"O Fernando Pessoa criou outros, era outros. De alguma maneira, nós todos somos já outros e, nesse sentido, [é] pensar o Livro do Desassossego como a porta de entrada nesta exposição. Esse desassossego que nos leva a compreender a existência de outros e outros em nós", afirmou à Lusa Paulo Pires do Vale, curador do festival.
A mostra hoje inaugurada, intitulada "Do Desassossego" e que vai estar patente até 6 de novembro, partiu da ideia de "'outridade', uma palavra inventada por Fernando Pessoa" e que vai ao encontro das noções da "incerteza, utopia e complexidade" que servem de mote ao festival e que devem ser aproveitadas "como forma de construção de uma outra sociedade".
A exposição apresenta obras dos artistas portugueses João Onofre e Fernando Calhau, da espanhola Dora García e do francês Pierre Leguillon que trabalhou a partir da biblioteca pessoal de Fernando Pessoa, expondo junto aos livros que pertenceram ao escritor, numa sala que pretende ser "uma espécie de laboratório da imaginação".
Em torno de uma mesa de trabalho, uma fila envidraçada de livros corre as quatro paredes, com alguns espaços vazios pelo meio - "porque não é a biblioteca completa" - e há um caixote de fruta que Pierre Laguillon preencheu com edições similares dos mesmos títulos.
"A biblioteca de Fernando Pessoa é tesouro nacional e eu propus um tesouro transnacional que reflete a extensão dos interesses de Pessoa. Como não podemos tocar nos livros de Fernando Pessoa, comprei alguns exemplares das mesmas edições para que o público pudesse consultar", descreveu o artista à Lusa, questionando o valor dos livros em si.
Pierre Leguillon inseriu nos livros cartões-de-visita "porque Fernando Pessoa também criou cartões-de-visita para os seus heterónimos", tendo criado também um "Museu dos Erros" que é "um museu fictício e real" porque os livros são da biblioteca do artista francês mas um deles pertenceu a Pessoa, "um livro de Alester Crowley, um mágico inglês que ele encontrou em Lisboa".
Pela primeira vez, a biblioteca particular de Fernando Pessoa viajou "em bloco" para fora de Portugal, com 800 dos 1200 títulos da coleção, uma vez que "não viajaram os livros que estavam em estado mais frágil", disse à Lusa Clara Riso, diretora da Casa Fernando Pessoa.
"Com a viagem da biblioteca, há a possibilidade de apresentar ao público francês a figura de Pessoa como grande leitor. Sendo um autor que é muito lido e traduzido, estar aqui a biblioteca é dar outra possibilidade de aproximação aos textos de Pessoa", descreveu a responsável, sublinhando a diversidade de temas que permite ver "como os interesses de Pessoa têm uma abrangência tão grande".
Na última sala, envolta com impressões dos mapas astrais que Pessoa criou para os heterónimos e outras personalidades, uma mesa expõe vários livros da biblioteca do escritor, assinados por alguns dos seus heterónimos, e Pierre Leguillon volta a inspirar-se na heteronímia pessoana para estabelecer um paralelo com os "ready-made" do francês Philippe Thomas.
"Coloquei um cartão-de-visita da agência de Philippe Thomas que queria transpor para as artes visuais o projeto de Pessoa na literatura e convidava os colecionadores a assinarem as obras que compravam", concluiu Pierre Leguillon.
A segunda exposição do festival, de 17 de novembro a 18 de dezembro, vai chamar-se "Do Possível", e vai contar com obras dos artistas contemporâneos Douglas Gordon, Corita Kent e Lara Almarcegui, entre outros.
O Festival da Incerteza vai ter, ainda, um ciclo de conferências que começa na próxima sexta-feira e uma projeção de filmes na Cité Internationale des Arts a partir de 3 de novembro.
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