O primeiro-ministro saudou hoje a “nova vontade” do Brasil, com o presidente Lula, em participar na Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) e considerou que se está perante “um virar de página” nas relações bilaterais.
“Queria sublinhar a importância do dia de hoje, em que depois de sete anos de interrupção retomamos as cimeiras anuais entre Portugal e o Brasil. Retomamos estas cimeiras na segunda visita que em poucos meses o presidente Lula faz a Portugal e na primeira visita que o presidente Lula faz à Europa”, começou por observar António Costa.
De acordo com o primeiro-ministro português, a consequência mais clara que teve a “interrupção de contactos” entre Portugal e o Brasil “é o facto de só na próxima segunda-feira ser entregue a Chico Buarque de Holanda o Prémio Camões, que ganhou há quatro anos, em 2019”.
“Viramos, por isso, uma página”, frisou.
Na parte final da sua declaração inicial, o primeiro-ministro saudou “a nova vontade do Brasil de participação plena e efetiva no quadro da CPLP”, dizendo que esta comunidade “ficará sempre incompleta se não tiver o Brasil”.
“É um país fundamental, visto que é mesmo o país dominante da língua portuguesa à escala global”, apontou.
Na sua declaração, o primeiro-ministro contou que, quando propôs em novembro passado que as cimeiras luso brasileiras fossem retomadas, Lula da Silva colocou logo o dia 22 de abril como hipótese para a sua realização, “porque esse foi o dia em que, em 1500, os primeiros portugueses chegaram ao Brasil”.
“Com a assinatura destes 13 instrumentos jurídicos, temos muita matéria para trabalhar em conjunto. Avançámos com aquilo que tem a ver com as pessoas, com as comunidades brasileira em Portugal e a comunidade portuguesa no Brasil, desde logo para a concessão de equivalência nos ensinos Básico e Secundário, o que facilita o acesso ao Ensino Superior de quem conclui o Secundário no Brasil ou em Portugal”, destacou.
António Costa assinalou depois que foi “desbloqueado um processo muito antigo relativo à Escola Portuguesa em São Paulo e ao reconhecimento pelo sistema de ensino brasileiro da formação” ministrada nessa escola.
“Demos um passo importante para o reconhecimento mútuo das cartas de condução, algo fundamental para quem vai de Portugal viver para o Brasil, ou quem vem do Brasil viver para Portugal, não ter de repetir no futuro o seu exame de condução. Enfatizo os acordos em matéria de proteção de testemunhas, para a cooperação no combate ao racismo, xenofobia e promoção dos direitos humanos e dos valores democráticos, designadamente no espaço digital da língua portuguesa”, referiu.
No plano económico e da Defesa, o primeiro-ministro falou de uma “nova vontade” que se traduzirá no fórum económico que na segunda-feira se vai realizar no Porto.
Em seguida, “poderemos voar no primeiro avião entregue à Força Área Portuguesa fruto da cooperação bilateral, o KC-390, aterrando na sede das OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico)”, disse.
Em Alverca, de acordo com o líder do executivo português, também com a presença de Lula da Silva, será assinado “um novo protocolo para a adaptação aos padrões da NATO de outro avião da Embraer, o A-29 Super Tucano”, um caça brasileiro.
Em matéria de energia, António Costa realçou que a EDP e a GALP vão investir nos próximos anos “5,7 mil milhões de euros no desenvolvimento de projetos energéticos no Brasil”.
“O estreitamento de relações no domínio do hidrogénio potencia muito a capacidade de produção do Brasil e o papel que Portugal pode ter como porta de entrada, através do porto de Sines, desse hidrogénio na Europa”, especificou.
Tendo ao seu lado o chefe de Estado brasileiro, o primeiro-ministro defendeu que a cimeira permitiu reforçar a cooperação luso-brasileira no domínio multilateral, quer nas relações entre União Europeia e Mercosul, quer no âmbito das Nações Unidas, “onde ambos desejamos que um dia o português seja língua oficial”.
“Ambos concordamos que é necessário reforçar o sistema de governação ao nível global centrado nas Nações Unidas, tendo em vista o combate às alterações climáticas”, apontou.
A terminar, António Costa dirigiu-se ao chefe de Estado brasileiro e disse-lhe: “Foi para nós enorme honra termos tido a oportunidade de retomar estas cimeiras, que agora serão mesmo anuais, e que tenha decidido que a sua primeira viagem enquanto Presidente da República Federativa do Brasil à Europa tenha sido em Portugal”.
“É sempre bem-vindo, esta é a sua casa”, acrescentou.
Por sua vez, Lula da Silva referiu que os brasileiros se sentem em casa em Portugal. "Portugal, para nós, não é um país estrangeiro, é a extensão da nossa casa chamada Brasil. E eu acho que o Brasil é a extensão da casa chamada Portugal. É assim que precisamos de nos relacionar, sem disputa e sem profunda divergência", afirmou.
"O que fizemos hoje aqui [com estes acordos] é uma coisa muito nobre, na relação Brasil-Portugal", frisou.
Relembrando que o povo brasileiro é uma miscigenação do povo europeu, começando pelos portugueses, com os índios e os negros, que foram levados durante 350 anos para o Brasil, Lula afirmou: "Essa gente nos ensinou a falar, a cantar a fazer comida".
“Por isso eu tenho ter muita gratidão por África e visito muito aquele continente”, acrescentou, considerando que o Brasil não pode pagar em dinheiro essa dívida para com os africanos.
“Por isso a gente tem de pagar em solidariedade, em fraternidade, em transferência de conhecimento, em ciência e tecnologia e na ajuda", especificou, referindo alguns dos projetos que fez em países africanos, como uma escola em Moçambique, durante os seus anteriores mandatos.
E é por tudo isso que quer voltar à África, "para renegociar".
Só que isso “passa por uma conversa com Portugal, porque Portugal é o grande aliado nessa relação”, sublinhou.
Terminando com este assunto a sua intervenção após a Cimeira entre os dois países, da qual disse sair “feliz, alegre”, mas lamentando ainda não ter podido comer bacalhau, com o seu tom irónico.
Cimeira sem direito a perguntas
A 13.ª Cimeira Luso-Brasileira terminou hoje sem direito a perguntas dos jornalistas, após declarações do primeiro-ministro português, António Costa, e do presidente do Brasil, Lula da Silva, ao contrário do que estava previsto.
O previsto era que a comunicação social brasileira faria uma pergunta e a portuguesa outra aos chefes de Governo do Brasil e de Portugal, mas após terminar a sua intervenção Lula da Silva abraçou António Costa e depois virou-se para ele e perguntou: "Vamos?".
Em seguida, os dois saíram do palco, enquanto alguns jornalistas pediam que houvesse perguntas, e deixaram a sala do Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Questionadas pela agência Lusa, as assessorias de imprensa dos dois governos mostraram-se surpreendidas com o modo como terminou a cimeira, sem perguntas dos jornalistas.
Do lado brasileiro foi avançada como possível explicação "o adiantado da hora". As declarações de Lula da Silva e António Costa perante a comunicação social começaram pelas 18:45, com mais de duas horas de atraso.
Os 13 acordos
Nos últimos dias, os executivos de Lisboa e de Brasília têm salientado que este conjunto de compromissos duplica o número de instrumentos jurídicos fechados na última cimeira entre os dois países, realizada há seis anos e meio já com António Costa como primeiro-ministro de Portugal e com o então presidente do Brasil, Michel Temer.
Perante António Costa e o atual chefe de Estado brasileiro, Lula da Silva, ao nível da educação, foi assinado um acordo sobre a concessão de “equivalência de estudos de educação básica/fundamental e média/secundária”.
Com este compromisso, segundo os dois governos, visa-se “estabelecer o enquadramento jurídico da concessão de equivalência de estudos no Brasil (ensino fundamental e médio) e em Portugal (ensino básico e secundário), com vista a promover uma adequada integração escolar de nacionais dos dois países, para efeitos de prosseguimento de estudos nos estabelecimentos de ensino do outro país”.
Em destaque está também o acordo sobre a criação da Escola Portuguesa de São Paulo – Centro de Língua e da Cultura Portuguesa que visa definir um entendimento comum sobre a sua instalação e funcionamento, “estabelecendo-se, para este fim, um conjunto de princípios e obrigações a serem observados por ambas as partes”.
Além de um acordo em matéria de proteção de testemunhas, tendo em vista um combate “de forma coordenada à criminalidade violenta e organizada”, os dois países têm também um memorando de entendimento “para a criação de mecanismos de fomento da cooperação bilateral para o intercâmbio de boas práticas na promoção e defesa dos direitos das pessoas com deficiência”.
Os executivos de Lisboa e de Brasília assinaram um memorando no domínio da energia com o objetivo de promover “o desenvolvimento e a implementação da cooperação institucional, técnica e científica, bem como a partilha de conhecimento, e incentivar a realização conjunta de programas, projetos e atividades.
De acordo com o texto final, neste âmbito da energia, estão previstos “programas e iniciativas de eficiência energética, na integração de eletricidade de base renovável na rede, no armazenamento de energia e de combustíveis renováveis, como o hidrogénio e o biometano.
Em paralelo, na área da geologia e minas, o executivo nacional e o brasileiro dizem querer “promover o desenvolvimento e a implementação da cooperação institucional, técnica e científica, bem como a partilha de conhecimento, e incentivar a realização conjunta de programas, projetos e atividades”. Este compromisso prevê “a constituição de parcerias, partilha de conhecimentos na pesquisa geológica e na exploração mineral e a contribuição para a transição energética sustentável na ótica da verticalização do setor”.
Portugal e Brasil assinaram ainda compromissos para a cooperação biomédica, tendo em vista reforçar a cooperação ao nível da investigação, e também entre a Agência Espacial Portuguesa e a Agência Espacial Brasileira.
Neste último, o objetivo é promover a cooperação “em vários domínios das tecnologias e serviços espaciais, nomeadamente nos domínios da observação para a gestão e monitorização do território, terrestre e marítimo, na vertente de sustentabilidade, assim como na cooperação nas tecnologias de infraestruturas para sistemas de lançamentos orbitais e suborbitais”.
Uma carta de Lisboa na área da saúde é outro dos instrumentos, bem como o memorando de entendimento entre o Turismo de Portugal e a Embratur, e o protocolo de cooperação entre a Agência Lusa e a EBC (Empresa Brasil de Comunicações).
A Lusa e a EBC vão cooperar “nas áreas de produção noticiosa, da distribuição de informação, das tecnologias, da documentação e da qualificação dos seus profissionais”.
Este protocolo prevê ainda “ações de intercâmbio dos profissionais e organização de ações de formação, assim como apoio e assistência recíprocos”.
Os dois países assinaram também um memorando de entendimento para promover o reconhecimento mútuo de títulos de condução (cartas de condução).
Os ministros da Cultura de Portugal e do Brasil assinaram um memorando de entendimento na área do cinema entre o ICA e a ANCINE, tendo em vista atualizar um anterior sobre a mesma matéria, “sublinhando a vontade mútua de ambas as partes de continuarem a promover a produção cinematográfica de Portugal e do Brasil, através do cofinanciamento de projetos dos dois países”.
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