Onde ficam as histórias de quem vai nos barcos no Mediterrâneo?

Alexandra Antunes
Alexandra Antunes

Na semana passada, muitas foram as críticas nas redes sociais relativamente à atenção que os meios de comunicação deram ao desaparecimento do submarino Titan. O motivo? Ao mesmo tempo, a informação quanto ao naufrágio de um barco de migrantes passava para segundo plano.

Priyamvada Gopal, professora de estudos pós-coloniais da Faculdade de Inglês da Universidade de Cambridge, foi uma das vozes críticas.

"Pensando a respeito de quais histórias nos interessam e por quê, e nas histórias que nos são entregues pelos media, acho que a grande diferença entre os dois casos é que um deles [o dos migrante] foi tratado essencialmente como sendo desprovido de um protagonista, desprovido de heróis", referiu à BBC News Brasil.

"Nas notícias a respeito do Titan, houve um grande interesse a respeito de quem os seus passageiros — agora lamentavelmente mortos — eram como indivíduos, como pessoas com um rosto, um nome, uma história, com interesses e paixões. Em apenas 24 horas, fomos alimentados com muitas informações sobre eles", apontou.

Por outro lado, "os que morreram no Mediterrâneo na semana passada também são indivíduos, com interesses e histórias de vida provavelmente muito interessantes, que simplesmente não ficaram disponíveis para nós".

O que aconteceu com os migrantes?

Um barco de pesca com cerca de 700 migrantes afundou em 14 de junho, ao largo da Grécia — mas o número total de pessoas no navio não foi oficialmente confirmado.

Sabe-se, contudo, que cerca de 350 paquistaneses estavam na embarcação e muitos destes foram dados como desaparecidos, segundo o ministro do Interior do Paquistão.

Apenas 104 pessoas, incluindo 12 paquistaneses, foram resgatadas com vida, e apenas 82 corpos foram recuperados.

"Até agora, 281 famílias entraram em contacto com o Governo para dizer que os seus filhos ou familiares poderiam estar no barco", afirmou.

O que fez a Grécia?

A Grécia tem sido amplamente criticada por alegadamente não ter tentado salvar os migrantes antes do naufrágio em águas internacionais.

Todavia, as autoridades de Atenas dizem que os passageiros recusaram qualquer ajuda e insistiram em seguir para Itália. As autoridades disseram ainda que as vítimas pagaram aos traficantes entre 5.000 e 8.000 dólares pela viagem.

Nove homens egípcios suspeitos de pertencerem à tripulação do navio estão sob custódia da polícia na Grécia e enfrentam acusações que incluem participação em organização criminosa, homicídio e de causarem o naufrágio.

Há registo de mais casos destes nos últimos dias?

Sim. Ontem, 57 migrantes, entre eles 13 menores e 15 mulheres, a maioria de nacionalidade afegã, que viajavam num "veleiro suspeito" ao largo de Crotone, sul de Itália, foram resgatados pela GNR.

Em declarações à agência Lusa, Ricardo Bártolo, capitão da GNR, explicou que a operação de busca e salvamento foi realizada com a lancha de patrulhamento costeiro (LPC) Bojador, no âmbito da operação conjunta "Themis 2023".

Já no dia de hoje, as autoridades italianas revelaram que 172 pessoas resgatadas no Mediterrâneo, incluindo 61 menores, chegaram ao porto de Salerno (Nápoles), após mais de um dia de navegação desde a zona de socorro.

Entre os resgatados estão 55 menores não acompanhados, bem como quatro crianças acompanhadas com idades compreendidas entre os três e os dez anos e dois bebés, que se encontram em boa condição de saúde, segundo informações avançadas pela agência de notícias espanhola EFE.

"Muitas crianças chegaram neste barco. Estamos a contar recebê-las todas da melhor forma possível dentro de alguns dias. Não basta ajudá-los na fase de desembarque, mas devemos seguir as suas trajetórias para lhes garantir um futuro melhor", disse a conselheira para as Políticas Sociais do Município de Salerno, Paola de Roberto, em declarações aos media locais.

O navio humanitário Aita Mari, que pertence à ONG espanhola Salvamento Marítimo Humanitário, resgatou 172 das 294 pessoas que se encontravam num grupo de sete embarcações a sudoeste da ilha italiana de Lampedusa, na terça-feira, com a ajuda do veleiro Nadir, da ONG Resqship.

O que fazer?

A semana passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, defendeu que desastres como o que se registou na Grécia "envergonham a Europa". E, por isso, é preciso agir.

Questionado sobre o que tem falhado na Europa, sobretudo na União Europeia, para travar as sucessivas ondas de migrações, Cravinho admitiu erros.

"Temos de distinguir a capacidade de operacionalização e aquilo que é fruto de políticas mal pensadas. Portugal tem uma voz que procura sublinhar o valor da vida humana", respondeu, sem adiantar pormenores.

Para Cravinho, o Pacto Global para os Refugiados, aprovado em dezembro de 2018 na Assembleia Geral das Nações Unidas, continua a ser "muito importante", da mesma forma que é importante que se faça um esforço adicional entre os 27 para que haja mais apoio humanitário nos países de origem dos migrantes para que se evitem novas catástrofes.

*Com Lusa

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