O prémio, promovido pela Fundação Círculo de Leitores, é atribuído bienalmente, desde 1999, distinguindo uma obra literária no domínio da ficção, em língua portuguesa, por um escritor com idade não superior a 35 anos.
“Pão de Açúcar” foi editado no ano passado, e aborda um caso verídico que aconteceu no Porto, o assassinato da transexual Gisberta, em 2006, depois de sucessivos atos de violência e na sequência de um ataque, perpetrado por jovens entre os 12 e os 16 anos, à guarda da instituição católica Oficina de São José.
O júri do Prémio José Saramago foi presidido pela editora Guilhermina Gomes e dele fizeram também parte a poetisa angolana Ana Paula Tavares, o autor português António Mega Ferreira, a escritora brasileira Nélida Piñon e a presidente da Fundação Saramago, Pilar del Rio.
Na opinião de Ana Paula Tavares, o romance de Afonso Reis Cabral, “lido com o espesso e confuso mundo da memória [e narrado na primeira pessoa] retira do esquecimento acontecimentos que os jornais e os relatórios da Polícia tinham tratado de forma redutora e parcial, com silêncios e omissões que o autor se propõe aqui revelar”.
Afonso Reis Cabral, prossegue a poetisa angolana, “apresenta um trabalho de linguagem (com a linguagem) que alerta o leitor para o que muda e permanece na escrita do romance e na narrativa dos universos recuperados".
“O autor - realça - mergulha na opacidade dos diferentes mundos da cidade velados pelo silêncio e pelo estranhamento, e trabalha novos conceitos de vida, da morte e do amor, tal como as leis da violência os alargam e tornam percetíveis”.
Mega Ferreira, por seu turno, afirma que Afonso Reis Cabral “constrói uma narrativa tensa, sob cuja linha narrativa crepita a violência dos excluídos e a raiva dos deserdados. Revelando maturidade narrativa e estilística notáveis, fazendo da contenção a arma da progressão do relato, Reis Cabral adota o ponto de vista dos miúdos administrando a construção de um sentimento grupal de medo e ódio (as fronteiras entre um e outro são ténues) que descarrega no seu elo mais fraco a raiva de uma frustração longamente contida”.
António Mega Ferreira aponta que “a originalidade da narrativa reside precisamente neste ponto de vista, que faz de ‘Pão de Açúcar’ uma espécie de romance de (de)formação, um texto que relata a formação de um grupo que se reúne num assassinato, na passagem da infância para a adolescência”.
“A ambivalência de sentimentos de todos e cada um em relação a Gisberta mostra que não há trajetos lineares para o crime, nem fatalidades sociológicas, num caso que é mais complexo ficcionalmente do que o relato jornalístico habitualmente revela”, prossegue Mega Ferreira.
"Romance compassivo, mas nunca sentimental, ‘Pão de Açúcar’ é de uma parcimónia exemplar no que respeita à linguagem pela imagística, sobretudo face à dramaticidade comovente dos envolvimentos humanos da sua estória", salienta Manuel Frias Martins, sublinhando tratar-se de "um grande romance de um jovem autor de quem a literatura portuguesa se deve desde já orgulhar-se".
Guilhermina Gomes, da Fundação Círculo de Leitores, anunciou hoje que, "sensíveis às mudanças sociais dos últimos anos", foi decidido que, a partir da próxima edição do prémio, a idade limite do autor será de 40 anos à data de publicação ao invés dos atuais 35.
Afonso Reis Cabral venceu, em 2014, o Prémio LeYa, com o romance “O Meu Irmão”. Em 2017, foi-lhe atribuído o Prémio Europa David Mourão-Ferreira, na categoria de Promessa, e, em 2018, o Prémio Novos, na categoria de Literatura.
“Pão de Açúcar”, publicado no final do ano passado, é o seu segundo romance.
O seu mais recente livro, “Leva-me contigo”, é o relato da sua caminhada de Vila Real a Faro, cumprida entre abril e maio deste ano, num total de 738,5 quilómetros, ao longo da Estrada Nacional número 2.
(Notícia atualizada às 13:14)
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