Eutanásia: Da manifestação silenciosa à votação no Parlamento

Alexandra Antunes
Alexandra Antunes

Cerca de meia centena de pessoas juntou-se esta manhã em frente à Assembleia da República, quase sempre em silêncio, num protesto contra a eutanásia.

"Eutanásia, genocídio legal", lia-se em letras pintadas a preto e vermelho numa faixa segurada por dois dos vários jovens, alguns dos quais ainda vestidos com a farda do colégio, que se juntaram à manifestação promovida pela Federação pela Vida.

No dia em que a eutanásia voltou ao parlamento, a Federação pela Vida quis reforçar novamente a sua posição sobre um tema que a presidente, Isilda Pegado, diz não compreender como continua a ser discutido, depois do insucesso de sucessivas iniciativas legislativas anteriores.

“Quanto a nós, a questão estava arrumada, não vale a pena continuarmos a insistir tantas vezes na eutanásia até que um dia alguém a aceite. Aquilo que viemos aqui dizer é basta. Basta deste debate estéril que não resolve o problema do sofrimento”, disse a responsável.

Horas depois, o tema foi debatido e votado no Parlamento: a Assembleia da República aprovou na generalidade os quatro projetos do PS, BE, IL e PAN que regulam a despenalização da morte medicamente assistida e seguem agora para o trabalho na especialidade.

Como foi a votação?

Na votação dos quatro diplomas posicionaram-se a favor a maioria dos deputados da bancada do PS - incluindo o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias - e ainda o BE, Iniciativa Liberal e os deputados únicos do Livre, Rui Tavares, e do PAN, Inês Sousa Real.

Votaram contra as bancadas do Chega, do PCP e a esmagadora maioria dos deputados do PSD, incluindo o líder parlamentar, Paulo Mota Pinto, e o secretário-geral, José Silvano.

O projeto do PS foi o mais votado, com 128 votos a favor, cinco abstenções e 88 votos contra. Os diplomas de BE e IL tiveram ambos 127 deputados a favor, seis abstenções e 88 contra.

Já o diploma do PAN foi aprovado com 126 votos a favor, sete abstenções e 88 votos contra.

Votaram, entre os presentes no hemiciclo ou à distância, um total de 221 deputados dos 230 eleitos.

Na bancada parlamentar do PS, que tinha liberdade de voto, apenas sete deputados se manifestaram contra os quatro diplomas: Joaquim Barreto, Romualda Fernandes, Raquel Ferreira, Cristina Sousa, Pedro Cegonho, Maria João Castro e Sobrinho Teixeira.

No PSD – também com liberdade de voto — a esmagadora maioria posicionou-se contra, com cinco deputados a favor de todos os diplomas: Mónica Quintela, Sofia Matos, André Coelho Lima, Catarina Rocha Ferreira e Hugo Carvalho.

No diploma do PS, o social-democrata Adão Silva votou a favor, tendo-se abstido nos restantes.

Em todos os diplomas abstiveram-se quatro deputados do PS (João Azevedo, Ricardo Pinheiro, Nuno Fazenda e Miguel Iglésias) e ainda Lina Lopes, do PSD. Pedro do Carmo, do PS, juntou-se à abstenção no diploma do PAN.

Vai haver referendo? 

A Assembleia da República ‘chumbou’ o projeto de resolução do Chega que pedia a realização de um referendo sobre a despenalização da morte medicamente assistida.

A grande maioria da bancada do PSD – 59 deputados dos 70 que participaram nas votações – votou a favor ao lado dos 12 deputados do Chega. Votaram contra o PS, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PCP, os deputados únicos do PAN e do Livre, bem como nove deputados do PSD.

Feitas as contas, o projeto do Chega foi assim rejeitado com 71 votos a favor, 147 contra e duas abstenções, também de deputados do PSD.

Qual é o próximo passo? 

Com a aprovação dos projetos na generalidade, os quatro projetos descem agora à comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para o debate na especialidade de onde deverá sair um texto comum que ainda tem de passar pela votação final global até ser enviado para o Presidente da República.

O que aconteceu na última vez que se votou a eutanásia?

Marcelo Rebelo de Sousa vetou este decreto em 26 de novembro, realçando que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a "doença só grave", a "doença grave e incurável" e a "doença incurável e fatal".

Na nota justificativa do veto, Marcelo escreveu que no caso de a Assembleia da República querer "mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida", optará por uma “visão mais radical ou drástica” e questionou se isso corresponde “ao sentimento dominante na sociedade portuguesa”.

Ao contrário do que acontece com os diplomas de acesso aos metadados ou de emergência sanitária, que o chefe de Estado já fez saber que vai enviar para o Tribunal Constitucional, no caso da eutanásia não se sabe ainda o que fará Marcelo Rebelo de Sousa após a sua provável aprovação pelo parlamento — que passa primeiro pela generalidade, especialidade e só depois votação final global, antes de regressar a Belém.

Como reagiu a Igreja à votação de hoje?

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reafirmou hoje a sua oposição à legalização da eutanásia e do suicídio assistido, distanciando-se de “iniciativas que insistem na sua aprovação, nomeadamente os projetos de lei votados” nesta quinta-feira.

“Quando o mandamento de Deus diz ‘não matarás’, todos nós ficamos protegidos. Quando a lei dos homens permite ao Estado – às vezes e em certos casos – tirar a vida, todos nós ficamos expostos”, consideram os bispos católicos portugueses.

A CEP acrescenta, em comunicado, que “a dignidade humana, que deve ser garantida sempre e também no fim da vida, não passa pelo direito a pedir a morte mas pela garantia de todos os cuidados para evitar o sofrimento, como indicam os códigos deontológicos dos profissionais de saúde, reafirmados no contexto das reincidentes iniciativas legislativas de alguns grupos parlamentares pelas respetivas ordens profissionais”.

“Os projetos de lei aprovados representam um alargamento da legalização da eutanásia e do suicídio assistido para além das situações de morte iminente, abrangendo também situações de doença incurável e deficiência, o que aproximará a nossa legislação dos sistemas mais permissivos já existentes, que felizmente são muito poucos”, critica o episcopado.

No comunicado emitido pouco depois da aprovação pelo parlamento, na generalidade, dos quatro projetos,  a CEP reafirma que “a morte provocada não pode ser a resposta dada pelo Estado e pelos serviços de saúde” a quaisquer daquelas situações”.

Também o Grupo de Trabalho Inter-Religioso | Religiões-Saúde (GTIR) criticou “a obsessão da Assembleia da República pela eutanásia e pelo suicídio assistido”.

Integrado pela Aliança Evangélica Portuguesa, Comunidade Hindu Portuguesa, Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Lisboa, Igreja Católica, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), Igreja Ortodoxa da Sérvia, União Budista Portuguesa e União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia, o GTIR considera que esta “parece ser a resposta que a sociedade, por imposição da Assembleia da República, tem para oferecer aos doentes em sofrimento severo e em fim de vida”.

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