“Eu quero agradecer aos adeptos porque sentimos que estivemos a jogar em casa”. As palavras são de Carlos Queiroz e os tímpanos do jornalista que assina esta crónica assim o confirmam. O apoio aos adversários de Portugal nesta noite nunca faltou — nem o apoio, nem a força nos pulmões para soprar vuvuzelas (essas malditas!).

Mas o sopro das bancadas revelou-se insuficiente, apesar do susto, apesar do drama. Dificilmente se pode pedir um final de partida, em pleno período de descontos, muito mais dramático do que aquele a que assistimos em Saransk, no último e decisivo jogo que ditou o apuramento aos oitavos de final da Seleção das Quinas.

Verdade seja dita: As contas do grupo B podiam ter sido bem diferentes daquilo que acabaram por ser. A Portugal chegava um empate, mas nada durante os 90 minutos faria prever que — de VAR em VAR — Portugal pudesse estar mesmo fora do Mundial, caso Taremi tivesse marcado golo na derradeira oportunidade do encontro.

Mas vamos por partes, Fernando Santos mudou três peças do onze da família: entraram André Silva e Adrien e Quaresma — que foi substituído aos 70' por Bernardo Silva. Já João Mário acabou por ceder lugar a João Moutinho, aos 84'. A precisar de ganhar para manter o sonho vivo, não se esperavam grandes alterações e Queiroz também não lançou nenhum joker. Relativamente ao jogo disputado com a Espanha, apenas dita a troca de Karim Ansarifard por Alireza Jahanbakhsh.

Os iranianos demonstraram mais do que era esperado nos primeiros dois jogos, particularmente na altura de prestar contas aos atacantes adversários. Frente a Marrocos, a defesa revelou sempre uma resiliência capaz de manter a sua baliza inviolável. Por outro lado, contra La Roja, apesar da derrota, mostraram que em contra-ataque também conseguem criar oportunidades. E esta segunda-feira foi possível ver aquilo que esta competição representa para os iranianos.

“Para a seleção nacional do Irão é uma honra estar no Mundial. Temos a oportunidade de passar à fase seguinte e nós vamos lutar pelos nossos sonhos”. E lá lutar, lutaram. Tanto lutaram que o jornalista do britânico The Guardian chegou a ponderar se o Irão não estaria mais perto de conseguir um cartão vermelho do que um golo.

E se muitas vezes temos de puxar pelos galões (e golões) de Cristiano Ronaldo, neste jogo temos de puxar pelos de Pepe. O central português foi a pedra que segurou o forte, aquele que marchou contra os canhões adversários. Sim, foram de facto canhões porque a agressividade iraniana foi qualquer coisa de palpável. É louvável que se opte por um jogo aguerrido, mas às vezes havia um certo excesso de zelo na disputa de bola por parte de alguns jogadores da seleção comandada por Carlos Queiroz.

Só que, bem vistas as coisas, com adeptos a trazer uma força extra digna de furar tímpanos era complicado não fazer o que estivesse fisicamente ao alcance de quem esta noite vestia de branco. E o apoio foi tal que a bancada onde estavam os jornalistas foi tremendo ao sabor das cornetas, saltos e dos sons vindos das gargantas dos cerca de 40 mil adeptos que carregaram a equipa às costas.

Apesar de algumas opções de Fernando Santos serem difíceis de perceber, a verdade é que o Mister passou sempre em todas as fases finais que disputou. Em 2012 e 2014 pela Grécia; 2016, 2017 e 2018 por Portugal. Portanto, quem é tem coragem de desafiar a sabedoria de alguém com tamanho pergaminho?

Ainda assim, a par do que já tinha acontecido com Marrocos, o meio campo de Portugal parecia estar desligado. Mesmo que as estatísticas digam que o jogo jogado passou todo pelos pés da seleção portuguesa. No capítulo do passe, foram efetuados pelos portugueses mais de 500; o Irão esteve nos 130.

A melhor oportunidade desperdiçada foi também da seleção nacional, logo no início da segunda-parte, quando Ronaldo conquistou ele próprio uma grande penalidade (via consulta no VAR) e se encarregou de a marcar. No entanto, Alireza Beiranvand provocou uma autêntica erupção na Mordovia Arena quando adivinha a orientação e defende o penálti do capitão português (que falhou o 6º dos seus últimos 14 penáltis, o que lhe confere um pouco mais de 57% de acerto da marca dos 7 metros de Quinas ao peito).

A incursão falhada galvanizou os iranianos, até demais, de tal forma que Oceano teve que solicitar ao tradutor ajuda para transmitir aos jogadores que seria boa ideia terem um pouco mais de calma. O que não deixa não de ter a sua graça, visto que o treinador adjunto do Irão estava ele próprio demasiado exaltado.

Aos 75’, novo lance. O árbitro faz soar o apito e vai em direção ao banco do Irão. E, da primeira vez que o faz, é apenas e só para o diálogo. Mais VAR, desta vez a pedido de Queiroz. Calma, exige o juiz da partida. Mas o melhor estava guardado para o fim, já nos descontos, quando o Irão consegue chegar ao empate, também de penálti, também marcado através de revisão e consulta do lance pelo VAR.

O lance divide opiniões: há quem defenda que Cédric Soares tocou na bola, mas que não teve intenção no movimento porque foi muito “à queima”; depois há aqueles que não precisam de muitas repetições para ficarem esclarecidos de que o lance foi bem ajuizado. Foi um aguenta coração bem grande. VAR ou não VAR? As bancadas pedem “penálti” e volta tudo a tremer. E depois de dois ou três minutos de ansiedade, o juiz volta a prestar conta os ecrãs. Talvez pressionado pelo ambiente que se vivia no estádio, ditou que o lance era passível de ser marcado. E foi. E Karim Ansarifard não desperdiçou a oportunidade para empatar o encontro.

A situação podia ter sido ainda mais gravosa para Portugal. E quando se escreve gravosa, entenda-se que podíamos ter ido mesmo recambiados para casa aos 95’. Mehdu Taremi dentro da área ganha a bola, mas remata à malha lateral. Da bancada chegou inclusivamente a dar a ilusão de que o esférico teria realmente entrado. Foi preciso esperar uns milésimos de segundo para perceber que afinal tinha sido só falso alarme e que o último suspiro dos homens de Queiroz tinha passado incólume e sem fazer estragos (só ao coração). Enfim, não se ganhou para o susto. Gritou-se golo, houve a ilusão, mas não foi. Portugal sairia fora. Só que não. Vai mesmo aos oitavos de final.

Como (quase) esquecer uma trivela que não merece ser esquecida

Obrigado, Quaresma. Com tanto sofrimento o golo de Quaresma que ditou o apuramento quase cai esquecido, mas não pode. Não pode porque foi um momento de magia e classe que prova que quem sabe não olvida. Quaresma pode ter só três dedos, um pé torto e outro chato. E efetivamente não estava a ser feliz. Só que Quaresma é isto mesmo. Já tinha tentado uma vez, só que tinha dado para o torto (literalmente). Mas do alto dos seus 34 anos, de um momento para outro, já se sabe que pode sacar uma destas da cartola, melhor dizendo, da trivela. A sua imprevisibilidade é algo sem paralelo. Nisto de rematar com o exterior o pé, há que dizer que o português é o número um. Exagero? Não tome por referência apenas esta opinião. Mas dê algum crédito a Hummels, defesa-central germânico.

Só faz falta quem cá está, mas não foram as poucas vezes que Danilo assombrou o meio-campo. Porque de facto Portugal teve bola, bola e mais bola. Mas não criou chances de real perigo. Os lances que ainda ameaçaram foram os dois originários de Beiranvand que parecia algo nervoso no início do jogo. Nervoso, no entanto, esteve também Quaresma que viu inclusivamente um amarelo (64') por uma entrada durinha quando estava a ser alvo de alguma provocação por parte de alguns jogadores iranianos.

No fundo, o resumo sumariado do encontro termina com Quaresma a marcar bonito ao cair do pano (45’ do primeiro tempo) para depois Cristiano Ronaldo desperdiçar um castigo máximo (53’), e Karim Ansarifard apontar o tento dos iranianos (93’), de grande penalidade.

Contudo, por muito que tenha sido o malfadado custo, a verdade é que Portugal acabou mesmo por passar à fase seguinte, no 2º lugar do Grupo B, atrás da Espanha e já se sabe que vai enfrentar o Uruguai.

“O importante é pensar no jogo [dos oitavos], pensar no jogo, conhecer os nossos adversários, e depois preparar-nos bem física e mentalmente, independentemente de ser o Uruguai ou os anfitriões [Rússia]. São circunstâncias diferentes, os anfitriões têm um grande apoio e estão fazer um torneio muito bom, enquanto o Uruguai tem jogadores de altíssima qualidade e são todos excelentes. Só que Portugal também. Nós temos as nossas armas e nós vamos tentar ganhar”, diria Fernando Santos em conferência de imprensa após terminar o jogo. Se o mister o diz, nada nos resta senão acreditar. Armas temos, fé no treinador também, o melhor do mundo idem.

Portugal e Uruguai defrontam-se no sábado, pelas 21:00 locais (19:00 em Lisboa), no Estádio Fisht, em Sochi, palco da estreia da seleção nacional no Mundial 2018, em jogo a contar para os oitavos da competição.