Putin, 65 anos, deverá assumir sem surpresa o quatro mandato presidencial, dezoito anos depois da primeira eleição, em 2000. Desde então, quando não era presidente do gigante oriental, Putin assumiu o cargo de primeiro-ministro, entre 2008 e 2012. Nos primeiros dois mandatos presidenciais Putin cumpriu quatro anos, em cada um, à frente do Kremlin, tendo a duração dos mandatos sido ampliada para seis anos a partir de 2012.

As eleições decorrem num cenário que pode ser bem descrito com a palavra tensão. As sanções britânicas em reação ao envenenamento do ex-agente duplo Serguei Skripal na Inglaterra reforçaram a impressão de uma nova Guerra Fria. Sentimento agravado desde o regresso de Putin ao Kremlin, em 2012, com o conflito na Síria, a crise na Ucrânia e a acusação de ingerência nas eleições presidenciais norte-americanas.

Enquanto em Londres a primeira-ministra Theresa May classificava como "trágica" a "via" tomada pelo presidente russo, Putin terminava a campanha, esta quarta-feira (14/03) com uma visita à Crimeia, península ucraniana que, no domingo, participará na eleição presidencial russa pela primeira vez desde que foi anexada há quatro anos, após um referendo em março de 2014.

E foi precisamente na Crimeia, perante dezenas de milhares de apoiantes, que Putin encerrou na quarta-feira a sua campanha, referindo-se à reposição de uma “justiça histórica” e apelando à rápida conclusão da ponte rodoviária e ferroviária de 19 quilómetros que vai unir, ainda em 2018, a península à Rússia continental.

"Com essa decisão, restabeleceram a justiça histórica, interrompida na época soviética", declarou Putin na quarta-feira, num discurso para partidários em Sebastopol. "Mostraram ao mundo inteiro o que é uma verdadeira, e não uma falsa democracia", completou o líder russo.

Enquanto isso, na Ucrânia, os eleitores russos estão proibidos de aceder aos consulados da Rússia para votar no escrutínio presidencial deste domingo. Na rede social Facebook, o ministro do Interior Arsen Avakov anunciou que a polícia destacada junto às representações diplomáticas russas “em Kiev, Kharkiv, Odessa e Lviv não permitirá que os eleitores russos acedam a esses edifícios para votar”.

A decisão foi tomada numa reação à “realização ilegal” da eleição presidencial russa na Crimeia, onde vão funcionar assembleias de voto designadamente em Sebastopol e Simferopol, a capital da península.

“Considerando a guerra híbrida e agressiva da Rússia contra a Ucrânia (…) o ministério ucraniano dos Assuntos internos considera impossível a realização das eleições que violam as leis da Ucrânia em território ucraniano”, declarou Avakov.

Em paralelo, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) advertiu que os seus cidadãos poderão ser acusados por via judicial caso colaborem nas presidenciais russas no território da península da Crimeia.

“O SBU adverte os cidadãos ucranianos sobre a sua responsabilidade penal caso participem na promoção e organização das eleições presidenciais [russas] ilegais no território anexado da República Autónoma da Crimeia”, assinala um comunicado dos serviços de informações.

O SBU considera que estas ações constituem um delito, por significarem um “apoio consciente” à Federação da Rússia na realização de “atividades subversivas” contra a Ucrânia, destinadas a sabotar a soberania estatal e a integridade territorial deste país.

Nesse sentido, informou que está a investigar a atividade “ilegítima” da Comissão eleitoral central russa na Crimeia, um território que Kiev continua a reivindicar quatro anos após o referendo de 2014.

70 - 70, ganha Putin

Da longínqua Kamchatka, no leste, ao enclave de Kaliningrado, a oeste, cerca de 107 milhões de eleitores do imenso país que é a Rússia, com 11 fusos horários, vão começar a votar às 08:00 locais, hora que é ainda sábado à noite no ocidente. As últimas assembleias de voto devem encerrar às 18:00 de domingo (hora de Lisboa).

Nas regiões mais remotas, a votação já está a decorrer para facilitar o transporte das urnas, de modo a que os nómadas Nenets no Ártico também se possam expressar.

A última sondagem do instituto público VTsIOM dava a Putin 69% das intenções de voto, com larga vantagem face aos restantes candidatos. Pavel Groudinine, do Partido Comunista, está creditado com 7% a 8%, e o ultranacionalista Vladimir Jirinovski deve garantir entre 5% e 6%. Os restantes cinco concorrentes terão resultados residuais.

O grande ausente da eleição presidencial é o opositor número um do Kremlin, Alexei Navalny, o único com capacidade de mobilizar dezenas de milhares de pessoas, acusado pelas autoridades de “repetida violação” da lei sobre a organização de manifestações e proibido de concorrer ao escrutínio devido a uma antiga condenação judicial, que considera encenada pelo Kremlin.

Navalny apelou ao boicote eleitoral e convocou no final de janeiro concentrações em dezenas de cidades russas numa “greve de eleitores”, onde foram denunciados diversos atentados à liberdade de expressão.

Na quinta-feira, também a Amnistia Internacional (AI) censurou as autoridades russas pelo sistemático desrespeito dos direitos de ativistas políticos, incluindo a restrição das manifestações públicas e “detenções administrativas” que se podem prolongar por um mês, em particular dirigidas contra Navalny e apoiantes.

“Esta campanha eleitoral tem sido assinalada por ataques generalizados contra os críticos do Presidente Putin, e as represálias destinadas a intimidar e reduzir ao silêncio os ativistas da oposição intensificaram-se à medida que se aproxima o dia da votação”, denunciou Denis Krivosheev, vice-diretor da AI para a Europa de Leste e Ásia Central.

Já a Comissão eleitoral central russa garantiu que as eleições deste domingo vão ser livres, e negou que o Kremlin tenha ordenado uma taxa de participação elevada para legitimar a prevista reeleição de Putin. “O ocidente pode reconhecer ou não as eleições presidenciais, mas o importante é que sejam reconhecidas pelo nosso povo”, assinalou Ella Pamfilova, presidente da Comissão eleitoral durante um encontro na terça-feira, em Moscovo, com ‘media’ estrangeiros.

Com a eleição de Putin praticamente assegurada, a taxa de participação será o principal “barómetro” deste escrutínio. O Kremlin empenhou-se nesta campanha, para um objetivo que os ‘media’ resumiram pela fórmula “70-70”: 70% de participação e 70% de votos para Putin.

E, para esse fim, todos os meios são válidos.

O jornal independente ‘Novaia Gazeta’ relata que estudantes de várias cidades do país foram obrigados a inscrever-se nas listas eleitorais sob pena de "problemas nos exames, ou até foram ameaçados de expulsão". Nalgumas cidades, antecipou-se a abertura das mesas de voto para permitir que os operários pudessem votar antes de ir para as fábricas.

Em fevereiro, citando três fontes do alto escalão do governo, o jornal RBK falava de um projeto particularmente estudado para estimular os funcionários e os trabalhadores das grandes indústrias a irem votar. Segundo os dois jornais, nenhuma instrução de voto foi dada.

"Esta campanha eleitoral é diferente das anteriores. Primeiro, porque está claro que, na cúpula do poder, se tomou a decisão de evitar a fraude", afirmou Andrei Bouzine, co-presidente do Golos, um movimento especializado na defesa dos direitos dos eleitores e citado pela agência France-Presse.

Bouzine disse não acreditar em "fraudes em massa como as de 2007 e de 2011”. Segundo ele, pelo menos 40 mil câmaras de videovigilância vão ser colocadas em assembleias de voto para evitar supostas fraudes. Por sua vez, a Comissão eleitoral revelou que estão acreditados 1.400 observadores estrangeiros.

Porém, apesar dos esforços do Kremlin, as estimativas de participação permanecem abaixo das expectativas. O centro de sondagem independente Levada sugeriu entre “57%-58% a participação e 67%-68% os votos em Putin”, equivalente à última eleição, enquanto o VTsIOM situa a taxa de participação entre 63% e 67%.

Na semana passada, em entrevista à cadeia televisiva norte-americana NBC, Vladimir Putin garantiu que não pretende alterar a Constituição para se manter no poder. Assim, este seu quarto mandato será o último, e quando diversos observadores da política interna russa consideram que o presidente vai também dedicar-se desde agora a designar, e a preparar, o seu sucessor.

Oposição vigilante

Confinados a um pequeno quarto em Moscovo, partidários do principal opositor do Kremlin, Alexei Navalny, preparavam-se para as eleições deste domingo. Evitar as pausas para ir à casa de banho, não ceder às provocações e rejeitar os convites de autoridades para ir almoçar são alguns dos conselhos dados por Nikolai Levchits, um partidário de Navalny especializado na vigilância de eleições.

"A 18 de março, vocês serão os heróis do dia. A vossa presença nas mesas de voto bastará para diminuir para metade os riscos de fraude", garante diante de um público atento, citado pela France-Presse. "É a primeira vez que mobilizamos um número tão grande de observadores. É um processo muito complexo", afirmou Navalny, numa entrevista quarta-feira à rádio Eco de Moscovo, denunciando a pressão das autoridades.

Nos últimos meses, a polícia multiplicou as rusgas às sedes da oposição, assim como as detenções dos seus partidários em todo o país.

Navalny, que organizou em 2017 duas multitudinárias manifestações contra o governo, pediu desta vez que se evite qualquer ação de protesto no dia da votação para não "dar um presente ao Kremlin”.

"Pode haver manifestações, porque há muita gente descontente", diz, porém, outra figura da oposição, Ilia Iachin. "É provável que algumas pessoas queiram fazer ouvir sua voz contra o que nos impõem como eleições", justificou.

Não deitar a toalha ao chão

Segundo Navalny, cerca de 26 mil apoiantes dele estarão nas seções eleitorais, além dos mais de mil observadores internacionais.

"É claro que o facto de Navalny não ser candidato é triste, mas não significa que tenhamos de deitar a toalha ao chão", garante Ivan Orlov, um estudante de 19 anos, que assiste ao treino no quase general da oposição em Moscovo.

"Não há interesse em ir votar. Para as autoridades, somos como pequenos insetos. Mas dei conta de que não podia ficar de braços cruzados", diz Oleg Dulenin, um ator de 44 anos, ouvido pela France-Presse.

O diretor de campanha de Navalny para a região de Moscovo, Nikolai Liachkin, insiste na ideia de que os observadores devem ir às cidades na periferia da capital russa, onde a vigilância é menor.

Desde o regresso de Vladimir Putin ao Kremlin, marcado por manifestações duramente reprimidas, o governo estreitou o cerco sobre a oposição, assim como sobre a sociedade civil e sobre a Internet.

A Amnistia Internacional denunciou uma "repressão feroz" dos militantes da oposição na Rússia, que dá lugar à "detenção arbitrária das figuras importantes da oposição e a ações judiciais ditadas por motivos políticos”.

Corrupção

Esta semana, o opositor Ilia Iachin apresentou em Moscovo um comunicado com um balanço sobre a presidência de Putin, denunciando a corrupção endémica e um sistema que beneficia, sobretudo, o círculo do presidente.

Alguns dias antes dessa apresentação, a polícia apreendeu os primeiros exemplares do comunicado, enquanto estava a ser entregue a opositores num estacionamento subterrâneo. “Lembrou-me um filme de espionagem", conta Iachin, que considera que essa reação mostra "até que ponto divulgar a verdade é explosivo para a posição política de Putin".

Na segunda maior cidade do país, São Petersburgo, 11 membros da equipa de campanha de Navalny foram detidos, e seis deles, condenados a penas de até 25 dias de detenção.

Preparando-se para um quarto mandato, Putin, de 65 anos, dos quais 18 como presidente, ou primeiro-ministro, acumula o período mais longo no poder de um dirigente russo desde Estaline.