António Costa, Primeiro-Ministro de Portugal, escreveu, em 2004, na Themis, a revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, um artigo intitulado “Contextualizar a reforma da justiça administrativa”, no qual discorreu sobre “a importância e significado da reforma da justiça administrativa”, saudando-a, exaltando-a – procurando refletir sobre o que foi feito e sobre o que ainda faltava fazer.

O artigo, para além de ter oficina, contém uma dose abundante de conhecimento científico, pois o Direito Processual Administrativo é, afinal, uma Ciência; de equilíbrio; e, sobretudo, de leninismo judiciário, se nos é permitido. Quer-se dizer, as reformas na justiça não servem – apenas - um propósito maiêutico, no sentido de parir conhecimento, pois “[u]m sistema não é só bom ou mau em função dos seus pressupostos doutrinários, mas também em função dos resultados que produz”. Nesta, como noutras áreas, a prática é mesmo o critério da verdade. Repare-se que já em 2003, tinha sido organizado o saudoso Congresso da Justiça, onde se reuniram os principais agentes do fenómeno judiciário, donde se imprimiu uma nova dinâmica na discussão dos problemas do setor. Aliás, os problemas desse tempo são, em certa medida, os de hoje: i) morosidade; ii) falta de eficácia dos meios eletrónicos; iii) ausência de critérios objetivos na contingentação dos processos; iv) carência de recursos humanos nos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante “TAF’s”).

Não nos interessa hipostasiar o modelo criado, valerá a pena, outrossim, cogitar sobre os problemas elencados, partindo da realidade concreta, e apresentando soluções. Que fazer, então?

Veja-se que o nosso olhar é o de um Advogado que exerce a sua atividade profissional, exclusivamente na jurisdição administrativa, na perspetiva da representação do Estado em juízo, ou seja, através do patrocínio judiciário de uma empresa pública. Isto é relevante, pois se à semelhança de Espanha e de outros países, fosse criado um contencioso do Estado com uma carreira sólida e atrativa para os seus profissionais, poupar-se-ia dinheiro ao erário público e evitar-se-ia o ‘outsourcing’ de sociedades de advogados. A criação da JurisAPP foi um passo importantíssimo, embora tíbio, no sentido de internalizar e uniformizar o know-how jurídico na administração direta e no setor público empresarial, porquanto a JurisAPP ainda não tem “poder de veto” sobre a contratação de serviços jurídicos - no que diz respeito ao setor empresarial do Estado, basta-se com uma mera comunicação, cfr. artigo 18.º, n. º4, alínea b) do DL 149/2017, de 6 de dezembro.

Por outro lado, quanto à morosidade, importa perceber que este problema entronca no último que elencámos, ou seja, a morosidade deve ser devidamente cotejada com a falta de recursos humanos existentes nos TAF ’s.

Na verdade, os tribunais administrativos de círculo, bem como os tribunais centrais administrativos, podem ser dotados de gabinetes de apoio para assegurar a consultoria técnica aos juízes – cfr. art. 56.º-A do ETAF, em razão do aumento do volume das pendências, sobretudo na área da contratação pública. Sem prejuízo disso, não houve, até à data, dotação orçamental para o efeito, estiolando-se a possibilidade de recrutar assessores qualificados que descongestionassem estes Tribunais.

Urge dotar os TAF ’s destes assessores, investindo, tanto por razões táticas – diminuição das pendências, à boleia de projetos de decisão elaborados por aqueles – como por razões estratégicas, através do reforço da tutela jurisdicional efetiva e das garantias dos administrados.

Nesta senda, manda a verdade que se diga que em relação ao contencioso da contratação pública, sobretudo nas ações de contencioso pré-contratual, a morosidade tem sido fortemente combatida desde que foram criados os juízos de competência especializada (Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro), que vieram assegurar uma tramitação mais célere nos litígios associados à contratação pública, sendo disso exemplo o tratamento mais expedito do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, que tantos prejuízos caus(a)ou ao interesse público, e que, atualmente, são decididos mais rapidamente, permitindo-se curar uma verdadeira doença infantil.

Quanto à falta de eficácia dos meios eletrónicos, valeria a pena fundir as plataformas que regulam a tramitação eletrónica nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais (CITIUS/SITAF), dando um salto qualitativo na inovação das infraestruturas tecnológicas que servem o setor, como se fez, com sucesso reconhecido, em relação ao SIGNIUS, plataforma que confere a possibilidade de assinatura eletrónica das peças processuais em ambas as jurisdições – e que decretou o fim da assinatura eletrónica através do sistema JAVA.

A segunda nota, ainda quanto a este ponto, prende-se precisamente com a necessidade de resistir à parametrização das peças processuais no SITAF, continuando a fornecer-se a possibilidade de o preenchimento dos formulários de articulados respeitantes àquela jurisdição ser opcional.

Por fim, mas não menos importante, deve continuar a apostar-se na criação de critérios objetivos na contingentação dos processos, isto é, o número de processos alocados a cada juiz e os critérios de distribuição dos mesmos, devem estar intimamente ligados ao índice de produtividade processual. É violento para um juiz administrativo gerir processualmente uma média de trezentos processos em simultâneo. Por isso é que António Costa, Ministro da Justiça (1999-2002), expôs com meridiana clareza, no antedito artigo, que “a adoção de critérios objetivos e concretos na contingentação e na fixação de prazos legitima a sua consideração como padrão de exigibilidade de desempenho, quer interna quer externamente”.

Para tanto, é imperioso intensificar o recrutamento de magistrados judiciais e do Ministério Público para os TAF’s, rejuvenescendo os quadros; e, sobretudo, promovendo a necessária formação contínua, projetando, assim, o futuro da justiça administrativa.

Em suma, retenha-se por ora a seguinte conclusão: como diria Deng Xiaoping, “não interessa a cor do gato, o que interessa é que ele cace os ratos”.