“A oferta [de casas] é cada vez mais insuficiente”. Quem o diz é António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) ao SAPO24. Até aqui, nada de novo, interessa é saber porquê que mudou.

"Uma parte dela foi desviada para o turismo, uma outra foi desviada para os residentes não habituais, os estrangeiros endinheirados, com rendimentos e reformas superiores aos nossos, e também para aquele programa dos vistos gold, para a lavagem de dinheiro, numa boa parte”, enumera.

Mas António Machado deixa uma ressalva: “O mercado de arrendamento da cidade de Lisboa nunca foi barato. Se recuarmos 50, 60, 70 anos e perguntarmos a famílias ou parentes, verificamos que as rendas que se pediam correspondiam, em termos médios, ao salário de uma pessoa. Nunca foi nada barato”.

No entanto, antes “havia mais pessoas nas famílias, contribuíam para o saco e a coisa lá ia andando", justifica. Agora, as famílias são mais pequenas. "São duas ou três pessoas ou só uma e as coisas complicam-se nesse plano”.

No mesmo sentido, Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) diz ao SAPO24 que "antigamente os jovens só saíam de casa quando casavam. Hoje em dia muitos querem sair não para casarem, mas para viver sozinhos. E isso implica o dobro das casas, é preciso ter isso presente. No fundo, a estrutura de uma casa para uma pessoa sozinha não é a mesma que está prevista para um casal como era até agora. Isso é uma nova realidade que existe na nova geração e que também implica aumentar a habitação”.

Se arrendar nunca foi barato, o contexto de quem o quer fazer alterou-se nos últimos anos: o nível de rendimentos dos jovens portugueses atira-os para o fim de uma fila cada vez mais longa.

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"O que acontece é que o país acaba por ainda ter salários muito baixos”, diz Menezes Leitão, o que cria uma certa competição com quem vem do exterior, como é o caso dos nómadas digitais. Os estrangeiros “têm mais capacidade económica” e, por isso, “com certeza que têm mais capacidade de suportar as rendas”.

“Havendo uma oferta [de habitação] para um setor, naturalmente isso pode reduzir para outro setor [da sociedade]. Acaba por ser uma opção que resulta de uma política para atrair certo tipo de pessoas para a habitação. Não podemos querer uma coisa e depois não querer os seus efeitos", reitera o presidente da ALP.

Depois, é preciso ter em conta o arrendamento que não está classificado, "aquilo a que se chama informal/clandestino”, alerta António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL).

"Aliás, o espelho disso foi o desaparecimento repentino dos quartos para estudantes. Os milhares de quartos que existiam para esse fim desapareceram todos da oferta, foram desviados para os imigrantes", exemplifica. "Enquanto num quarto estavam um ou dois estudantes, os imigrantes estão lá ao monte e, naturalmente, pagam mais e não precisam de recibo nenhum para nada, porque o SEF não tem o que fazer ao recibo e os estudantes precisam por causa das bolsas e etc. Temos aqui uma clandestinidade e não há fiscalização nenhuma", denuncia.

Em suma, "não há casas para vender ou arrendar, independentemente do preço. Também não há casas com preços compatíveis com os rendimentos. E ainda temos a precariedade laboral", enumera António Machado.

Além da pouca oferta, a falta de confiança

Nada disto traz garantias aos senhorios, que precisam de as ter para arrendar. Menezes Leitão lembra que “devido às regras que foram estabelecidas em 2019, um senhorio, se quiser arrendar uma casa, não o pode fazer na habitação por menos de três anos e no comércio por menos de cinco. O que significa logo que as pessoas retraem-se em arrendar por um prazo tão dilatado”.

"Se o prazo fosse reduzido para um ano, por exemplo, era mais fácil conseguir um arrendamento e depois o prazo ia-se renovando, era assim que se estabelecia. Hoje em dia, nesta sociedade em que os compromissos são de certa forma menos duradouros, o que sucede é que dizer a um senhorio 'quando arrenda uma casa tem de ficar três anos sem ela' coloca logo uma hesitação relativamente ao arrendamento", explica.

Considerando que "a lei anterior não funcionava assim", isto "retrai a oferta". E exemplifica a situação. "Quando se diz que agora com as fianças as pessoas ficam limitadas a duas rendas, então nós não temos confiança para arrendar a pessoas que tenham mais dificuldades em pagar as rendas, porque não estão a dar garantias".

"Um jovem pode ter dificuldade em arranjar os rendimentos e até pode achar que não tem grandes condições para pagar a renda. Se arranjar um fiador, aí já é mais fácil conseguir a renda. Agora, como surgiu uma lei que diz que o fiador não garante mais de duas rendas, e se o contrato de arrendamento dura três anos, isso naturalmente coloca dificuldades ao arrendamento", acrescenta.

Segundo os proprietários, é preciso olhar para o que aconteceu no passado. "O que pode ser feito neste momento é retornar-se a uma liberalização do arrendamento, como em 2012, e que teve efeitos muito positivos relativamente à oferta”.

Isso e apertar a fiscalização sobre o dito arrendamento informal, acrescenta António Machado, da AIL.

Resultado? Os jovens acabam por ser "os últimos a sair de casa”, vítimas de “todo este processo inquinado que estamos a viver, mas também não é novidade. Isto não é novo, é apenas a continuidade da situação, só que as coisas hoje estão mais visíveis. E ainda bem", diz.

E a habitação pública?

A todas estas situações acresce uma "uma ausência de política pública do ponto de vista habitacional, que anda para aí a patinar há um conjunto de anos", e que deveria "ter em conta a regulação do mercado”, aponta o secretário-geral da AIL.

"Haverá agora o PRR que é preciso gastar rapidamente, há um programa de construção de alguma habitação pública, que não vai resolver o grande problema, não vai tapar o buraco", evidencia.

Num tema em que as críticas surgem de todos os lados, para os proprietários a atual política de habitação "está totalmente errada desde o início”, diz Menezes Leitão.

"O que se está a verificar é que as pessoas estão convencidas de que é preciso apostar na habitação pública. O problema é que a habitação pública no nosso país é cerca de 2%. Ora, quando temos 98% de oferta privada e 2% de habitação pública, não será privilegiando a habitação pública que conseguimos resolver o problema num horizonte imediato. Mesmo que suba para 5%, que é o objetivo, continuará a deixar a situação completamente fora", frisa o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP).

Por isso, defende que a solução passa por "facilitar a oferta de arrendamento na habitação privada e para isso é preciso haver confiança".

"Se houver muitas casas no mercado, as rendas caem imediatamente. Agora se não houver confiança na oferta privada, o que se passa é que essa oferta baixa e as rendas sobem. E não me parece, com os números que existem, que uma habitação pública se consiga resolver o problema. Seria preciso esperar muitos e muitos anos. Por isso parece-nos que esta política ideológica de dizer que vamos para a habitação pública e vamos continuar a penalizar a habitação privada está a dar esse resultado", afirma.

Do lado dos inquilinos, o pedido é que existam medidas de controlo de situações que se tornam incomportáveis para quem paga rendas. "O governo assiste a tudo isto impávido e sereno e de alguma maneira é cúmplice porque não intervém a tempo e horas, apesar de andarmos há anos a reclamar que é preciso haver regulação do mercado, que devia haver registos e fiscalização e uma fiscalidade diferente para as rendas", frisa o secretário-geral da AIL.

"É preciso uma fiscalidade tipo IRS, escalonada e progressiva, por exemplo com base no preço por metro quadrado. Uma renda com um metro quadrado muito baixo pode até estar isenta de imposto e uma renda com um metro quadrado bastante elevado tem de pagar um imposto alto. Aqueles que ganham menos pagam menos ou não pagam, e aqueles que ganham muito pagam mais. Uma coisa deste género resolve em parte o problema", explica.

Contudo, adianta, "ninguém quer que a propriedade não tenha o seu rendimento certo e seguro. Mas quer-se que tenha um rendimento compatível com os rendimentos das famílias". "Da maneira como isto está é completamente desequilibrado. Ou há uma intervenção pública do governo em termos legislativos ou as coisas não se resolvem”, conclui.

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