Para o PCP, o "nunca tínhamos ido tão longe" não foi longe o suficiente

Abílio dos Reis
Abílio dos Reis

Até ao último segundo de quarta-feira "tudo é possível”, mas o terreno está arenoso para o Governo conseguir fazer com que o Orçamento do Estado para 2022 seja aprovado na generalidade. É que depois de o Bloco de Esquerda (BE) ter anunciado este domingo que vai votar contra (se o executivo não ceder nas suas exigências), hoje foi a vez de o PCP trilhar o mesmo caminho, no sentido oposto de António Costa.

As razões dos comunistas para tal? Ora, pelo que "está, mas também pelo que não está" na proposta do Orçamento, segundo justificou Jerónimo de Sousa. Mas não só. O facto de o Governo não querer "acompanhar" as sugestões (imposições) dos comunistas não terá ajudado.

"Não havendo reconsideração por parte do Governo, [ou] disponibilidade para dar respostas aos problemas concretos que o nosso país e o nosso povo atravessam… Este esforço, este empenhamento da nossa parte, não encontrou eco por parte do Governo do PS", esmiuçou ainda.

Este eco parece, aliás, transversal a todos os votos "contra" anunciados nas últimas horas. Assim aconteceu ontem com o BE e esta segunda-feira com o PCP e PEV. Catarina Martins sugeriu que António Costa mostra "intransigência" em relação ao orçamento; o PCP, como se referiu umas linhas mais acima, de que o executivo "não acompanha" os comunistas na sua jornada em defesa do povo; e, por último, o PEV acusou o Governo de ter falta de "flexibilidade".

No entanto, para BE e PCP, o Governo não deixou de contra-atacar e esgrimir argumentos na ótica do "não percebemos a razão" por irem no sentido oposto ao do executivo. E enfatiza que não só tentou encontrar caminho até os dois partidos como o fez de uma maneira como nunca o tinha feito.

"O Governo lamenta a posição do PCP. Nunca tínhamos ido tão longe no diálogo com o PCP como neste Orçamento", declarou esta segunda-feira Duarte Cordeiro. Ou seja, para os comunistas, o "nunca tínhamos ido tão longe" do executivo não foi longe o suficiente.

O que se segue? Se não existir nenhum acordo de última hora, o Presidente já o tinha confirmado ontem e voltou a reiterá-lo hoje: "Ou há Orçamento ou avanço para a dissolução" da Assembleia da República.

O filme dos últimos 15 dias, de como chegámos aqui, na versão do Governo, está presente nas palavras de Duarte Cordeiro:

"Se, por um lado, o Governo nunca tinha ido tão longe, também nunca antes o Governo tinha sentido um nível de exigência tão grande. Talvez isso explique a dificuldade que estamos a ter [para a viabilização do Orçamento], apesar de tantos avanços e de tantas conquistas", declarou.

Em suma: existiram várias reuniões e cedências de última hora, mas não foi suficiente para viabilizar o documento. E, tudo somado, a aritmética dita que o Governo apenas conseguiu o voto favorável do PS e as abstenções do PAN e das duas deputadas não inscritas, Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN) — sendo que os restantes partidos (PSD, BE, PCP, CDS-PP e PEV) e deputados único (IL e Chega) anunciaram o voto contra, chumbando o OE2022 logo na primeira 'prova de fogo’.

O António Costa está neste momento reunido em Conselho de Ministros e a noite promete ser longa — quer para o primeiro-ministro quer para os seus membros do executivo. Tão longa que se deve prolongar até quarta-feira. Ou, talvez, até bem mais do que isso, se o parlamento cair e o país estiver à beira de novas eleições. Aguardemos pelo desfecho desta reunião que certamente ditará os contornos do futuro político do país.

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