O "erro burocrático" que expôs ativistas russos e colocou Medina debaixo de fogo

Alexandra Antunes
Alexandra Antunes

A notícia foi ontem avançada pelo Expresso e trouxe o reboliço à atualidade portuguesa, construindo uma ponte até à Rússia: a Câmara Municipal de Lisboa partilhou os nomes, moradas e contactos de três manifestantes russos que, em janeiro, participaram num protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor daquele Governo.

Confirmando o sucedido, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, explicou que "o erro resultou de um funcionamento burocrático dos serviços que aplicaram nesta manifestação aquilo que aplicam à generalidade das dezenas de manifestações que acontecem no município" — e pediu desculpa por tal.

Segundo o autarca, foi aplicado o procedimento normal que se aplica em todas as manifestações desde 2011, quando foram extintos os governos civis e as competências passaram para as câmaras municipais.

Todavia, as reações fazem-se sentir — dos pedidos de demissão e esclarecimentos às queixas e acusações:

  • Carlos Moedas: O candidato do PSD à Câmara de Lisboa pediu na quarta-feira à noite a demissão de Fernando Medina devido à partilha dos dados com a Rússia — vista pelo autarca como "uma tentativa de aproveitamento político evidente". Já hoje, Moedas considerou preocupantes as explicações de Fernando Medina sobre o envio de dados para a Rússia, considerando "gravíssimo" que tenham existido outras situações semelhantes;
  • Marcelo Rebelo de Sousa: O Presidente da República considerou hoje "efetivamente lamentável" a partilha de dados sobre ativistas russos com as autoridades daquele país, afirmando que estão em causa "direitos fundamentais". Todavia, disse também compreender o pedido de desculpas de Medina;
  • Embaixada da Rússia em Lisboa: Esta entidade disse hoje que "a senhora ativista pode voltar tranquilamente para casa", numa reação à transferência não autorizada de dados de Portugal para a Rússia sobre cidadãos russos residentes em Portugal. Numa nota publicada na sua página no Facebook, a embaixada considera ainda que "o ruído levantado" sobre a transferência não autorizada de dados "é construído no desejo dos ditos ativistas de se exercitarem na autodisciplina através da politização de tudo";
  • Ativistas: Os russos cujos dados foram partilhados anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a Câmara Municipal de Lisboa para que tal "não volte a acontecer" com cidadãos portugueses. "Estamos a falar com vários advogados para ver como proceder com a queixa para que isso não volte a acontecer com os cidadãos portugueses", disse à agência Lusa Ksenia Ashrafullina, uma das ativistas;
  • Comissão Nacional de Proteção de Dados: Está aberto um processo de averiguações à partilha de dados pessoais de três ativistas anti-Putin com a Rússia por parte da Câmara de Lisboa. "A CNPD já tem aberto um processo de averiguações com base numa queixa recebida", disse à agencia Lusa fonte oficial daquele organismo, acrescentando que "enquanto o processo decorrer" a comissão não irá fazer "qualquer comentário";
  • Partidos: Foram já vários os partidos que reagiram ao sucedido. Entre eles, o CDS sustentou que a partilha de dados "representa um ato de terrorismo político e subserviência", o BE quer saber todos os casos em que foram fornecidos dados de manifestantes, o PSD diz que vai chamar o presidente da Câmara de Lisboa e o ministro dos Negócios Estrangeiros ao Parlamento para prestarem explicações, o Chega quer que Ministério Público investigue se houve pressões da Rússia neste caso e o PAN pede "cartão vermelho" a Medina.

O que aconteceu com os ativistas russos pode ter acontecido, tendo em conta a informação da Câmara de Lisboa, a outros manifestantes de diferentes nacionalidades. Por isso, a possibilidade começa já a trazer preocupação e levou, por exemplo, a associação dos ucranianos em Portugal a exigir que os dados pessoais de cidadãos daquele país não sejam revelados como aconteceu no caso russo.

Daqui para a frente, apenas a garantia de Medina sobre a cidade que junta tantos países: "Lisboa tem orgulho de ser um espaço de liberdade, segurança, expressão e valorização dos direitos humanos, do direito à manifestação, que tanto nos custou conquistar e que tanto prezamos".

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