A denúncia, divulgada num relatório das organizações Justiça para o Irão e Federação Internacional de Direitos Humanos, hoje publicado, descreve casos de prisioneiros que foram treinados para ler declarações escritas num quadro, enquanto correspondentes da televisão pública lhes ordenavam que repetissem as falas enquanto sorriam.
Alguns dos prisioneiros relataram ter sido espancados e ameaçados de violência sexual e contaram que os seus familiares foram usados contra eles para que prestassem falsas declarações, mais tarde exibidas em boletins, magazines e programas disfarçados de documentários, refere o relatório.
O número de pessoas filmadas nestas condições é, provavelmente, maior, já que alguns dizem que as suas confissões ainda não foram divulgadas, enquanto outros podem não estar ainda acessíveis, alertou um dos diretores da Justiça para o Irão, Mohammad Nayyeri.
Estes prisioneiros “vivem com medo” de ver as suas alegadas confissões transmitidas na televisão, disse Nayyeri, explicando que esse medo não é menor do que a angústia e a dor que levou às “confissões”.
Nem a televisão pública do Irão nem a missão do Irão nas Nações Unidas fizeram qualquer comentário às denúncias avançadas no relatório.
Segundo a lei iraniana, apenas o Estado pode operar estações de televisão e rádio, sendo que as antenas parabólicas, embora sejam frequentes em Teerão, são ilegais.
Além disso, o YouTube e outros serviços de transmissão de vídeo ocidentais estão bloqueados, deixando poucas alternativas à população que não os canais nacionais e regionais da televisão pública.
“A IRIB [emissora pública iraniana] opera como um centro de media que liga uma vasta rede de organizações de segurança, informação, militares e judiciais”, explica relatório, referindo que a estação “não é simplesmente uma organização de media e, de maneira alguma, uma organização independente, mas um órgão de repressão de Estado que utiliza as ferramentas da comunicação de massas”.
Os Estados Unidos chegaram a sancionar um banco que financiava a IRIB, em novembro de 2018, e, posteriormente, o seu diretor, Abdulali Ali-Asgari, mas levantam frequentemente as sanções.
A prática de transmitir confissões forçadas remonta aos anos caóticos imediatamente a seguir à Revolução Islâmica do Irão, em 1979.
A televisão estatal transmitiu confissões de pessoas suspeitas de serem membros de grupos comunistas, insurgentes e outros.
A prática chegou a ser tão vulgar que Mehdi Bazargan, o primeiro primeiro-ministro do Irão após a revolução, foi ameaçado uma vez de que poderia ser detido e colocado na televisão “a repetir frases como um papagaio”, caso não mudasse a sua conduta.
Houve vários casos famosos de confissões forçadas no ar, como a do correspondente da Newsweek Maziar Bahari, que conseguiu que os reguladores britânicos revogassem a licença da estação iraniana em língua inglesa antes de a sua “confissão” ser transmitida.
O relatório da Justiça para o Irão e da Federação Internacional de Direitos Humanos descreve detalhadamente o caso de Maziar Ebrahimi, que, mais tarde, explicou ter sido, em conjunto com outras 11 pessoas, torturado pelo Ministério da Informação para produzir confissões forçadas nas quais afirmavam ter assassinado cientistas nucleares em nome de Israel.
“Mesmo depois de ‘confessar’ o assassinato dos cientistas nucleares iranianos, Ebrahimi continuou a ser torturado para assumir a responsabilidade por outro caso não resolvido, que envolvia uma explosão numa fábrica de mísseis em Mallard”, adianta o relatório.
Mais tarde, Ebrahimi foi libertado e deixou o Irão para ir viver na Alemanha.
Quando a sua história foi relatada no serviço persa da BBC, em agosto, o porta-voz do Governo iraniano, Ali Rabiei, garantiu que a tortura de Ebrahimi “não foi profissional” e que os autores seriam responsabilizados, mas, até agora, não foi feito qualquer anúncio público desse acerto de contas.
“Entre 2009 e 2019, a comunicação social pública iraniana divulgou confissões forçadas de, pelo menos, 355 pessoas e conteúdo difamatório contra, pelo menos, 505 pessoas”, relata o documento, adiantando que a utilização do método tem sido aumentada.
Publicado na véspera do Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, o relatório baseia-se “em mais de 1.500 horas de pesquisa e análise a 150 desses programas de televisão e em 13 entrevistas às vítimas”, segundo é explicado.
De acordo com o relatório, a extração de “confissões” aos prisioneiros é feita através de “torturas físicas, como açoitamentos, suspensão pelos braços, com deslocamento dos ombros, e eletrocussões, mas também psicológicas, como simulacros de execuções, ameaças de violação e colocação em isolamento, entre outras”.
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