Fernando Aramburu não é novo nestas andanças da literatura — a sua carreira não só se estende até aos anos 1980, como está pejada de prémios e louvores na vizinha Espanha. No entanto, não será injusto afirmar que foi com “Pátria”, romance que narra 30 anos do terror da ETA no país basco e as suas mazelas (e que lhe valeu o Prémio Nacional de Narrativa), que se tornou num fenómeno em Portugal (e não só).
A Dom Quixote edita agora “O Regresso dos Andorinhões”, a história de um professor de Filosofia amargurado que define o prazo de um ano para pôr termo à sua vida, quando os ditos andorinhões regressarem a Madrid. Até lá, vai atando os nós soltos e desfazendo-se de pertences, escrevendo todas as noites para passar as suas memórias e traumas da mente para o papel e procurando descobrir o que o levou a tomar tal decisão. Tal como o anterior livro de Aramburu, esta não é apenas uma história pessoal, mas uma forma de escalpelizar a Espanha da atualidade.
Falando de temas atuais, é tempo de recordar um autor do passado: André Gidé, lendário e polémico escritor francês que viveu a viragem do século XIX para o século XX, tem agora a sua obra a regressar em força ao mercado português, muito por força de ter passado para o domínio comum. A Edições 70, porém, optou por editar um título até agora inédito por estas bandas — e um dos seus mais controversos.
Numa fase em que, do outro lado do Atlântico, se começa a regredir em direitos LGBTI+ sob a pretensão de uma defesa dos valores tradicionais, é curioso que, há mais de um século, Gidé tenha eternizado em “Coridon” a defesa da homossexualidade, com base em exemplos do passado. Ensaio escrito de modo socrático — ou seja, em diálogos entre o narrador e a personagem que dá nome ao livro —, a obra contém quatro segmentos em que o francês se socorre de exemplos de civilizações antigas e da cultura clássica, dos gregos até à Inglaterra isabelina de Shakespeare, para explicar que o amor entre pessoas do mesmo sexo não é tão pouco natural como os ditames sociais vieram tentar cimentar ao longo dos séculos e até aos dias de hoje.
O passado, de resto, pode não ter acontecido como nos lembramos — ou como nos contam. Paulo M. Dias e Roger Lee de Jesus frisam esse ponto exatamente em “Atualizar a História - Uma Nova Visão sobre o Passado de Portugal”. Mais do que académicos de renome, a sua vontade de fazer divulgação história levou-os a criar o podcast “Falando de História” para trazer os tempos idos para o presente e discuti-los.
É o que fazem também neste livro editado pela Desassossego, onde pretendem demonstrar que a história não é uma ciência exata — na medida em que novas descobertas e perspetivas sobre eventos, pessoas e instituições do passado a podem redefinir. Nesta obra que organizam, convidaram 28 autores para desmontar o que sabemos de 29 temas da História de Portugal, desde Viriato até ao legado da memória do império colonial, para desmontar mitos e desenterrar dados por revelar.
E se queremos saber do passado, podemos dirigir-nos diretamente até ele através dos seus autores. Meio século depois do célebre lançamento e do infame julgamento que daí resultou, “Novas Cartas Portuguesas” recebe uma reedição para celebrar os 50 anos desde que Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa desafiaram o Estado Novo e demonstraram que a Primavera Marcelista não trouxe os ares de mudança que apregoava.
Organizado pela professora e escritora Ana Luísa Amaral — que, note-se, estudou esta obra — e prefaciado por Maria de Lourdes Pintassilgo, este lançamento adiciona aos revolucionários poemas, cartas e ensaios que abalaram o país um caderno com fotografias de Jorge Horta, irmão de Maria Teresa Horta, que acompanhou de perto diversos momentos deste tempo e o processo judicial de que as autoras foram alvo. E, para lá da apresentação especial desta edição, vale sempre a pena reler os manifestos e desabafos das Três Marias quanto a um Portugal que, tendo avançado muito desde então, continua a ter de fazer o seu caminho pela condição da mulher.
Por fim, um outro raio-x ao nosso país no século passado — este mais narrativo — pode ser examinado em “A Origem”, romance considerado a obra maior de Graça Pina de Morais. Originalmente lançado em 1958, a Antígona recuperou-o numa edição de 1991, também essa já perdida no tempo. A mesma editora uma vez mais procura resgatá-lo do esquecimento — reabilitando também uma escritora ignorada.
A trama deste romance centra-se na história de uma família que vive num isolado solar do norte do país, dividindo-se em quatro sequências — "A Casa", "O Amor", "A Morte" e "O Encontro com Deus". Conhecida pelos retratos minuciosos da psicologia das suas personagens, a escritora teceu o retrato de várias gerações ao mesmo tempo que explora a condição humana e se questiona quanto ao mistério da existência.
Outros lançamentos
Pode consultar aqui outros livros que foram lançados esta semana, e cujos excertos mereceram a pré-publicação no SAPO24.
Três Mulheres no Beiral, de Susana Piedade (Oficina do Livro)
Volodymyr Zelensky - Biografia, de Sergii Rudenko (Casa das Letras)
Enquanto a Justiça Dorme, de Stacy Abrams (Clube do Autor)
George Lucas - Uma Vida, de Brian Jay Jones (Desassossego)
Killing Eve - O Amanhã Não Existe, de Luke Jennings (Minotauro)
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