O CEO da empresa tecnológica chinesa Terminus, Victor Ai, esteve na Web Summit, no painel “Building AI cities”, e apresentou o projeto Cloud Valley, um campus de inteligência artificial (IA) e robótica. É a IoT (Internet of Things) levada ao extremo.
Se chegou até aqui provavelmente está a reler: afinal do que é que estamos a falar?
Comecemos pelo início. O projeto Cloud Valley está a ser construído na cidade de Chongqing, uma região do sudoeste da China, e é o primeiro piloto mundial de uma cidade suportada por inteligência artificial. Aqui, os objetos terão sensores e dispositivos ligados à rede wi-fi para recolher todos os dados sobre tudo e há uma permanente aprendizagem sobre todas as capacidades necessárias. Segundo o CEO, ao integrar o hardware no sistema operativo, toda a cidade poderá ser gerida como os smartphones.
"Somos a primeira empresa a construir o protótipo de cidade de IA e fornecemos os sistemas no terreno para coordenar todas as diferentes aplicações verticais, tais como estacionamento inteligente, sistemas de gestão de energia inteligente, condução autónoma, retalho inteligente e muito mais. A plataforma TACOS [Terminus AI CITY Operating System] é como um carro inteligente ou um smartphone – muitas tecnologias diferentes juntas, o que tornará a cidade IA viva", explicou.
Com este protótipo será possível gerir a poluição e até aos hábitos alimentares das pessoas para satisfazer automaticamente as necessidades dos residentes. Algo como se as cidades nos conhecessem, tornando a hospitalidade transversal. Ou noutras palavras, como foi dito, vão saber sempre o que queremos e providenciar a sua realização.
Com um ambiente sensorial e ciente, a “IA pode reconhecer a chegada de pessoas e abrir as portas, sem necessidade de procurar a chave”.
O objetivo é melhorar a vida urbana e utilizar a recolha de dados para resolver problemas através da otimização do algoritmo que pode permitir à cidade e ao ambiente responder da forma mais personalizada possível.
"Faz lembrar a experiência de viver numa aldeia onde, quando se aparece, apesar de ser a primeira vez que se está lá, o barman conhece a sua bebida preferida", sugeriu Bjarke Ingels, designer da cidade de IA da Terminus e sócio fundador da empresa dinamarquesa de arquitetura BIG - Bjarke Ingels Group.
“Podemos imaginar um escritório onde as cadeiras e as secretárias se rearranjam em função dos nossos horários”, acrescenta.
Entre o conforto e a segurança e o medo do que se faz com a informação sobre os cidadãos
Todas estas possibilidades da tecnologia, mesmo com o conforto e segurança acrescidos que podem trazer, são mesmo o que queremos para a nossa vida em comum, nomeadamente nas grandes cidades? Adicionalmente, as cidades inteligentes podem tornar-se numa ameaça aos direitos humanos caso não sejam tomadas medidas para limitar o acesso à informação naquele que é um dos grandes desafios nas cidades e dos países.
O tema está longe de ser consensual - e as intervenções de Sadiq Khan, presidente da Câmara de Londres, John Tory, presidente da Câmara de Toronto, e Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, deram várias respostas neste âmbito.
Como podemos estar seguros sobre a utilização dos nossos dados? O mayor de Londres falou da experiência da cidade no contexto atual de pandemia e de utilização de aplicações de rastreio.
Segundo Sadiq Khan, havia “uma grande preocupação sobre quem teria esses dados, e preocupação sobre o 'Big Brother'”. Por isso, ao discutir a questão com os cidadãos, o governo decidiu certificar-se de que não haveria “centralização da propriedade dos dados”. Para Khan, é fundamental que as tecnologias que recorrem à utilização de dados dos habitantes sejam entendidas e aceites. "O desafio é usar as novas tecnologias de forma a oferecer confiança ao público (...) uma vez que se essa confiança é perdida, dificilmente volta a ser recuperada”, sublinhou.
“É importante que sejamos transparentes sobre as regras do jogo. Não vale a pena ter grandes tecnologias se elas não satisfizerem as expectativas que temos sobre a sua utilização. Ninguém quer que as suas liberdades civis sejam violadas ou os seus direitos humanos violados", concluiu.
John Tory, presidente da Câmara de Toronto, trouxe o relato de um projeto abandonado - a smart city Sidewalk Labs, um projeto da Google - e a aprendizagem que daí resultou.
Com 325 hectares de terreno, o projeto pretendia implementar um sistema automático de recolha de lixo, monitorizar as temperaturas da rua, entre outros indicadores. No entanto, o campus tecnológico não recebeu apoio social e foi cancelado, em plena pandemia.
"Fizemos um enorme progresso porque a única coisa que penso que arrumamos, mais ou menos, foi a questão dos dados. Houve uma grande preocupação por parte das pessoas, com o medo de empresas multinacionais que recolhem dados, incluindo o governo”, explicou.
“Tínhamos concebido um mecanismo através do qual os dados iriam para um fundo público, e haveria ali administradores fiduciários que iriam salvaguardar a utilização dos dados, e qualquer receio que as pessoas tivessem de que uma empresa multinacional os explorasse seria posto de parte. Embora o negócio não tenha avançado, deu-nos um modelo que tinha muita confiança pública e que poderemos usar no futuro".
Toronto, no entanto, foi contra a opção do governo nacional em relação ao modo de recolha de dados sobre a covid-19. "O governo disse que não iria recolher dados baseados na demografia e nós dissemos que íamos, porque sabíamos desde o início que isto seria um tesouro de informação para tentar lidar com o vírus e também abordar algumas das causas fundamentais. O vírus atingiu mais duramente os bairros de menor rendimento”.
Segundo Tory, ao dispor da informação na totalidade, conseguiram redirecionar melhor os recursos para combater a covid-19 e justificar à restante população o motivo que levou a fazer tal escolha.
Sobre Lisboa, Fernando Medina apresentou a abordagem para proteção de dados dos seus cidadãos. "Havia um sistema que concebemos no qual só os médicos e enfermeiros tinham a informação individual sobre uma pessoa. A cidade pode ter acesso a uma parte da informação, para sabermos o bairro, mas a informação privada está apenas nas mãos dos médicos”, explicou.
"A grande questão não era a tecnologia em si, era como a organizamos institucionalmente e damo s ao público a salvaguarda de que apenas as pessoas certas têm acesso a esta informação", acrescentou Medina.
O tema é global e para a comissária europeia para a Coesão e Reformas,Elisa Ferreira, a digitalização e a conectividade podem contribuir para "redefinir a dependência na geografia na Europa", tornando-a mais coesa. "Dão-nos a oportunidade de tornar a geografia menos relevante para determinar o sucesso das regiões e das pessoas", explicou.
"É por isso que se tornou tão determinante ter acesso à conectividade do futuro. A covid-19 tornou essa realidade ainda mais evidente do que nunca, apesar de já estar na agenda europeia antes da crise", referiu, afirmando que o papel da digitalização é uma das "prioridades da futura presidência portuguesa da União Europeia".
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