O contingente francês
De regresso às edições, a E-Primatur publica “Thomas o Obscuro”, obra inédita em Portugal de Maurice Blanchot, escritor e filósofo que marcou o século XX francês. Um dos grandes livros da ficção pós-moderna, este antirromance não é de fácil leitura — a sua natureza desafiante é logo notada pela ausência propositada de vírgula no título. Sem intriga e sem personagem, esta história — ou falta dela — veio pôr em causa os próprios limites da ficção narrativa. A mesma editora, de resto, publica também este mês “Vercoquin e o Plâncton”, o primeiro romance do corrosivo escritor Boris Vian.
Outro romance pouco ortodoxo é “O Reino”, do também francês Emmanuel Carrère. Depois de “O Adversário”, a Tinta-da-China edita agora este misto de ficção e autobiografia — prática comum no trabalho do autor. Se por um lado o livro imagina os primórdios do cristianismo enquanto religião organizada a partir de registos ficcionais de São Lucas e São Paulo, por outro é também uma oportunidade de Carrère de refletir quanto ao seu passado enquanto cristão e de, mais uma vez, escalpelizar a sua vida. Com tradução de Ana Cardoso Pires, sai no dia 22.
Mantendo-se a temática dos romances construídos a partir de experiências pessoais, a escritora Emma Becker passou a fronteira a nordeste e foi viver para Berlim durante dois anos, trabalhando sob pseudónimo em bordéis para melhor compreender o mundo da prostituição. O resultado desta jornada plasma-se em “A Casa”, romance autoficcional que não só pretende refletir as dinâmicas de poder no ramo da atividade sexual, mas também pensar sobre a condição da mulher. Editado pela Casa das Letras, tem publicação marcada para 20 de abril.
Ainda por territórios gauleses, a Antígona traz Joseph Andras para Portugal, editando “Dos Nossos Irmãos Feridos”, obra premiada em 2016 com o Prémio Goncourt para romance de estreia, recusado pelo autor por este rejeitar a ideia de competição. E se a postura denota algum engajamento político, este livro espelha isso mesmo, tendo como protagonista Fernand Iveton, pied-noir [colono] executado durante a Guerra da Argélia pelas suas ações anticoloniais. Com tradução de Luís Leitão, sai a 23 de abril.
Por fim, rematando o contingente francês, a Alfaguara, que nos últimos tem sido a responsável por editar a obra de Michel Houellebecq por cá, disponibiliza uma obra já esgotada do polémico autor. Trata-se de “Plataforma”, cujas representações do mundo islâmico e do turismo sexual — em conjunto com a persona inflamatória do autor — colocaram Houellebecq no centro de uma controvérsia quando foi originalmente publicado em 2001. Tem lançamento marcado para dia 20.
De regressos ao passado a futuros distópicos
Passando para outras latitudes, do Japão vem a proposta de um regresso ao passado, num romance polvilhado com doses de realismo mágico. Em "Antes Que o Café Arrefeça”, um pequeno espaço em Tóquio é secretamente um portal para viajar no tempo, é só preciso sentar-se na cadeira certa. É com esta premissa que a quatro personagens voltar atrás para reviver acontecimentos ou tentar mudá-los, ainda que as suas ações não alterem o presente. Fenómeno literário de Toshikazu Kawaguchi, tem publicação garantida pela Editorial Presença a 21 de abril.
Já que se mencionam tempos idos, outro dos destaques deste mês é "Luto", publicado pela Dom Quixote. Neste livro multipremiado, o escritor guatemalteco Eduardo Halfon escreve sobre… Eduardo Halfon, um personagem que pode ou não ser ele, entrando no caminho da metaficção. A trama segue uma trágica história de família em que o protagonista tenta dar sentido às suas memórias de infância para compreender uma morte familiar de que ninguém fala e como isso se relaciona com o passado judaico dos seus avós que fugiram do Holocausto.
Da ficção para a realidade, Joseph Roth também abandonou a Alemanha durante esse período por ser judeu e, tal como outros seus conterrâneos, traduziu o mal-estar da Europa Central — mais concretamente da Áustria — do pós-Primeira Guerra Mundial para a sua escrita. “A Rebelião”, romance publicado originalmente em 1924, tem no centro da sua história Andreas Pum, um veterano de guerra estropiado que ganha a sua vida a tocar realejo nas ruas em troca de esmola, crendo que a sua vida vá mudar. Tal como tem feito nos últimos anos, a Cavalo de Ferro continua a disponibilizar a obra de Roth em Portugal, sendo que este livro era até agora inédito por cá.
Viajando de um passado triste para um futuro pior chega-nos uma das obras maiores de Stephen King. Publicado em 1978, “The Stand” foi agora publicado em pela Bertrand. Este tomo de ficção especulativa imagina um mundo onde grande parte da população foi dizimada por uma supergripe produzida em laboratório e os sobreviventes digladiam-se em duas fações para tentar sobreviver, numa lógica de bem contra o mal.
Por fim, assinale-se “Instinto”, romance de estreia com que Ashley Audrain tomou o mundo editorial de assalto. Drama psicológico sobre a ansiedade maternal e a violência das relações familiares não correspondidas, a sua narrativa coloca a protagonista, Blythe, numa situação em que não sabe se é a sua filha que tem algo de errado, se é ela que não está sã. O nascimento de um segundo filho responde a essas questões, neste livro editado pela Suma de Letras.
Racismo, espionagem e fantástico em dose dupla. Ficção em Português
Do outro lado do Atlântico, chegou pela Companhia das Letras o terceiro romance do brasileiro Jeferson Tenório. Em “O Avesso da Pele”, o protagonista Pedro é um professor de literatura à procura de respostas após a morte do pai, vítima de violência pessoal, enquanto navega numa sociedade que discrimina sistemicamente a sua condição negra. Misto de exploração das relações familiares entre pais e filhos e de reflexão sobre o racismo no Brasil — há algo de autobiográfico no texto — , o livro já foi publicado.
Mais a leste, algo de novo. Marcando a sua estreia na Porto Editora, Amadeu Lopes Sabino publica “Tempo de Fuga”. Nesta aventura assinada pelo ensaísta e escritor, Jorge Mathias é um funcionário do regime salazarista que se diverte a vender segredos aos serviços secretos espanhóis, mas muda de vida para se deslocar para a Alemanha Oriental, onde continua as suas peripécias de espionagem em pleno cenário da Guerra Fria.
Viajando um pouco no tempo, a Livros do Brasil adiciona mais um título à sua coleção “Clássicos Portugueses”, reabilitando de certa forma um autor oitocentista por demais esquecido. Trata-se de Álvaro do Carvalhal, escritor que um aneurisma relegou a uma morte precoce aos 24 anos, mas não sem antes permitir-lhe deixar obra, aqui reunida em “Os Canibais e Outros Contos”. Trata-se de um registo mais romântico, onde o recorrer ao sobrenatural fez de si um dos precursores da literatura fantástica em Portugal.
Percorrendo essa genealogia do terror e da fantasia até aos dias de hoje, Luís Corte Real publica “O Deus das Moscas Tem Fome” pela Saída de Emergência, editora da qual é co-fundador. Habituado a editar — é o responsável pela coleção Bang! e pela revista semestral do mesmo nome —, o autor faz assim a sua estreia na escrita. Trata-se do volume inaugural das aventuras de Benjamim Tormenta, detetive do oculto que investiga o que há de pior na Lisboa do século XIX, mas que também mantém um segredo tenebroso.
Antologias e retornos em poesia
Em matéria poética, abril marca o regresso de António Cabrita às edições, estreando-se no catálogo da Porto Editora. Parte integrante da coleção “elogio da sombra”, coordenada por Valter Hugo Mãe, “Tristia (um díptico e meio)” assume esta denominação invulgar justamente porque agrupa um “caderno de reportagens de pulsão diarística” de seu nome “As Feridas de Heitor” — escritas entre 2005 e 2014 — e o conjunto de poemas “A Flor de Edo”, concebidos entre 2014 e 2017. O “meio” do seu nome é composto pelo longo poema “Quíron” que serve de interlúdio, remetendo estes poemas para a realidade que o poeta e jornalista encontrou quando se mudou para Moçambique há mais de uma década.
Mantendo a toada na poesia conjurada no Hemisfério Sul, a Guerra e Paz edita aquela que concebe ser a maior antologia de poesia angolana jamais publicada em Portugal. Com organização de Irene Guerra Marques e Carlos Ferreira, “Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor” traça ao longo das suas mais de 700 páginas uma jornada que começa nos poemas orais, passa por autores precursores dos séculos XVII e XIX e termina nas gerações de poetas contemporâneos, onde pontuam nomes como Ondjaki, Lopito Feijóo ou Ana Paula Tavares.
Outra antologia de vulto a surgir nas livrarias portuguesas é a de Francisco de Sá de Miranda, um dos grandes poetas do renascimento português. “Obra Completa” conta com o trabalho de Sérgio Guimarães de Sousa, João Paulo Braga e Luciana Braga em parceria com o Centro de Estudos Mirandinos, sendo esta uma edição da Assírio & Alvim que se pautou por manter intacto o estilo de Sá de Miranda.
Pela mesma editora dá-se também o retorno da escrita de Daniel Jonas ao prelo. Quatro anos depois de “Oblívio”, o poeta, tradutor e dramaturgo passeia estes “Cães de Chuva” em verso livre, livro composto por 60 poemas divididos em três partes: 'Calien', 'Caleb' e 'Sirius' que se desdobra num roteiro de viagem interior. Outro autor que volta também às publicações é Alberto Pimenta, vulto do experimentalismo artístico, que com “Ilhíada” edita novo livro pelas Edições do Saguão. Depois de “Zombo”, o autor rompeu a promessa de que esse seria o seu último livro e traz-nos então esta piscadela de olho à "Ilíada" de Homero, mas substituindo a “cultura de heróis e super-heróis” pelos “deserdados, oprimidos e excluídos, que teimam em sobreviver.”
Memórias para que vos quero
Depois de expurgar as mágoas da perda do seu marido em “O Ano do Pensamento Mágico” — livro que esteve sob análise no clube de leitura “Acho Que Vais Gostar Disto” — Joan Didion adotou um registo semelhante com “Noites Azuis”. Neste “livro irmão”, a grande escritora norte-americana tentou simultaneamente lidar com a morte da filha Quintana, assim como com o progredir da sua velhice. O resultado é uma obra igualmente dura, editada pela Cultura Editora.
Também alvo de reflexão este mês está o passado da família de Hadley Freeman. Após descobrir uma caixa com os pertences da sua avó Sala, a jornalista anglo-americana lançou-se numa investigação que a fez descobrir que a sua família judaica foi forçada a emigrar da Europa para os EUA para fugir ao horror nazi. Dos arquivos de Picasso, em Paris, até a uma sala secreta numa quinta na Auvergne, a autor tece em “Sonhos Estilhaçados” um livro de memórias da sua família, cuja experiência terá sido semelhante ao de outras milhares na fuga pela sobrevivência. Sai pela Casa das Letras a 20 de abril.
De uma história que ninguém conhece para outra que está bem enraizada no imaginário comum, a vida de Stephen Hawking — pelo seu brilhantismo e pela sua tenacidade — prestou-se a várias representações: desde filmes até a um livro de memórias assinado pelo próprio. Haverá mais para conhecer sobre o célebre cientista britânico? Sim, pela pena de quem trabalhou com ele. Para além de ser um físico de renome e um reputado comunicador de ciência, Leonard Mlodinow trabalhou com Hawking desde 2003 para escrever “Brevíssima História do Tempo” e “O Grande Desígnio”, tornando-se amigos próximos. Dessa experiência prolongada resulta “Stephen Hawking: Memórias de Amizade e Física”, editado pela Vogais.
Por cá, outro documento de estima comum é dado a conhecer pela Relógio D’Água, que publica “Correspondência (1959-1965)”, obra anunciada em 2019 mas adiada e que traça o registo epistolar entre a escritora Agustina Bessa-Luís e o poeta argentino Juan Rodolfo Wilcock. Conhecendo-se num colóquio em Lourmarin, foi ao encontrarem-se mais tarde casualmente em Veneza que iniciaram esta troca de cartas, traduzida por Lourença Baldaque, neta de Bessa-Luís e ela própria escritora.
Em matéria diarística, há ainda dois outros lançamentos a ter em conta. Também pela Relógio D’Água sai “Diário da Peste”, de Gonçalo M. Tavares. Entre março e junho de 2020, o escritor manteve registos diários da vida em pandemia no semanário Expresso, sendo traduzidos e publicados em revistas e jornais de 15 países, sublinhando-se as Granta inglesa e espanhola e o Times Literary Supplement. Já indo resgatar textos mais antigos — nomeadamente as crónicas publicadas no Diário de Notícias e os textos no seu blog “Horas Extraordinárias” — “Adeus, Futuro” coleta os pensamentos da editora e poetisa Maria do Rosário Pedreira — que já foi convidada do clube “Acho Que Vais Gostar Disto” — e sai pela Quetzal.
Da sua língua ao seu clima e à sua economia. Por onde passa o futuro de Portugal?
É dito que depois da tempestade vem a bonança, mas quanto ao furacão pandémico que atravessamos neste momento, não só não sabemos quando irá passar, como também desconhecemos em detalhe o que nos espera do outro lado. Não havendo quem possua dotes de profetização, é, no entanto, possível arriscar algumas previsões e como nos podemos preparar para esses cenários.
No campo da economia, saem neste mês dois livros de campos opostos do espetro político. De um lado, João César das Neves, professor na Universidade Católica Portuguesa associado à direita económica. Do outro, Susana Peralta, sua antiga aluna e atual investigadora e docente na Nova School of Business and Economics.
Editado pela Dom Quixote a 20 de abril, "As Dez Questões da Pandemia" é o contributo de César das Neves para compreender o Portugal pós-pandémico, defendendo que os próximos anos serão árduos, mas também uma oportunidade para “marcar um novo rumo para a economia” e que passará, sobretudo, pelas “decisões dos consumidores, aforradores, trabalhadores e investidores de Portugal”. No mesmo dia, "Portugal e a Crise do Século" é publicado pela Editora Objectiva. Nesta obra, Peralta alerta para as enormes desigualdades que poderão surgir fruto da atual situação, descrita como “uma crise sanitária, económica e social sem precedentes e com consequências devastadoras, que nos obriga a um olhar crítico sobre o nosso passado, presente e futuro”.
Mas para além da economia, há também que ver a “bigger picture” do que vai ser a nossa vida nas próximas décadas, nomeadamente dadas as alterações climáticas em curso. Segundo o registo de Isabel Landim, as previsões não são as mais positivas, já que Portugal encontra-se entre os países mais vulneráveis na Europa. Em “Portugal 2071”, a jornalista fala com trinta especialistas de diferentes áreas, da geografia à biologia, da saúde à física. O consenso é de que o pior ainda pode ser evitado, mas é preciso começar já. Publicado pela Oficina do Livro, tem data de lançamento no dia 20.
Por fim, de onde vem a língua portuguesa e para onde caminha? O linguista e professor Marco Neves procura medir esse percurso em “A História do Português desde o Big Bang”, desde as suas origens e a sua relação com o galego e o castelhano até à forma como ajudou a formar dialetos crioulos. Além de tentar projetar como será a nossa língua dentro de 500 anos, o escritor postula também a teoria de que nunca a humanidade se singularizará numa só fala, tendo de traduzir os seus idiomas entre si. Tem como data de edição 20 de abril, pela Guerra e Paz.
Uma mão cheia de memórias. Para os mais pequenos
Aprender a partilhar é uma lição preciosa e, quanto mais cedo for dada, melhor. “Isto é Meu” pretende mostrar como uma menina habituada a ter os brinquedos só para si descobre que, ao emprestá-los, todos ficam a ganhar. Esta história, publicada na “Nuvem de Letras”, vem das mentes de Blandina Franco e José Carlos Lollo, casal brasileiro responsável pelo sucesso “Quem Soltou o Pum?”.
Outra lição pode ser simplesmente fazer as crianças dar azo à sua criatividade. O ilustrador e escritor Pedro Soromenho prova-o na sua estreia editorial pela Porto Editora com “Uma Mão Cheia”. Não só o livro tem como ponto fulcral as maravilhas da imaginação, esta foi posta em prática pela sua filha Mia, que contribuiu para os desenhos que ilustram esta história.
Pela Fábula chega outro tipo de aprendizagem, mais solene, mas não menos pertinente: a de aceitar a saudade e a perda. “Se o Mundo Inteiro Fosse Feito de Memórias” é a obra conjunta do poeta Joseph Coelho e da ilustradora Allison Colpoys, tendo como foco a relação dos netos com os avós e como estes inevitavelmente partem sempre antes de estarmos preparados.
Por fim, a mesmo editora traz também uma narrativa mais alegre com “O Jaime no Casamento”, obra de Jessica Love que sucede a “O Jaime é uma Sereia”, que venceu um prémio na Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, na categoria Opera Prima. Desta vez, o protagonista e uma amiga vão a um casamento entre duas senhoras e escapam do mesmo quando acaba para brincar um com o outro.
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