O início de tarde deste domingo foi abalado com uma marca inédita que pontua a natureza trágica do nosso tempo: com mais 10 pessoas a cair perante a Covid-19, Portugal ultrapassou a marca das 2000 mortes provocadas pela pandemia.

Este é apenas um funesto número a juntar-se a outros quase tão negativos. Somando-se os 904 novos casos registados hoje aos 963 revelados ontem, o fim de semana que deu o início a este mês de outubro acabou por ser o pior desde março, quando a pandemia atravessou as fronteiras nacionais.

Mais: de acordo com as contas feitas pelo Observador, estes dois dias de fim de semana apenas ficam atrás de 10 de abril (1516 casos) e 31 de março (1035 casos) como aqueles onde mais casos foram registados, e é a primeira vez que há mais de 900 casos registados em dois dias seguidos.

Haverá causa para alarme? De acordo com os nossos responsáveis políticos e técnicos, não, Depois do secretário de Estado da Saúde, Diogo Serras Lopes, e da diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, terem dito que a capacidade dos hospitais se mantinha sob controlo, que não seria necessário dar uso a hospitais de retaguarda e que a quantidade de surtos "reflete um número bastante inferior em comparação ao de outros períodos”, hoje foram António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa a providenciar explicações aos portugueses.

Da parte do Presidente da República, Marcelo relembrou que esta aceleração da pandemia em Portugal segue em voga como o resto da Europa e que se esperava este aumento com a “abertura das escolas e o regresso à atividade social plena”.

Para além disso, o chefe de Estado disse ainda que “não há stress sobre o Serviço Nacional de Saúde, no sentido que nem nos internados nem nos cuidados intensivos estamos a atingir o que se chama agora linhas vermelhas e muito menos linhas vermelhas em termos de óbitos”.

Costa também abordou a pressão sobre o SNS, alinhando na bitola de que a capacidade de resposta “tem-se mantido estável e o reforço tem vindo a ser feito”. No entanto, o primeiro-ministro deixou também um aviso. "Não podemos recorrer, como fizemos em março, a confinamentos e à paralisação do país outra vez" pois "o rendimento das famílias, os empregos e as empresas não aguentariam isso de novo”, alertou o primeiro-ministro.

Por isso mesmo, “estamos exclusivamente nas nossas próprias mãos e na forma como cumprimos as regras básicas. Se cumprirmos todas, vamos controlando a pandemia. Se não cumprirmos, temos situações dramáticas como alguns estão a viver”, completou Costa.

Perante a incerteza do que poderá significar o início de uma “segunda vaga” — é o que cada vez mais virologistas defendem — os responsáveis políticos estão, portanto, a manter uma postura cautelosa e prudente no discurso. O final do dia, porém, levou a realidade da Covid-19 para o seu âmago. A SIC avançou que António Lobo Xavier, antigo dirigente político do CDS, acusou positivo a um teste à doença. Onde está a relação? É que Lobo Xavier é também conselheiro de Estado e esteve presente na última reunião presencial, que decorreu na passada terça-feira, 29 de setembro, no Palácio da Cidadela, em Cascais.

Tendo Lobo Xavier comparecido à reunião, sobram as dúvidas se outros dos conselheiros de Estado também podem ter ficado contaminados. Marcelo Rebelo de Sousa, já se sabe, testou negativo à Covid-19 já depois desse ajuntamento, pelo que estará, em teoria, livre de perigo.

No entanto, também António Costa e o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, estiveram presentes, assim como vários conselheiros de Estado em idade de risco — de Francisco Pinto Balsemão a Ramalho Eanes, de Jorge Sampaio a Cavaco Silva. É sabido até à data que todos já estão a ser testados pela Fundação Champalimaud, mas os resultados só se saberão amanhã.

Em véspera do dia da República, a Covid-19 não prestou vassalagem e ameaçou assim por em causa as próprias figuras do Estado.