Ei-las, as linhas vermelhas da pandemia
Quando, a 11 de fevereiro, António Costa falou ao país depois de uma reunião de Conselho de Ministros para, essencialmente, informar que o confinamento manter-se-ia até março, pelo menos, fê-lo pedindo à comunidade científica nacional que chegasse a um consenso quanto à definição de metas para confinar ou desconfinar.
O pedido do primeiro-ministro tinha sido feito na ressaca de uma reunião no Infarmed onde apenas um dos especialistas convidados — Manuel Carmo Gomes, que até acabou por abandonar estas reuniões — apresentou linhas vermelhas para nortear as ações do Governo:
"Não ter um R que não ultrapasse 1,1 durante demasiados dias; uma percentagem de testes positivos que não permita à positividade chegar aos 10%, mas andar nos 5%; e uma incidência que não ultrapasse aquilo que as autoridades de saúde considerem ser a capacidade do Sistema Nacional de Saúde dar resposta a doentes covid e doentes não covid", disse na altura.
Entretanto passou-se um mês, uma outra reunião foi tida e os números da pandemia baixaram muito, mais do que tinha sido previsto — Carmo Gomes, por exemplo, apontou para uma média de 3000 casos por dia em março na sua derradeira comunicação.
Fazendo-se a devida ressalva de que os números apresentados à segunda-feira são sempre em média inferiores, os 365 casos e 25 óbitos hoje confirmados são, ainda assim, os mais baixos desde 7 de setembro, tendo Portugal apenas oito concelhos em risco muito elevado e nenhum em risco extremo.
Esta diminuição dos números, aliada ao desespero de quem tem a sua vida parada e ao cada vez mais sedutor bom tempo que se tem vindo a fazer sentir, aumenta a pressão sobre o Governo quanto à possibilidade de desconfinar. O executivo, de resto, guardou para dia 11, esta quinta-feira para revelar as novas medidas e/ou se avança para um alívio do confinamento.
Antes, porém, chegaram as respostas aos pedidos do Governo para a definição de metas. Na reunião de hoje no Infarmed, foram finalmente apresentadas as “linhas vermelhas” e, como o ditado diz que “não há fome que não dê em fartura”, foram três os conjuntos de cenários distintos:
- Henrique de Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, propôs cinco grupos para o desconfinamento. O plano começa no nível 0, que contempla apenas medidas individuais não farmacológicas, como uso de máscara, distanciamento e lavagem das mãos, evolui para o nível 1, em que não são autorizadas reuniões com mais de 50 pessoas, prossegue no nível 2, em que se fecham cafés, restaurantes e o comércio, continua no nível 3, em que se interrompem atividades de ensino presencial secundário e superior, e, finalmente, terminam no nível 4, com a interrupção das atividades de ensino presencial no básico e creches.
- Baltazar Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública, disse que os limites para que não haja confinamento sejam que a incidência acumulada a 14 dias esteja "abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes”, que o R(t) deve ser "menor do que um" e que taxa de ocupação de camas em cuidados intensivos seja inferior a 85% das camas disponibilizadas em março de 2020 (o que equivale a 245 camas), entre outras.
- Por fim, Raquel Duarte, ex-secretária de Estado da Saúde, apresentou também uma proposta de plano para o desconfinamento, que contempla cinco patamares: sendo que o nível 1 é aquele que prevê menor número de restrições, o nível 5 corresponde ao grau mais grave. Segundo o plano, por exemplo, até ao nível 2 deve haver restrições de horários de funcionamento, com as atividades a poderem funcionar até às 21 horas de segunda a sexta-feira e até às 13 horas aos sábados. Na restauração, o nível 4 apenas permite take away e entrega ao domicílio, com o nível 3 a permitir o serviço de esplanada com distanciamento com limite de 4 pessoas por mesa. O recolher obrigatório deve ser mantido até ao nível 2, argumentou ainda a especialista.
Após este “banquete” de indicadores para todos os gostos, António Costa não se fez mal-agradecido e, após ter feito o pedido à comunidade científica a definição de metas, saudou a resposta dos especialistas, dizendo agora ter “ferramentas para ter um processo de decisão mais sustentado”.
Mas o dado que talvez seja o mais importante — mas também perigoso — a ter em conta é a a previsão de que a 15 de março, quando termina o atual estado de emergência, Portugal esteja "muito perto dos 60 casos por 100 mil habitantes", ou seja, números que permitem o desconfinamento.
É possível então que, para a semana, seja já possível que haja um primeiro ensaio de desconfinamento, mas é aconselhada cautela. Por isso é que também a ministra da Saúde se pronunciou após a reunião no Infarmed, mas o tom de Marta Temido foi bastante mais cauteloso, preferindo destacar como, mesmo em confinamento, há cada vez mais pessoas na rua e que o risco de transmissão “está novamente a subir”. Podemos ansiar pelo desconfinamento, mas novidades, só na quinta-feira.
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