Prefácio

Como É Que É Ser Um Morcego? foi publicado há 50 anos na The Philosophical Review (Outubro de 1974). Nele tentei mostrar que a subjectividade irredutível da consciência é um obstáculo a muitas das soluções propostas para o problema mente-corpo. Desde então, a consciência tornou-se gradualmente um tópico central de debate em filosofia, psicologia e neurociência, e os problemas especiais suscitados pelo seu carácter distintivo têm recebido a maior atenção. Não há concordância sobre como lidar com esses problemas: algumas pessoas acreditam que a consciência pode ser arrumada numa visão materialista do mundo; outras, entre as quais me incluo, acreditam que a realidade da consciência implica que as ciências físicas dêem uma descrição incompleta da ordem natural; outras ainda acreditam que a nossa concepção comum da consciência pode ter de ser abandonada ou revista se for incompatível com o materialismo.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia. Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar a leitura e a discussão à volta dos livros.

Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

Talvez por ter apresentado o problema usando um exemplo particularmente vívido, o ensaio tornou-se uma referência-padrão em muitos destes debates e nas teorias que eles geraram. No início dos anos 70, eu tinha uma casa de campo, na Pensilvânia, e os morcegos faziam os seus ninhos nos madeiramentos. Ao anoitecer, saíam para ir caçar o jantar, mas ocasionalmente um deles perdia-se e acabava por entrar na casa, provocando-me uma experiência alarmante de contacto íntimo com uma criatura alienígena. Suponho que o morcego sentiria o mesmo.

Pensar no morcego tornou-se parte das minhas reflexões correntes sobre o problema mente-corpo e ajudou-me a desenvolver uma nova forma de o formular. Ao chamar a atenção para algo que não sabíamos e não podíamos saber sobre a experiência do morcego – nomeadamente como é que era para o morcego –, apesar  de podermos estar confiantes de que o que não sabíamos era real, tinha a esperança de levar as pessoas a reconhecerem que havia mais na mente do morcego do que aquilo que podia ser captado por uma descrição fisiológica ou comportamental do tipo que, em princípio, nos é acessível através da observação. E ao explicar porque é que esta característica da experiência do morcego era inacessível para nós, esperava definir o seu carácter crucial e essencialmente subjectivo.

Livro: "Como É Que É Ser Um Morcego"

Autor: Thomas Nagel

Editora: Guerra e Paz

Data de Lançamento: 28 de janeiro de 2025

Preço: € 16,00

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

O ensaio foi concebido como uma contribuição para a discussão do problema mente-corpo, e a questão do morcego era apenas um passo subsidiário na argumentação para a conclusão principal – em particular, que a subjectividade da consciência constitui um obstáculo à redução do mental ao físico. Mas o morcego ganhou vida própria e tornou-se uma referência-padrão noutra área de debate que foi gradualmente ganhando proeminência durante o mesmo período – o tópico da consciência animal. Tal como aconteceu, posso ter contribuído de outra forma para tornar esse tópico cientifica- mente respeitável. Em 1973-1974, fui professor visitante na Universidade Rockefeller e um dos seus luminares era Donald Griffin, o zoólogo que tinha descoberto a ecolocalização nos morcegos. Concordou gentilmente em encontrar-se comigo e tivemos longas conversas não só sobre morcegos, mas sobre a consciência animal em geral e a relutância dos biólogos e psicólogos em falar sobre ela ou mesmo em reconhecê-la. Ficou convencido de que se tratava de um assunto importante e negligenciado, e o resultado foi o seu livro The Question of Animal Awareness, que teve uma influência significativa, levando as pessoas a pensar o tema de forma séria. Actualmente, este campo progrediu ao ponto de existir uma vasta investigação sobre a consciência e a cognição não só de mamíferos e aves, mas também de peixes, moluscos e insectos.

O meu ensaio é por vezes mal interpretado, como se nele se afirmasse que, pelo facto de o carácter subjectivo da consciência estar fora do alcance das ciências físicas objectivas, estaria também fora do alcance da compreensão científica. Pelo contrário, creio que o que ele mostra é que a compreensão científica não se deve limitar ao tipo de teoria de uma realidade externa objectiva, baseada na observação partilhada, que caracteriza as ciências físicas. A realidade da consciência requer uma expansão das nossas ideias científicas para acomodar o que não está de acordo com a concepção física de objectividade.