Nos idos anos 80, os Swans foram subindo a pulso a partir do nicho que era a no wave nova-iorquina para se firmarem como uma das bandas mais interessantes – e idiossincráticas – do rock n' roll, fundindo a velha hipnose blues com uma dose salutar de ruído e enveredando por terrenos assaz mais experimentais do que os seus pares. A sua reputação, nesta década, foi crescendo, também alicerçada na violência em que consistiam os seus espetáculos ao vivo. Era uma época durante a qual Michael Gira, desde sempre o líder dos Swans, partia para cima de quem quer que visse a fazer um simples headbanging – isso era um ato para “parolos” do rock, e os Swans eram a sua completa antítese; uma banda que procurava rasgar com tudo o que havia sido feito antes.

Eis-nos chegados a 2017 e muita coisa mudou. Gira já não se ergue dois metros acima dos demais para usar e abusar do seu estatuto. É agora um líder de orquestra, um homem que cresceu exponencialmente enquanto músico e enquanto showman, ou anti-showman. Mesmo que continuem a existir relatos do seu frágil temperamento, é um homem que passou a agradecer ao público que se lhe surge diante dos olhos – e o qual já deixa dedicar-se ao headbanging, como se pôde comprovar pelos muitos jovens que preencheram as filas da frente do concerto dos Swans neste segundo dia.

A reputação, no entanto, pode ser uma faca de dois gumes. Levou à dissolução dos Swans, em 1998, com a edição do álbum ao vivo Swans Are Dead. E levou à sua reunião, em 2010, tendo a partir daí expandindo drasticamente a sua paleta de sons. Ficou para trás o pouco punk que ainda resistia na música dos Swans e cresceu a aura expansiva que atribuem ao rock n'roll, com temas elétricos que podem ir dos oito aos sessenta minutos. A hipnose, essa, por lá continua. No fundos os Swans serão uma banda de blues, mas que procura o seu Deus – ou que encarna o seu Deus – através do ruído e da eletricidade, em regime quase militar. Gira, de braços abertos enquanto declama poemas apocalípticos, é pároco para uma missa que teima em encantar e reencantar todos quantos tenham a coragem de o escutar. Agora que os Swans parecem estar a preparar-se para nova pausa – Gira já anunciou que esta era a última digressão com estes membros – só poderá restar a fé, oriunda dos livros que a banda escreveu já. Duas horas de concerto e uma surdez invejável depois, ficará a pergunta: Bon Iver quem?

A calmaria antes da tempestade

Apesar disso, era a banda liderada pelo norte-americano Justin Vernon o prato forte do segundo dia do NOS Primavera Sound, algo visível nas muitas t-shirts e conversas que iam enchendo o recinto a partir das 16h00, a hora a que os portões se abriram ao público. Não só aí, mas também nos outros artistas. Os First Breath After Coma, banda de Leiria a quem coube abrir o palco Super Bock, admitiram eles próprios estar à espera de Bon Iver. Não que o seu pós-rock segundo a cartilha dos Explosions In The Sky, a quem roubaram o nome, tenha algo a ver com a folk introspetiva (no caso do último álbum, com a eletrónica introspetiva) de Justin Vernon, eles que a dada altura contaram com um convidado muito especial, Noiserv. Mas há algo na beleza do som dos First Breath After Coma que também nos remete para esses terrenos mais filosóficos. Assim como os Pond, banda que é formada por 90% dos Tame Impala, levaram o muito público já presente no recinto até ao espaço sideral, à boleia de riffs e teclados psicadélicos.

Pond
créditos: Rita Sousa Vieira | MadreMedia

Se os Swans foram a expressão máxima do anti-rock, os Royal Trux foram-no até demasiado, eles que sempre se guiaram pela velha máxima do sexo, das drogas e do género em si. Perante um público mais curioso que fiel, a dupla Neil Hagerty e Jennifer Herrema foi atuando em modo best of da melhor maneira que conseguia, ou pelo menos quando o som assim o permitia (o que não aconteceu muitas vezes). Mais que um grandioso concerto, foi uma oportunidade para testemunhar, in loco, uma das bandas que ajudou a definir o chamado rock alternativo dos anos 90. Que é o mesmo que se pode dizer dos Teenage Fanclub, que contaram, pelo menos, com alguns fãs da velha guarda a apoiar incessantemente as melodias delicodoces aliadas ao fuzz. As mesmas expressas pelos Cymbals Eat Guitars, num concerto frenético que, mesmo não tendo arrastado muito do público - que preferiu ficar pelo palco principal, enquanto tocava Nicolas Jaar - se revelou uma agradável surpresa.

Royal Trux
créditos: Rita Sousa Vieira | MadreMedia

No final da noite, não foram as guitarras mas sim os sintetizadores e máquinas de ritmos a ditar as suas regras – nomeadamente as de Richie Hawtin, nome gigante da eletrónica minimal que se deslocou ao Porto para apresentar Close, o seu novo espectáculo ao vivo, perante uma verdadeira multidão que encheu o Palco Pitchfork – alguns tendo vindo exclusivamente por ele e não se cansando de assobiar pelo canadiano. O techno, uma vez mais, esteve bem representado.

O terceiro – e último – dia do NOS Primavera Sound terá concertos de Metronomy, Aphex Twin, Japandroids, Shellac e Elza Soares.

(Este artigo contou com a colaboração de Paulo André Cecílio)