Quando vai acontecer?

A tomada de posse ocorre a 1 de janeiro de 2023, ou seja, este domingo. Tem sido assim desde de que foi aprovada a Constituição de 1988, cujo artigo 82.º explicita que “o mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição”.

No entanto, será a última vez que tal acontece. Uma emenda constitucional aprovada em 2021 mudou a lei, passando a posse do presidente a ocorrer a 5 de janeiro da próxima vez que houver eleições.

E onde é que tem lugar a tomada de posse?

Os diferentes atos decorrem em vários pontos de Brasília. Passa pelas câmaras do Senado e do Congresso — ambas localizadas no Palácio do Congresso Nacional —, pela Catedral Metropolitana de Brasília e pelo Palácio do Planalto.

No entanto, estes locais concentram-se na Esplanada dos Ministérios, no centro da capital. Esta área, de resto, é esperada receber 300 mil pessoas durante o dia, ainda para mais porque haverá um festival cultural a decorrer em simultâneo. Mas já lá vamos.

Qual é o “plano de festas”?

Segundo a revista Exame e o G1, estes são os atos planeados, com o horário de Portugal Continental (mais três horas que em Brasília):

  • 16h45 às 17h30 — Chegada dos chefes de estado e de governo ao anexo 1 do Senado Federal, no Palácio do Congresso Nacional;
  • 16h30 às 17h30 — Chegada das autoridades e convidados ao Salão Branco do Palácio do Congresso Nacional;
  • 17h20 às 17h30 — Chegada do presidente e do vice-presidente da República eleitos — e das respetivas primeiras-damas — à Catedral Metropolitana de Brasília;
  • 17h30 — Saída do cortejo da Catedral Metropolitana em direção ao Palácio do Congresso Nacional;
  • 17:40 — Chegada do presidente e do vice-presidente da República eleitos ao Palácio do Congresso Nacional, com receção dos presidentes do Congresso Nacional e da Câmara dos Deputados;
  • 18h00 — Sessão Solene de Posse Presidencial: Abertura da Sessão Solene; execução do hino nacional; compromisso constitucional; leitura e assinatura do termo de posse do presidente e do vice-presidente da República eleitos; pronunciamento do presidente da República; pronunciamento do presidente do Congresso Nacional; encerramento da Sessão Solene;
  • 18h50 — Deslocação do presidente e do vice-presidente da República para a Sala de Audiências da Presidência do Senado;
  • 19h00 - Saída do presidente e do vice-presidente da República da Sala de Audiências da Presidência do Senado em direção à área externa do Palácio;
  • 19h05 - Início da cerimónia externa de honras militares;
  • 19h20 — Saída do presidente e do vice-presidente da República em direção ao Palácio do Planalto; subida da rampa em direção ao Parlatório e discurso de Lula da Silva;
  • 21h00 — Jantar no Palácio Itamaraty com os convidados estrangeiros. 

Este percurso deveria acontecer a bordo do famoso Rolls-Royce presidencial, mas tal poderá não acontecer. Descapotável fabricado em 1952, este modelo Silver Wraith tem sido usado por todos os presidentes desde 1953 para o desfile da tomada de posse.

No entanto, devido a preocupações com a segurança da comitiva presidencial, a hipótese de usar ao invés um carro blindado tem ganho mais força. Além disso, a futura primeira-dama, Rosângela da Silva, conhecida como Janja, adiantou no início do mês de que o veículo terá sido danificado pela gestão de Jair Bolsonaro, sem, porém, adiantar detalhes.

Embora o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tenha dito que a decisão será tomada "de acordo com a avaliação do momento", os ensaios desta sexta-feira para a cerimónia utilizaram o Rolls Royce.

Preocupações com a segurança?

Sim, os casos de violência foram-se somando desde que Lula da Silva venceu as eleições na segunda volta, a 30 de outubro, especialmente por parte de apoiantes bolsonaristas que não aceitam o resultado da votação.

Como tal, haverá uma operação de segurança inédita envolvendo todos os eventos. Para começar, as autoridades encerraram as principais avenidas junto à Esplanada dos Ministérios desde dia 30, encontrando-se com acesso condicionado, e proibiram os apoiantes bolsonaristas de fazer protestos.

Além disso, o Distrito Federal (DF) de Brasília irá mobilizar "100%" da sua polícia na posse de Lula da Silva, o que pode envolver até oito mil agentes, segundo as autoridades. Só a Polícia Federal empregará mais de mil funcionários nos trabalhos de "inteligência e segurança" para o evento — o maior contingente jamais mobilizado para uma cerimónia de posse, informou a PF.

"Haverá mobilização integral, 100% das forças policiais do DF, tanto da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, para garantir a segurança, não só do presidente da República, mas das delegações estrangeiras e das pessoas que participarão do evento", declarou Flávio Dino. 

Foi também autorizado o destacamento da Força Nacional, formada por diferentes órgãos dos diferentes estados brasileiros e coordenada pelo Ministério da Justiça, que autoriza o seu uso em ocasiões específicas a pedido dos próprios governos locais.

Como medida adicional de segurança, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, proibiu também o porte de armas para várias categorias de civis no Distrito Federal de Brasília.

Tal deve-se ao facto de que muitos dos seguidores de Bolsonaro, segundo as autoridades, têm armas obtidas graças a políticas promovidas pelo presidente cessante, que os incentivou a adquirir todo tipo de armamento com a ideia de promover a autodefesa contra o crime. No entanto, Bolsonaro também disse muitas vezes que "um povo armado não será escravizado" e poderá "reagir" a qualquer tentativa de "tirar-lhe a liberdade".

Este reforço da segurança, é caso para tanto?

Desde a derrota de Bolsonaro que os seus apoiantes têm bloqueado estradas, montado acampamentos e feito manifestações em frente a quartéis militares para pedir às Forças Armadas que impeçam a posse de Lula — algo que o comandante cessante do exército do Brasil, o general Marco Antonio Freire Gomes, negou que vá acontecer, destacando a missão constitucional da instituição em resposta às pressões de grupos “bolsonaristas” para um golpe militar que evite a investidura de Lula da Silva.

No dia 12 de dezembro, manifestantes de um desses acampamentos entraram em confronto com a polícia e incendiaram um autocarro e carros em Brasília após a prisão de um indígena ‘bolsonarista’ radical que tinha ameaçado Lula da Silva pelas redes sociais. No entanto, as tentativas de violência escalaram na semana passada.

A 24 de dezembro, em plena véspera de Natal, um apoiante de Bolsonaro foi preso e acusado de terrorismo por plantar um explosivo num camião de combustível no aeroporto de Brasília. Embora tenha havido uma tentativa de ativá-lo, o dispositivo não explodiu. 

O homem, identificado como George Washington de Oliveira Sousa, disse aos investigadores que o objetivo do ataque era "iniciar o caos" e "impedir o estabelecimento do comunismo no Brasil".

O governador de Brasília, Ibaneis Rocha, adiantou mais tarde que o detido chegou a fazer curso de atirador de elite, e destacou a sua "mentalidade totalmente voltada para o crime". Além disso, Rocha informou que um segundo homem, suspeito de ter ajudado Souza, é procurado, mas que informações apontam que fugiu da capital.

Na residência do acusado, no estado do Pará, foram encontradas duas carabinas, uma espingarda, dois revólveres, três pistolas, mil munições, uniformes camuflados e cinco emulsões explosivas utilizadas na mineração semelhantes à utilizada no engenho desativado.

Bolsonaro vai estar presente?

Essa era uma das grandes incógnitas, mas a resposta é não. Apesar de ser ainda o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro partiu esta sexta-feira para os Estados Unidos, a dois dias da cerimónia de posse de Lula da Silva como chefe de Estado, após despedir-se dos seus seguidores numa transmissão ao vivo pelas redes sociais. 

“Estou em voo, volto em breve”, disse Bolsonaro, numa pequena declaração à CNN Brasil. De acordo com a imprensa local, o avião presidencial, com Jair Bolsonaro, a sua mulher, Michelle, e alguns assessores descolou às 14:02 (17:02 em Lisboa) com destino a Orlando, nos Estados Unidos.

Que implicações tem esta saída?

Antes de mais, dado o abandono de Bolsonaro, desde sexta-feira que quem lidera o país é o vice-presidente, Hamilton Mourão, e assim será até à tomada de posse de Lula da Silva.

Depois, há a questão das motivações por trás da saída. Nem Bolsonaro nem o Governo deram quaisquer detalhes sobre a viagem, mas, de acordo com fontes da sua comitiva pessoal citadas pela imprensa local, a sua intenção é de passar pelo menos três meses fora do país. A imprensa local diz que Bolsonaro deverá ficar hospedado num 'resort' em Palm Beach, propriedade do ex-presidente norte-americano, Donald Trump.

De resto, Bolsonaro, que permaneceu praticamente em silêncio desde a sua derrota eleitoral, em outubro, e nunca aceitou formalmente a vitória de Lula da Silva, vai ser o primeiro presidente a faltar à tomada de posse do seu sucessor, algo inédito desde a redemocratização do país. Assim, também não vai passar a faixa presidencial.

Faixa presidencial?

Sim, normalmente a cerimónia de posse é marcada pelo momento da entrega da faixa presidencial, pelo Presidente cessante ao seu sucessor, um gesto simbólico que tem sido respeitado por todos os presidentes desde que o Brasil recuperou a democracia em 1985, após 21 anos de ditadura.

A faixa presidencial existe na política brasileira desde 1910, tendo sido criada por um dos primeiros presidentes do país, o marechal Hermes da Fonseca. No entanto, dada a história conturbada do Brasil ao longo do século XX, a recusa de Bolsonaro em passar a faixa  não é um acontecimento inédito. Na passagem da ditadura militar para a democracia, o presidente cessante, João Figueiredo, recusou-se a ir à tomada de posse de José Sarney.

Além disso, tanto Itamar Franco como Michel Temer foram empossados sem a cerimonial passagem da faixa, porque assumiram a presidência após os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff, respetivamente.

Também não tem sido sempre a mesma faixa desde 1910 — o seu uso continuado desgasta o tecido, o que tem obrigado a substituições periódicas. A atual faixa foi encomendada em 2007, durante o segundo mandato de Lula da Silva, tendo Dilma Rousseff sido a primeira chefe política a recebê-la numa tomada de posse, em 2011.

Sintetizando, a nível legal, não há nenhum impacto em não ser passada a faixa presidencial, porque não é sequer um ato previsto na Constituição brasileira. Mas de um ponto de vista simbólico, tem importância, já que representa a passagem do poder e a aceitação do sucessor.

Resta saber agora quem é que vai dar a faixa a Lula da Silva.

Portugal vai estar presente?

Sim, desde cedo que Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de se mostrar disponível para comparecer à tomada de posse, mediante autorização da Assembleia da República, como obriga a Constituição.

O Presidente da República requereu então o assentimento para se deslocar ao Brasil, entre os dias 30 de dezembro e 2 de janeiro de 2023, “a convite do seu homólogo brasileiro eleito, para assistir à cerimónia da sua tomada de posse, bem como para efetivar contactos bilaterais com as entidades presentes”.

A viagem foi aprovada a 16 de dezembro, apenas com votos contra do Chega e a favor das restantes bancadas e deputados. 

Quem mais vai marcar presença?

Ao todo, pelo menos 65 comitivas lideradas por chefes de Estado, chefes de governo e ministros já confirmaram presença a 1 de janeiro — mas se considerarmos representações de embaixadas também, estarão presentes 120 países na tomada de posse de Lula da Silva.

Entre os convidados destacam-se o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, o rei de Espanha, Felipe VI, além dos líderes de países vizinhos, como o presidente da Argentina, Alberto Fernández, o presidente do Chile, Gabriel Boric, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e a presidente do Peru, Dina Boluarte, que assumiu o cargo depois da destituição de Pedro Castillo.

Outros PALOP também se vão apresentar em Brasília ao mais alto nível, estando confirmados na tomada de posse o presidente de Angola, João Lourenço, o presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, e o presidente de Timor Leste, José Ramos-Horta.

No que toca às grandes potências mundiais, Joe Biden não irá a Brasília, indo em representação dos EUA Deb Haaland, secretária do Interior e a primeira mulher indígena a assumir um cargo ministerial no país. A China vai enviar o seu vice-presidente, Wang Qishan, e a Rússia também se vai fazer representar, não obstante a sua atual situação internacional, através da presidente do Senado russo, Valentina Matviyenko.

Destacam-se ainda duas presenças inesperadas na tomada de posse.

Quem?

Em primeiro lugar, o ex-primeiro-ministro José Sócrates, que tem mantido laços de amizade com Lula da Silva desde que os dois coincidiram no poder de ambos os países durante vários anos.

Lula da Silva, recorde-se, defendeu publicamente José Sócrates nos seus casos judiciais e vice-versa — e também assinou o prefácio do livro “A Confiança no Mundo”, de José Sócrates: “Um ser humano pode agir de modo irracional em certos momentos de sua vida, liberando a ferocidade animal que os milénios de evolução da espécie ainda não conseguiram extirpar. O Estado não”, escreveu.

Além disso, vai também poderá marcar presença a Resistência, a cadela de estimação de Lula e Janja, adotada quando o futuro presidente esteve preso em Curitiba, em 2018.

Ainda não está confirmado oficialmente se a cadela acompanhará Lula e Janja na subida da rampa do Planalto, mas se tal acontecer, será inédito na história.

Foi mencionado acima um festival cultural? De que se trata?

Chama-se “Festival do Futuro”, mas tem sido apelidado “Lulapalooza” — um trocadilho com o festival de música Lollapalooza que se organiza no Brasil.

Ideia de Janja da Silva — que, de resto, é a responsável por organizar a cerimónia da tomada de posse — trata-se de um certame que vai ter mais de 60 convidados musicais a atuar ao longo do dia, além de uma feira gastronómica.

A programação musical é deliberadamente eclética, com astros do pop, como Pabllo Vittar e Duda Beat; lendas do samba como Martinho da Vila; e a cantora indígena Kaê Guajajara. 

Todos estes artistas que vão participar neste têm uma coisa em comum: estão profundamente comprometidos com a esquerda e participaram na campanha de alguma forma, explicou Janja. 

Os espetáculos serão distribuídos em dois palcos, nomeados em homenagem a duas grandes cantoras brasileiras falecidas este ano — Elza Soares, morta em janeiro, e Gal Gosta, em novembro — e vão ocorrer até à madrugada de segunda-feira, com uma pausa para a cerimónia oficial de investidura de Lula da Silva.

Como vai ser o Governo de Lula da Silva?

Antes de mais, é digno de nota que o futuro governo será muito maior que o atual, tendo 37 ministérios, contra os apenas 23 do chefe de Estado cessante.

No entanto, mesmo que o número de pastas vá aumentar em 60% no terceiro mandato de Lula da Silva, a sua equipa garantiu que o número de cargos totais dos ministérios permanecerá praticamente inalterado.

“O presidente [Lula] pediu para desmembrar os ministérios, mas sem criar mais cargos”, afirmou aos jornalistas Rui Costa, que vai ser ministro da Casa Civil, cargo que no Brasil funciona como o centro administrativo do Governo que articula a execução das políticas públicas pelos demais ministérios.

É disso exemplo o Ministério da Economia, que será desmembrado entre Fazenda (Finanças), Planeamento, Gestão e Desenvolvimento, além de Comércio e Indústria.

Além disso, os ministérios da Pesca, da Cidade e do Desporto, que tinham desaparecido no governo de Bolsonaro, serão reativados, tal como o da Cultura, que tinha sido relegada para uma simples secretaria e será liderado pela cantora Margareth Menezes.

Será ainda criado um Ministério dos Povos Indígenas, chefiado pela líder indígena Sónia Guajajara.

Que ministros vão fazer parte deste executivo?

A ideia que perpassa neste Governo é da tentativa de conciliação política depois das políticas extremadas de Bolsonaro, além de uma maior inclusão de mulheres e de pessoas não brancas nos gabinetes.

Além de alguns nomes acima mencionados, destacam-se:

  • Geraldo Alckmin, histórico rival de centro-direita de Lula da Silva que concorreu como seu candidato a vice-presidente nestas eleições, será ministro da Indústria e Comércio;
  • Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada Marielle Franco, que se tornou um símbolo da luta contra o racismo e a violência policial, no Ministério da Igualdade Racial;
  • O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad será o chefe do Ministério da Fazenda, a principal pasta da área económica. Haddad, recorde-se, é um dos grandes aliados de Lula, tendo ocupado a pasta da Educação entre 2005 e 2012, durante boa parte dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) e foi o candidato presidencial do PT derrotado em 2018 contra Bolsonaro;
  • O engenheiro e político conservador José Múcio Monteiro fica com a pasta da Defesa, que volta às mãos de um civil após quatro anos sob o comando dos militares. Múcio tem a missão de apaziguar os setores do Exército que se manifestaram contrários à futura mudança de governo e se destaca por sua habilidade política e bom relacionamento com os oficiais das Forças Armadas e do mundo político;
  • Marina Silva, antiga candidata presidencial contra Dilma Rousseff, regressa ao Ministério do Meio Ambiente, que já ocupou entre 2003 e 2008, sob a Presidência de Lula da Silva;