Livro: Águas Passadas, de João Tordo

Convidada: João Tordo, escritor e guionista

Moderadores: Elisa Baltazar e João Dinis, anfitriões do “É Desta Que Leio Isto”

Data: 30 de setembro de 2021

Ouça aqui a conversa com João Tordo:

Sobre o convidado – João Tordo:

  • Nasceu em Lisboa, em 1975.
  • Formou-se em filosofia na Universidade Nova de Lisboa e atualmente é escritor.
  • Já publicou mais de uma dezena de romances. O último chama-se Águas Passadas, sobre o qual falámos nesta sessão.
  • É considerado um dos melhores escritores portugueses da sua geração e os seus livros estão publicados em vários países da Europa e da América.
  • Venceu o prémio José Saramago em 2009, com o romance As Três Vidas.
  • Foi ainda finalista dos prémios Portugal Telecom, Fernando Namora, Melhor Livro de Ficção Narrativa da SPA e Prémio Literário Europeu.
  • Para além de escritor, é também guionista (escreveu as séries Filhos do Rock, País Irmão e, mais recentemente, Até Que a Vida nos Separe)

Em outubro recebemos José Luís Peixoto

O escritor José Luís Peixoto é o convidado do próximo encontro do clube de leitura É Desta Que Leio Isto, no dia 28 de outubro, pelas 21h. Iremos conversar sobre o seu mais recente livro, Almoço de Domingo, mas também sobre outras das suas obras.

Para se inscrever no encontro basta preencher o formulário que se encontra neste link. No dia do encontro receberá um e-mail com todas as instruções para se juntar à conversa.

Além disso, pode ficar a par de tudo o que acontece no clube de leitura através deste link.

Sobre o livro – Águas Passadas:

  • O livro é um policial e foca-se na vida de Pilar Benamor, uma subcomissária da PSP.
  • Esta mulher está empenhada em descobrir a verdade sobre dois assassinatos de jovens com contornos muito delicados.
  • Ao lado de Pilar, estará Cícero, um eremita que a ajuda a seguir com a investigação.
  • A protagonista segue assim o seu próprio caminho, tentando entrar no mundo de um psicopata, contra ordens da própria PSP.
  • Durante todo este processo, Pilar debate-se ainda com alguns conflitos internos: a morte do pai (também ele polícia, falecido no exercício de funções), um vício agudo e o facto de ser uma mulher a trabalhar num ambiente muito masculino.

O processo do abandono do “eu”

  • João Tordo explica que, quando se escreve, é sempre interessante “abandonar um bocadinho o eu”, de modo que “foi a Pilar que conduziu este livro” e, ao autor, interessava “saber quem era a pilar”.
  • “A Pilar é uma mulher com 30 ou 31 anos” que “trabalha na esquadra de Cascais e que se vê perante dois homicídios macabros” de uma jovem e um jovem.
  • Para a protagonista, esta situação “é quase como uma lâmina que rasga uma vida que devia ter sido longa” e identifica-se com isso, uma vez que o seu pai, também ele polícia, morrera em serviço e esse foi um evento que a marcou “para sempre”.

O impasse antes de continuar

  • Enquanto João Tordo estava a escrever este livro pensou num primeiro final, mas depois percebeu que não poderia ficar assim e continuou a escrever.
  • Agora, já com a obra nas bancas, desde julho deste ano, interessa-lhe saber como é que “as personagens vão superar as suas feridas”. Assim sendo, afirma que deve haver uma sequela, mas já sabe que “com a pilar não pode fazer muitos planos”.
  • Como guionista que também é, João Tordo explica que quando escreveu esta obra não pensou que pudesse dar um filme. Mas que, se escrever outro livro, talvez pense nisso. No entanto, deixa claro: “eu acho que é muito difícil pegar num livro meu e adaptar”.

Fazer papel de mulher

  • A protagonista desta história, Pilar, é uma mulher polícia. Em trabalhos passados, João Tordo falou com algumas mulheres com a mesma profissão que afirmaram que: “uma mulher na PSP tem mais dificuldade a subir no escalão hierárquico”, “é um mundo muito masculino” e “a maior parte dos casos que a PSP assiste são casos de violência doméstica, praticados por homens sobre mulheres”. Deste modo, o autor sentiu uma grande empatia por estas mulheres.
  • Para escrever sobre uma mulher, o escritor afirma que tentou deixar de “imitar a voz feminina” e pensou: “se eu tenho essa vontade é porque dentro de mim há essa voz”.
  • Durante este processo, recorreu à sua infância, passada entre muitas mulheres da sua família, a quem teve “acesso íntimo, presencial, privado”. Sabia, por exemplo, como eram as adolescentes, porque tinha uma irmã gémea, e as mulheres de cinquenta anos, porque se recorda da sua avó quando era pequeno.

 

Histórias que perdoam

  • Pilar, em torno da qual gira Águas Passadas, tem um vício que a consome.
  • Para retratar esta situação, João Tordo inspirou-se num trabalho que fez para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que exigiu pesquisa da sua parte: o livro Que Nós Estamos Aqui, 12 Passos Para a Recuperação.
  • É neste quadro que o autor refere que “tendemos a olhar para uma pessoa com uma dependência como alguém descontrolado”, mas aquilo são “forças que estão para além dela”.
  • É deste modo que é introduzida na conversa a personagem Cícero, a quem Pilar conta a sua história de vida. Sobre este tema, o escritor partilhou com os leitores: “nós só nos sentimos perdoados quando nos contam um pouco da sua história” e a Pilar e o Cícero contam as suas histórias um ao outro e são “o espelho um do outro”.

Os desafios do policial

  • No que toca ao facto de este livro ser um policial, João Tordo refere que isso torna este trabalho “muito mais exigente” principalmente do ponto de vista de estrutura.
  • “No policial descobre-se muito porque tem de se usar mais recursos”, acrescentou, contando a história de que, quando comprou uma guitarra melhor começou também a tocar melhor.
  • O escritor acrescentou ainda: “quando estou a escrever um policial não me passa pela cabeça estar a escrever uma coisa para mim. (…) Se eu estou a escrever um livro policial ele tem de ser interessante até ao fim e isso é muito difícil de fazer”.

Um ano e meio de escrita

  • O tempo de confinamento não ajudou João Tordo a escrever o seu próximo livro, ele que costuma cerca de quatro meses a escrever e desta vez demorou mais de um ano, pela primeira vez, em quinze anos de escrita.
  • A isto, João Tordo chamou “bloqueio de escrita”. “Sentava-me à secretária e nada saía”, conta.
  • O autor confessa ter achava que a sua “seca literária também seria interminável” [tal como a pandemia]. Contudo, reconhece que “há males que veem por bem” e que “precisava deste ano de paragem”, já que por vezes é “demasiado produtivo”.
  • Este novo livro terá uma uma voz diferente da que conhecemos.

Esperanças sem fundamento

  • João Tordo lembra que “os escritores são todos um bocadinho mentirosos quando dizem que o seu melhor livro é o mais recente”.
  • No contexto do sentimento de que aquilo que está para vir será melhor, o escritor afirma: “esta coisa de projetar no futuro aquilo que eu quero fazer tem muito daquilo a que eu chamo esperança disparatada. Uma esperança que eu tenho é sentar-me e escrever o livro que eu quero escrever e depois escrevo o livro que o livro quer escrever. A nossa vida está carregada nesta esperança infundada de um mundo que não existe”, ou seja, de que o mundo real poderá ser melhor do que é.
  • É deste modo que João Tordo alia a paixão ao sofrimento, esclarecendo que “pathos é uma palavra grega associada a paixão, mas no fundo tem que ver com sofrimento”. “Só quem não tem filhos adolescentes é que não percebe que estar apaixonado é só sofrimento”, acrescenta.

 

Outros livros sobre os quais se falou:

De João Tordo:

As Três Vidas

A Mulher Que Correu Atrás do Vento

O Paraíso Segundo Lars D.

Que Nós Estamos Aqui, 12 Passos Para a Recuperação

Outras leituras:

Born to Run – Biografia de Bruce Springsteen

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