Um dos pontos altos da Comic Con é a possibilidade dos fãs encontrarem os seus atores, ilustradores, argumentistas ou criadores favoritos ao virar de uma esquina. É a possibilidade de um autógrafo – e as filas chegam a ser gigantescas –, de uma selfie, de um simples aperto de mão ou de dois dedos de conversa com aqueles ou aquelas que mudaram a nossa vida para melhor. A edição deste ano conta, por exemplo, com alguns nomes sonantes: Nicholas Hoult (que interpreta o Fera, nos últimos filmes dos X-Men), Dolph Lundgren (o Rei Nereu do novo “Aquaman” e o lendário Ivan Drago de “Rocky IV”, entre outros filmes de ação de renome), Marjorie Liu (a autora de “Monstress”), Maurício de Sousa (criador da famosa “Turma da Mônica”) e Mark Waid (conhecido pelo seu trabalho na DC Comics e na Marvel).
Mas, para além de todos estes, também existem os artistas quase anónimos, aqueles que aproveitam o Comic Con não para conhecer os seus fãs mas, sobretudo, para os angariar. Ocupam filas de mesas numa só tenda, a Artists' Alley, enchendo-as com ilustrações, postais, totebags, livros, porta-chaves, canecas e quejandos. Expõem os seus trabalhos com a candura de quem faz tudo isto apenas pelo amor à arte, praticamente longe de profissionalismos (mesmo que haja quem já tenha lançado por editoras). Respondem às perguntas com um sorriso, despertam a curiosidade de quem passa, apresentam-se e apresentam-nos o seu estranho mundo – que pode ir da animação japonesa a David Bowie.
É o caso, por exemplo, de Raquel Costa, de 38 anos, uma portuense a viver em Braga que está na Comic Con para apresentar a Little Black Spot, marca que é também o nome do seu estúdio. Começou a trabalhar em ilustração há uns “cinco, seis anos”, tendo formação em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes do Porto. Deu aulas de Artes Visuais no ensino básico e secundário, deixando posteriormente o ensino para começar a fazer ilustrações para livros infanto-juvenis. Em simultâneo, criou uma linha de produtos com ilustrações da sua autoria, “para aplicação em postais, calendários, marcadores de livros”, que acabou por dar origem à Little Black Spot.
A Comic Con, explica, serve para apresentar todas as vertentes do trabalho deste estúdio. E também “A Cortina das Aves Canoras”, comic em que trabalhou com o seu parceiro de estúdio, Nuno Filipe Cancelinha, “um prelúdio de dez páginas para um formato mais longo no qual estamos a trabalhar”. Esse livro está aqui exposto, bem como ilustrações várias de personagens de séries e filmes tão variados quanto “A Guerra das Estrelas” e “Bob's Burgers”, e até uma de David Bowie, o eterno Starman. A utilização destas, diz, é “um veículo muito interessante” de exposição do seu trabalho, já que “é fácil mostrá-lo através de coisas que as pessoas conhecem, do género: 'isto é o que eu faço com estes personagens, mas agora quero-vos mostrar aqueles que são da minha autoria'. É uma porta de entrada, na verdade”.
Também a apresentar um trabalho novo está Joana Afonso, de 29 anos, natural de Lisboa. “À séria”, faz ilustração há cerca de dez anos, tendo uma licenciatura em pintura e um mestrado em desenho na Faculdade de Belas Artes de Lisboa – está neste momento a braços com um doutoramento. Já editou “Deixa-me Entrar”, uma BD “um bocadinho mais realista” pela Polvo, e está aqui a mostrar “Zahna”, história com um ambiente “mais fantasioso”. A Comic Con ajuda nessa divulgação, já que “uma pessoa está aqui a dar a sua cara, e o seu trabalho”, num ambiente quase como de família. “Este pessoal aqui trata-se todo por tu”, conta. Tendo ido a “praticamente todas” as edições da Comic Con Portugal, quando esta ainda se realizava no Porto, admite que “os festivais são sempre bons meios” ao alcance destes artistas, no sentido de mostrarem o seu trabalho. E o negócio? “Não me posso queixar”.
Negócio, porque a Artists' Alley também o é: os artistas expõem os seus trabalhos, mas também os vendem. E nem sequer é só para veteranos. Também há quem cá esteja pela primeira vez, como Susana Resende, 31 anos, natural do Montijo. Todas as suas ilustrações são baseadas em personagens originais, e o seu trabalho vai “desde a ilustração, à pintura, até à banda desenhada”. Desde 2005 que navega por estas águas, tendo-se licenciado em pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Como influências, destaca o trabalho de artistas de banda desenhada como Alberto Breccia (“La Vida Del Che”) ou Gary Gianni (“Prince Valiant”), pintores como Gustav Klimt, e ainda o mundo da animação e banda desenhada japonesa (anime e mangá).
A sua primeira impressão da Comic Con, ou pelo menos do negócio, é um “mais ou menos”. “Existe um mercado para fanart [termo que designa obras feitas por fãs, de personagens já existentes], mas não para trabalho autoral, com personagens originais. A diferença entre o mercado português e o estrangeiro, pelo menos como eu o consegui perceber, é que o comprador estrangeiro segue o artista internacional porque gosta do trabalho dele; o português segue mais aquilo de que gosta”. Daí se explica que tantas destas bancas contenham personagens tão conhecidas e queridas do público nacional, como Son Goku (do célebre “Dragon Ball”), Pikachu (“Pokémon”) ou Deadpool.
Há precisamente um Deadpool em destaque na banca de Inês Barros, de 31 anos, de Almada. As suas inspirações passam, “basicamente”, pela cultura pop: “Filmes da Marvel, da Disney, séries como 'Stranger Things' e alguns originais”. Esta é a segunda vez que vem à Comic Con para mostrar o seu trabalho, iniciado há dez anos, contando no currículo com um curso de Ilustração e Banda Desenhada no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa. “Tem estado a correr muito bem, há muita gente, as pessoas estão a comprar”, revela. Mesmo que o apoio da própria Comic Con se tenha reduzido a “alguma publicidade” através do website oficial do evento.
Evento esse que, desabafa, podia fazer mais. “Podiam ajudar com as condições do espaço: temos pouca luz, há pessoas que estão mesmo às escuras. Juntaram as bancas todas e há pessoas que pagaram mais [por uma banca] para ter as mesmas condições do que as pessoas que pagaram menos...” Mas, ressalva, “é o primeiro ano” em Lisboa; “acho que ainda estão a experimentar para ver como é que corre. Das próximas vezes acho que será tudo rectificado, e correrá muito melhor”.
As supracitadas são também críticas feitas por Joana Afonso: “Estou a gostar da organização, [mas] a única coisa de que não gosto assim tanto é o facto de este pavilhão estar mais refundido, em comparação com os outros espaços. Mesmo em termos de luminosidade, poderia ter existido aqui algum trabalho. E está tudo um bocado labiríntico”, diz. De facto, pode ser difícil caminhar pela Artists' Alley; as pessoas acotovelam-se, as pausas para fotografias são muitas, o tempo despendido a trocar notas e moedas de mãos idem. E a luz não é, assumidamente, muita.
Mais “amargo” – ainda que entre sorrisos – é Alex, de 22 anos, de Cascais. “Isto está a tornar-se quase como que um festival de música com banda desenhada, em vez de ser um festival de banda desenhada”, lamenta. “A mudança do festival do Porto para Lisboa dá-me jeito, por ser de Cascais. Mas algumas coisas ficaram a desejar”. A sua terceira passagem pela Comic Con está a ser marcada, também, pela fraca iluminação e falta de espaço. “Houve muitos cantos cortados que não deveriam ter sido cortados”, mas, salienta, “acho que todos os anos estão a aprender qualquer coisa”.
A sua arte está radicada na cultura queer, podendo ler-se várias mensagens de apoio a pessoas transgénero, por exemplo. “Quando eu faço a minha arte, penso sempre nas coisas que gostava de ter ouvido, ou gostava que alguém me pudesse ter dito”, pelo que a cria para que “as pessoas saibam que não estão sozinhas”. É algo que, aliás, parece estar afastado do mundo das comics ou da animação. Hoje em dia “temos o 'Adventure Time', o 'Steven Universe', essas coisas todas. Mas eu ainda sou do tempo em que, quando via as 'Navegantes da Lua', elas eram primas em vez de namoradas, e lembro-me de que, para mim, não fazia muito sentido”, revela. Para já, parece ter encontrado o seu espaço – e almas semelhantes. “Fico feliz quando as pessoas me compram os pins com os pronomes, e me vêm falar das histórias delas. Gosto muito de ouvir as histórias das pessoas”. A sua história, e a dos demais artistas, continuará a ser feita (também) na Comic Con.
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