Aparentemente, era no Norte de Portugal que os festejos eram mais intensos, iniciando logo na véspera do dia de Natal. Num testemunho de Sousa Viterbo, datado do dia 25 de dezembro de 1895, o poeta, arqueólogo, historiador e jornalista português, sublinhava o caráter familiar das celebrações do Natal, progressivamente deslocadas da igreja para o espaço doméstico. Conta-nos que a consoada no Norte era “pantagruélica”, acompanhada de cantares, do vinho quente em roda da lareira e da queima de um tronco de pinheiro.

Na mesa, o bacalhau era então um exclusivo do Norte e se hoje, em tempos de pandemia, quase se transformou numa iguaria para os mais ricos, há 125 anos era a delícia dos mais pobres que o comiam cozido e “ladeado dos belos olhos de couve gallega e de cebolas”. Neste ponto, hoje em dia, nada parece ter mudado, pelo menos acima do Mondego. Acrescenta que nesses tempos era tão fácil oferecer no Porto de presente um costal de bacalhau como a sul oferecer-se um casal de perus.

Em Lisboa, o jantar do dia tem a primazia sobre a ceia da véspera e é o Perú o eleito. O Bolo-Rei entra em Portugal em 1869 pela mão do dono da lisboeta “Confeitaria Nacional” e transforma-se num enorme sucesso que nem a implantação do regime republicano em 1910 conseguiu diminuir, passando a chamar-lhe apenas de Bolo de Natal ou Bolo de Ano Novo, para passado pouco tempo recuperar por vontade do povo o cetro e a coroa.

No coração da Praça de D. Pedro, no Porto, eram vendidos os produtos “mais genuínos da confeitaria tradicional”: o pão de ló coberto, em forma de corações, com pombinhas e dísticos apropriados, a nogada, grosseira, mas saborosa imitação do torrão de alicante, e uns bonecos de massa bastante dura” que o autor refere serem cobertos de açúcar e dourados nalgumas partes.

Participar na animação da cidade era obrigatório. Na última feira antes do Natal, as ruas portuenses enchiam-se da povoação rural dos arredores da cidade vestidas de trajes domingueiros. Dessa massa de gente destacavam-se os vendedores ambulantes de mel e o comércio do então inovador pão de trigo, que suplantava o molete ou a regueifa que, ironicamente, em pleno século XXI, continuam a reinar a norte pelo menos no nome – o molete diariamente, a regueifa exclusiva do domingo.

Outros autores, como Joaquim Gonçalves, recordam que no Porto de 1880, o espírito do Natal começava nas igrejas e devoções particulares com as novenas ao Menino. O bulício das ruas era envolvido pelo som produzido pelos imensos tocadores das gaitas de foles que nesse período invadiam a cidade. Num país ainda livre de hipermercados e de internet, os potenciais compradores acotovelavam-se nos inúmeros mercados onde abundavam hortaliças e frutas secas e nos quais participavam diferentes tipos de vendedores, inclusive de gravuras que pendiam em cordas e que retratavam cenas da vida de santos e episódios da caça que maravilhavam.

O alimento para os mortos também não era esquecido. Inácio Pestana, na sua etnografia do Natal, conta a tradição transmontana e minhota de alimentar as “alminhas”. Para elas ficava a mesa posta ou deixava-se à porta a sua parte da ceia. Acreditava-se que eles viriam sob a forma de borboletas participar da refeição.

O Presépio, celebrado desde a idade média em Portugal, tinha a primazia. O presépio armado era feito nas igrejas e nas casas, cantavam-se loas e beijava-se o pé do Menino Deus. Pela sua natureza litúrgica, a missa do galo assinalava o culminar do ciclo comemorativo um pouco por todo o país. A lenha ardia durante a noite na chaminé para o Menino Jesus se aquecer quando viesse na noite fria presentear as crianças que se portavam bem e que ajudavam a fazer o presépio.

A Árvore enfeitada frutificava. É no Porto, em 1865, que é armada a primeira Árvore de Natal num espaço público no emblemático Palácio de Cristal. Majestosa era decorada com brinquedos, bolas e velas multicolores, balões, algodão em rama, fitas douradas e prateadas.

O hábito de presentear já era comum e nas famílias mais burguesas eram oferecidos objetos importados das grandes capitais europeias, que incluíam os cartões-de-visita, os álbuns, as edições impressas especiais de Natal.

Em suma, no essencial o Natal pouco mudou - era e é a grande festa das famílias. Ano após ano os rituais repetem-se. O Natal é também a celebração mais globalizada. Na Europa, as sondagens de opinião demonstram que o Natal é celebrado por mais de 90% das famílias, mesmo nas famílias sem convicções religiosas.

E o que se come hoje em dia? Por cá, pelo Porto, depois do Porto de honra e das entradas, come-se na noite o bacalhau acompanhado da penca, cenouras e batatas. Tudo cozido. No dia, ao almoço, come-se o Farrapo Velho (sem esquecer os cominhos), seguido do polvo assado. A dieta dos doces que se prolonga até aos reis incluem as tradicionais rabanadas, os bolinhos de bolina, o pão de ló, o bolo-rei, a aletria, o leite-creme, entre outros.

E quanto ao leitor? Diga-nos qual é a tradição em sua casa e na sua região. Envie-nos um e-mail para 24@sapo.pt .

Seja ela qual for, o autor deixa-vos votos de feliz e pantagruélico Natal.

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