Estávamos em 2012. Lana Del Rey era apenas um nome entre muitos dos que despontaram nesse ano, cavalgando o micro-sucesso de 'Video Games', tema à altura potenciado pela máquina blogueira e por websites especializados como o Pitchfork. A cantora, anteriormente conhecida como Lizzy Grant (chegou a editar um EP, “Kill Kill”, com este nome, em 2008), atuou no “Saturday Night Live” perante uma audiência de potenciais milhões de pessoas, levando precisamente o tema supracitado ao icónico programa de televisão norte-americano. Eis que surge o drama, o horror, a tragédia, como diria Artur Albarran: Lana espalha-se ao comprido, o nervosismo toma-lhe conta do corpo e da voz, a sua performance entra para as listas das piores de sempre no SNL e as redes sociais gozam o prato num grande momento de schadenfreude.
Nesse mesmo ano, Lana Del Rey estreia-se em Portugal, neste mesmo Meco e neste mesmo Super Bock Super Rock, sob elogios imensos. Fala-se (e muito) de “Born To Die”, para todos os efeitos o seu álbum de estreia com uma nova estética (houve “Lana Del Rey” em 2010, mas poucos – ou nenhuns – ligaram), a mesma que perdura até hoje: um longo filme onde os anos 60 glam são memória fugaz e instrumento de trabalho, onde o psicadelismo não entra ainda, tapado pela ideia e figuras de grandes senhoras como Nancy Sinatra. A pop e o jazz e James Dean e carros a alta velocidade e a longa América como pano de fundo, sem um Vietname que alimentasse delírios mais contestatários e ácidos.
De certa forma, Lana Del Rey simboliza o fetiche que muitos norte-americanos, em especial os mais velhos, têm por esse país do período pós-II Grande Guerra, sob avanços industriais e do capital; simboliza o glamour de Hollywood, as paixões, as primeiras vezes de tudo – dos filmes, das conversas até alta madrugada, das drogas, do sexo. Tudo mascarado com rímel e candura, com lip gloss e desejos de fama. Sete anos após o desastre no SNL e a estreia em Portugal, para Lana nada mudou: as suas paixões e as suas influências continuam as mesmas. O estatuto de Diva que foi moldando e vendendo desde o início continuam os mesmos.
Começa por não deixar grande parte da imprensa fotografá-la (após indicações na zona destinada aos jornalistas terem expresso o contrário), continua com um atraso de 15 minutos até subir ao palco, e acaba no espetáculo sem grandes artifícios que foi desenrolando ao longo de pouco mais de uma hora. Sem artifícios, mas – e isto é importante – cheio de grandes canções, mesmo que aquele tempo de há 50 anos, para a esmagadora maioria dos fãs, seja apenas uma frase Pessoana: as saudades das terras onde nunca se esteve. No caso, a saudade das memórias que nunca se viveram.
'Born To Die', cheia de relevos orquestrais, é um bom exemplo, tendo sido o primeiro tema não só do álbum da sua reinvenção (com o mesmo nome, editado em 2012) como o deste concerto perante um público fiel, que raramente deixou de cantar lado a lado com a artista. “Vocês soam tão bem!”, atira logo ao início. É um velho truque pop mas, no caso de Lana – e especialmente no caso de Lana, cuja estética parece ter sido criada em laboratório –, soa sincero. Talvez ela própria não esperasse ver tamanho mar de gente sete anos após o tal acidente de percurso que sofreu.
Os ecrãs laterais apresentam uma imagem a preto e branco, ajudando à ficção. O passado não é um ser distante; está connosco sempre e quando quisermos e nem precisamos de nos lembrar dele. No palco, uma série de palmeiras e dois baloiços, os quais serão inocentemente manejados pelas duas Lolitas que a acompanham (e, pouco depois, pela própria) em 'Ride', antes de 'Video Games' se revelar em todo o seu esplendor, desta feita com o auxílio de uma bateria militar (é, de facto, uma canção extraordinária). Antes disso houve 'Pretty When You Cry', com Lana deitada em palco, e outra inescapável: 'Blue Jeans'.
A dada altura, a cantora abandona o seu local de trabalho e circula junto das filas da frente, assinando autógrafos, tirando selfies com os fãs, escutando o que estes lhe têm para dizer. Também é artifício; ela tem-no feito ao longo da sua nova digressão europeia, ela sabe que estes momentos serão discutidos e partilhados com emoção. Faz parte do espetáculo, não fazendo. Não é uma questão de humildade, e sim de postura. Não o é de se preocupar com os que a acarinham, mas sim de saber exatamente o que estes querem: algo mais, algo para além da tela.
Voltaria a fazê-lo no final, já depois de um trio de sonho ('National Anthem', 'Summertime Sadness' e 'Off to the Races') e de 'Venice Bitch', tema que fará parte do seu próximo disco, a editar este ano. O filme de Lana Del Rey no Super Bock Super Rock não foi uma longa-metragem, mas encheu as medidas de quem a ele assistiu. Sai-se do concerto com uma certeza: Lana ainda não ganhou um Grammy, mas merece certamente um Óscar.
Antes dela, foram os 1975 a fazer as delícias dos poucos que permaneceram no palco principal, com o concerto a realizar-se à mesma hora que o de Conan Osiris, que encheu a tenda do Palco Sommersby. A banda britânica é um ser estranho: parece rock n' roll, e os seus membros brotaram do rock n' roll (mais concretamente do punk), parece pop mas sem o apelo das massas (ainda são demasiado “alternativos”), parece clássico mas é na realidade jovem (sonoridades anos 80 com roupagens modernas).
Diz Matty Healy, o vocalista: “Quando faço isto em palco não sei se me levo a sério”. Valha a verdade, este pop/rock assumidamente juvenil (quando crescerem e tiverem filhos e contas por pagar é que vão ser elas) não é para ser levado muito a sério. Existe nesta janela espaço-temporal, faz-nos dançar com o funk borbulhante que brota ocasionalmente das guitarras ('She's American' e 'Love Me' são um mimo nesse aspeto), aborrece-nos q.b. quando o ritmo abranda e a canção se torna balada. Mas levá-lo a sério seria menosprezá-lo. É pop, senhoras e senhores: serve para ser mastigada e deitada fora, como uma pastilha elástica.
De pastilha elástica são também feitos os Metronomy, que começaram por levar um medley de vários estilos ao Palco EDP, e que arrastaram muito do público que minutos antes estava em Conan Osiris para junto de si. A banda britânica, que cumpre este ano 20 de existência, já tem um certo estatuto entre nós: fazem sempre a festa, dê lá por onde der. Antes do show Lana, foi possível abanar a anca ao som de temas como 'The Upsetter' e 'Wedding Bells', com o líder Joseph Mount a perguntar se havia casados por entre o público. Poucos reagiram, mas é para se resolver isso que servem os festivais (e o Tinder).
Os Jungle, que também se dançam, começaram com o bom sabor do batuque da selva antes de arrancarem para aquilo que de melhor sabem fazer: disco para a geração Millenial, com tributo prestado aos Chic e a todos aqueles que souberam tornar o gospel religioso em algo de efusivo. 'Heavy, California', logo ao início, conquistou os presentes, e a frase seguinte – uma “boca” dirigida àqueles que se encontravam na zona VIP em frente ao palco – fez soar muitas 'Wedding Bells'. Lamentavelmente, os Jungle ainda não perceberam (pior: ninguém lhes disse) que Portugal não é Lisboa e que Sesimbra também existe. Mas a quem nos aquece tanto as pernas perdoa-se tudo.
Perdoemos, também, Cat Power (que também não se deixou fotografar) por não ter dado um concerto sofrido como se pediria à sua voz e à sua folk melódica e de navalha pronta, mas a hora (fim de tarde) e o contexto (dançável, exceto Lana) não foram os melhores. Por entre diversos “obrigada” a cantautora norte-americana deu um espetáculo morno, de onde se destacou sobretudo 'Metal Heart', tema presente em “Moon Pix”, “velhinho” álbum de 1998. Em sala fechada rende sempre mais, conclui-se. Marlon Williams também arriscou sofrer do mesmo, partindo com um blues vestido de preto ao melhor estilo de Nick Cave, mas passando posteriormente para um registo mais melódico. “Estão felizes por estar vivos?”, perguntou a dada altura. Sim, claro que sim – especialmente se pudermos continuar a escutar o tema em língua Maori (Williams é neo-zelandês) que interpretou a meio, completo com guitarra tropical e dolente, doce e fofinha perfeição ao sol.
O Super Bock Super Rock continua esta sexta-feira, com concertos de Charlotte Gainsbourg, Phoenix, Shame, Fugly e Calexico + Iron & Wine, entre outros.
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