Diário de um pai em casa. Dia 32
Tratem-me por Miguel. Foi este o pedido, em forma de desafio, que fiz aos meus filhos. Em especial aos dois mais novos. Só Miguel, sem apelido. Esse, está reservado para fora de casa. Explicarei uma e outra a razão, de seguida.
Em primeiro, lembrei-me da mais célebre apresentação que podemos tentar imitar, mas que não conseguimos chegar aos calcanhares de quem a profere. “My name is Bond, James Bond”.
Paralelamente, introduções à parte feitas pelo agente secreto mais famoso do mundo, surgiu igualmente no meu pensamento um cover interpretado pelos Lemonheads, entretanto extintos, que beberam inspiração roqueira em “My name is Luka”, de Suzanne Vega, assim como o original “You can call me Al”, de Paul Simon.
Pouco ligo a segundas interpretações ou simbologias que possam eventualmente existir na mensagem atrás de cada uma das letras. Não é esse o propósito. Quero mesmo é que, com o respeito que qualquer pai merece, que os meus filhos me tratem pelo nome durante os próximos tempos.
Estranho? A súplica é simples: estamos todos enfiados em casa. E eu tenho, a meu cargo, a tarefa de me dividir ao longo do dia entre profissões. Enquanto “professor”, não quero ser olhado como pai. Convém ter presente que a expressão “oh pai” entra, hoje em dia, em concorrência direta com covid-19, pandemia e coronavírus, como as palavras mais escutadas dentro de quatro paredes.
Peço, igualmente, que a deferência que a paternidade lhes deve merecer se estenda a quem incumbe a tarefa de os lecionar. Ou seja, eu. Em resumo, devem prestar igual atenção como se estivessem numa sala de aula. E respeitarem quem os ajuda, quando não estão nas aulas virtuais.
A inspiração fui buscá-la aos treinos de râguebi no escalão de sub-10. Os miúdos tratam-me, assim como aos demais treinadores, pelo nome. Primeiro ou último. Um metro e meio de voz que procura ser grossa que oscila entre “então, Morgado” ou “estás bom, Miguel”.
O nome é suficiente. Sem prefixos. A relação hierárquica respeitosa estabelece-se e o superior agradece. E creio, que assim, cada um de nós, pais e filhos, resgata algum tempo (e normalidade) do tempo que foi suspenso deste o início do confinamento.
Claro, que, a partir, do fim das aulas, regressaremos à normalidade do trato. À velha normalidade. Passo a ser pai. O meu nome é pai. Só pai.
No mundo, 2 milhões de pessoas estão infetadas com a covid-19, mais de 125 mil morreram, e em Portugal quase um milhão está em regime de layoff simplificado. O FMI fala de uma recessão sem precedentes e Marcelo Rebelo de Sousa vê uma luz ao fundo do túnel. E abriu a porta a mais uma renovação do Estado de Emergência. A 3ª parte. Que num jogo de râguebi significa socialização entre as três equipas.
Comentários