Partido Comunista, Bloco de Esquerda e PSD podem juntar-se para fazer o IVA na eletricidade descer para a taxa mínima já no próximo Orçamento do Estado (OE2020). A “coligação negativa” para fazer frente às contas de Mário Centeno foi avançada na semana passada por ‘Expresso’ e ‘Observador’, mas a medida já estava nos programas dos três partidos e pode vir a discussão nas contas de 2020.
O Partido Comunista defende que “a electricidade é um bem essencial à vida do povo português e ao funcionamento da economia nacional” e, como tal “a sua tributação em sede de IVA deveria fixar-se na taxa mínima (6%), e não na taxa máxima como foi imposto pelo Governo PSD/CDS em 2012.”
Ao SAPO24, os comunistas dizem que não só a medida do governo de Passos Coelho não foi revertida, como a tarifa social não serve para diminuir a injustiça, uma vez que “apenas abrange uma pequena minoria dos consumidores e continua a tratar a electricidade como se de um bem de luxo se tratasse, uma vez que a larga maioria da população não é por ela abrangida.”
Bloco de Esquerda e PSD também tinham nos respetivos programas eleitorais (para as legislativas de outubro passado) a redução do IVA na eletricidade.
Na definição da proposta de política fiscal, os sociais-democratas defendem a “redução da taxa de IVA aplicável ao consumo de eletricidade para uso doméstico”, com o objetivo de “aliviar a carga fiscal das famílias”, embora sem quantificar a redução.
Todavia, lembra o ‘Observador’, em julho, na apresentação das propostas, Rui Rio dizia que “se o PSD [ganhasse] as eleições, reduz-se a taxa de IVA para 6% [no gás e na eletricidade], o que significa que o consumidor vai ter uma redução de 14% no preço”.
No papel, o Bloco defende mesmo a “descida do IVA da eletricidade e do gás para 6%”. O partido lembra a “economia de privilégio no setor e com uma tributação injusta em IVA, herança da troika que o PS insiste em conservar” e defende que a taxa máxima do imposto “é dos principais fatores de agravamento dos custos energéticos nas economias domésticas em Portugal”, “a par das rendas excessivas pagas às grandes empresas do setor.”
Numa entrevista ao ‘Diário de Notícias’, Catarina Martins explica que “a energia é um bem essencial”, taxado com IVA de 23%, que “deve ir para a taxa mínima para toda a gente”. A líder bloquista estava a falar das associações patronais que “levantaram a ideia de que uma das matérias que seriam importantes para as empresas terem algum alívio nos seus custos e começarem a pensar nos salários é a questão do IVA da energia”.
”Estamos a falar de uma medida que teria um impacto, em toda a gente que vive neste país, muito grande e muito positivo para a economia porque quanto menos se pagar pela luz ou pelo gás, mais fica de salário e de pensão.”
Os comunistas vão igualmente reivindicar a redução do IVA, apresentando uma “proposta da reposição do valor do IVA na electricidade, assim como no gás natural e gás de botija, porque a considera uma medida justa e necessária à melhoria das condições de vida das populações. Uma medida que, mais do que às empresas — que têm sempre a possibilidade de deduzir IVA — se destina à população em geral”, explica o partido, por escrito.
Equilibrar os desequilíbrios
António Costa diz que a discussão é precoce — mas chama a atenção para os desequilíbrios. Em novembro, o chefe do governo lembrava que é preciso “conseguir os equilíbrios necessários, porque os recursos são sempre finitos e as necessidades são sempre ilimitadas”, apontando, por isso, para o “compromisso geral de todos relativamente aos objetivos fundamentais de continuar a apostar no crescimento económico, a melhorar o rendimento das famílias, a criar boas condições para que as empresas possam continuar a investir e a criar mais e melhor emprego”.
Os comunistas, contudo têm uma solução para endireitar as contas, de olhos postos nas empresas: englobamento, taxação e tributação.
“O PCP não ignora os custos financeiros desta medida decorrentes da perda de receita fiscal. Mas sem entrar no jogo da sua quantificação, que o Governo PS tem vindo claramente a empolar, o PCP relembra que existem numerosas medidas que podem e devem ser tomadas também no plano fiscal, capazes de compensar esta justa decisão”, explica o partido.
"Esteja o governo disponível para proceder ao englobamento obrigatório de todos os rendimentos, à taxação das transacções financeiras, à tributação dos rendimentos das grandes empresas onde os mesmos são gerados (em vez de transferirem as suas sedes fiscais para a Holanda ou para as Ilhas Caimão), e encontrar-se-ão seguramente os meios financeiros capazes de suportar esta medida.”
O Bloco também está de olho nas empresas, como forma de garantir a sustentabilidade da medida. Os bloquistas — e os sociais-democratas — querem acabar com as “rendas excessivas” pagas aos produtores de eletricidade.
A medida, pelas contas do partido de Catarina Martins, permitem a recuperarão de mais de 750 milhões de euros “indevidamente pagos no passado pelos consumidores” e evitar 200 milhões anuais de “de futuros custos tarifários indevidos.”
Os bloquistas não estão sozinhos: também o PSD aponta armas às rendas. No capítulo da energia verde, o partido de Rui Rio quer “estabelecer uma nova forma de remuneração (sem atribuição rendas fixas) que, simultaneamente, seja justa e razoável para os produtores de eletricidade de origem renovável e, simultaneamente, garanta a competitividade deste vetor energético junto dos consumidores.”
Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo de Pedro Passos Coelho, no entanto, considera que o governo socialista não tem espaço para acomodar uma perda de 800 milhões de euros decorrentes de uma eventual descida do IVA na eletricidade.
“A descida do IVA de 23% [para 6%] na eletricidade representaria uma perda de 800 milhões de euros de receita. Acho difícil, penso que o Governo não tem espaço para acomodar essa perda”, disse o ex-membro do governo de coligação PSD/CDS-PP, citado pela agência Lusa.
Já esta quinta-feira, o 'Observador' avança que o governo anda a "estudar hipóteses para ter já na proposta inicial medidas que permitam a redução da fatura da luz, mas sem tocar na receita do IVA".
O jornal digital adianta que os planos do executivo socialista passam pelas contribuições das empresas de energia: "há conversas com a empresa para pôr fim a um diferendo de mais de 300 milhões de euros", escreve aquele órgão.
“Conjugar a criatividade de cada um com as diferentes prioridades”
No Porto, a 24 de novembro, o primeiro-ministro dia que ainda era cedo para “preocupações sobre o que é que vai acontecer no debate orçamental”. A proposta está agendada para dia 16 deste mês e, para António Costa, citado pelo ‘Expresso’, “é natural que todos os partidos na Assembleia da República apresentem também as suas propostas.”
“Todos queremos reduzir o custo da eletricidade e temos vindo a fazer uma redução muito significativa, quer com a generalização que foi feita da tarifa social, quer com a redução do défice tarifário, que é a forma estrutural de reduzir o preço da eletricidade”, disse o governante, alertando que, “ao mesmo tempo, temos também de aumentar a capacidade de investir, por exemplo, no Serviço Nacional de Saúde, temos de ter uma política de habitação onde o Estado esteja mais presente, de forma a podermos combater de uma forma mais ativa aquilo que tem sido a especulação imobiliária e podermos assegurar arrendamento acessível às famílias, e em particular às jovens gerações”.
Para Costa, a prioridade está no “desagravamento fiscal” e em “novos incentivos para que se constituem possam ter a liberdade efetiva de ter os filhos que desejam efetivamente ter e que o país precisa que tenham”.
“As prioridades são múltiplas e fazer um orçamento não é escolher uma prioridade contra todas as outras, é conseguirmos, de uma forma harmoniosa, investir onde é mais prioritário investir e ir buscar as receitas onde é mais justo ir buscar as receitas, e de uma forma equilibrada”, defende.
Há que “conseguir conjugar a criatividade de cada um com as diferentes prioridades e temos que saber o que é que queremos fazer ao mesmo tempo". Sublinhando que "ninguém pode ir buscar toda a receita que deseja, nem realizar toda a despesa que sonha", Costa afirmou-se confiante de que será possível conseguir "o equilíbrio orçamental" obtido "ao longo dos últimos quatro anos, com resultados positivos para o conjunto país”.
Os socialistas, para quem a posição do PSD é “irresponsável do ponto de vista político,” vieram já pedir aos candidatos à liderança do PSD que esclareçam as ideias que têm para o IVA na eletricidade. O SAPO24 procurou entrar em contacto com as três candidaturas — Rui Rio, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz —, porém, até ao momento da publicação deste texto, não obteve resposta.
No final de novembro, o secretário-geral adjunto do PS pediu aos três candidatos que explicassem como pretendem compensar a perda de receita do Estado, caso a proposta de diminuir o IVA da eletricidade seja aprovada: “O PSD apresentou publicamente a intenção de viabilizar no parlamento a iniciativa que partiu de outros partidos para obter a redução do IVA da eletricidade de 23 para 6%”, lembrou José Luís Carneiro, acrescentando que os candidatos à liderança daquele partido têm o dever de explicar como preveem compensar a receita perdida.
“O Ministério das Finanças estima que o custo desta medida esteja entre 700 a mil milhões de euros”, lembrou o dirigente socialista. “Entendo que é dever dos candidatos à liderança do PSD que clarifiquem perante a opinião pública portuguesa como é que pretendem garantir a receita que se prevê perder se esta medida for aprovada pelo parlamento”, defendeu, sublinhando que a interpelação se dirige diretamente a Miguel Pinto Luz, Luís Montenegro e Rui Rio.
“Nos anos 2012/2013, o PSD, no Governo juntamente com o CDS, aumentou o IVA da eletricidade [de 6 para 23%] e quando propostas da mesma natureza apareceram no parlamento, foram consideradas pelos deputados do PSD como propostas demagógicas e populistas”, explicou.
“O governo do PS não tem maioria absoluta”
O Partido Socialista tem 108 deputados na Assembleia da República. PSD, Bloco e CDU juntos têm 110 lugares. Estes dois votos chegam para contrariar a vontade do governo minoritário dos socialistas. Com os três partidos juntos, torna-se possível fazer passar esta exigência no parlamento.
Rui Rio já disse os jornalistas, no início deste mês, que a proposta para descer a taxa do IVA é para avançar, independentemente da conjugação dos votos: “o PS não tem maioria, tem de se concertar com outros partidos no Parlamento. Não se pode queixar se houver uma proposta que venha a passar no Parlamento porque acabaram por se conjugar determinados votos”.
“Não sei se se vão conjugar ou não; agora, não fazia sentido eu dizer ‘não apresento essa proposta porque ela pode eventualmente passar’ — isso é que não faz grande sentido, era um raciocínio um bocado abstruso”, defendeu no sábado, à margem da apresentação da comissão política da JSD de Valongo.
Os comunistas também não se importam de quem se junta a eles na proposta, embora critique um eventual branqueamento: “Se porventura outras forças políticas convergirem com o PCP nesta proposta – eventualmente mudando de opinião, como o PSD que se procura branquear — tal só vem confirmar o que é de todos conhecido: o governo do PS não tem maioria absoluta, conforme aliás foi decidido pelo povo português nas eleições.”
*Com Lusa
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