a meio de um comunicado do Ministério da Administração Interna que anunciava a “reestruturação no SEF”, foi também comunicada a demissão de Cristina Gatões por iniciativa própria.

Esta segunda-feira, tinha sido conhecida uma medida que gerou polémica: a criação de “um botão de pânico”. De acordo com o novo regulamento do Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária, para salvaguarda dos cidadãos que fiquem alojados nas Instalações do SEF no aeroporto, os quatros individuais teriam um “botão de pânico”, que sempre que ativado obrigaria ao seu registo em relatório.

Para a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, este "botão de pânico" é uma ideia que "envergonha o país". Lamentando que não tenha havido consequências políticas, ou uma palavra à família, a coordenadora do Bloco afirmou que julga não haver "facto mais grave na democracia portuguesa do que um cidadão ser torturado até à morte à guarda do Estado português, às mãos do Estado português".

Já o deputado do PSD, Duarte Marques, tinha exigido ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que procedesse a “mudanças estruturais” imediatas no SEF, caso contrário deveria abandonar as suas funções no Governo, perante a sua “falta de ação” e de decisões. Hoje, o deputado considerou que a demissão da diretora do SEF “é tardia” e que se o ministro da Administração Interna “tivesse vergonha” já teria saído do Governo, que acusa de “impunidade política”.

Mas, nas palavras de João Almeida, deputado do CDS-PP, quem hoje acionou o “botão de pânico” foi o ministro da Administração interna por não conseguir resolver politicamente um “problema tão grave”.

Já a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, evitou comentar a demissão, mas afirmou que o que está a acontecer no SEF “não é bom para o Estado de Direito”.

A reestruturação do SEF vai ser coordenada pelos diretores nacionais adjuntos José Luís do Rosário Barão e Fernando Parreiral da Silva, com o objetivo de proceder a uma “redefinição do exercício das funções policiais relativas à gestão de fronteiras e ao combate às redes de tráfico humano”, reforço da “intervenção nos domínios do asilo e da gestão das migrações” e pela “reconfiguração da forma como os serviços públicos lidam com o fenómeno da imigração, adotando uma abordagem mais humanista e menos burocrática”.

Na sequência deste inquérito, além dos oito processos disciplinares a elementos do SEF, a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) implicou 12 inspetores deste serviço de segurança na morte. A Assembleia da República aprovou também quatro propostas de audições sobre o caso, entre as quais as do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e da procuradora-geral da República, Lucília Gago.

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