Foi preciso esperar mais do que uma hora para que aqueles Queens of the Stone Age, aquela banda pela qual nos apaixonámos através de discos como “Rated R” (2000) ou “Songs For The Deaf” (2002), aquela banda feérica e acutilante que parecia ter sempre um riff preso na ponta dos dedos desse, por fim, um ar da sua graça no palco principal do NOS Alive. De regresso a Portugal, os norte-americanos trouxeram consigo as canções do mal-amado “Villains” (2017), o seu último álbum, gravado em parceria com um dos grandes magos da pop moderna, Mark Ronson. Durante esse período de tempo, o grande líder que é Josh Homme foi declarando o seu amor pelo público que encontrou à sua frente, deixando no ar a promessa de o fazer dançar.
Foi essencialmente esse o maior problema: os Queens of the Stone Age não deveriam querer fazer-nos dançar. Moshar, saltar, querer andar à cabeçada, partir coisas ou conduzir um bólide vermelho-metálico pela autoestrada fora no máximo da aceleração, isso sim. Não dançar; não abanar a anca e tirar selfies com beicinho. Ficou por perceber se é a água que Josh Homme anda a beber que está contaminada, se são as drogas que já não batem, ou se foi ele quem pura e simplesmente se fartou de ser um senhor do rock n' roll. Mas o que é facto é que estas novas roupas vestidas pelos Queens of the Stone Age não lhes ficam nada bem, e o seu alfaiate deveria ter tido o discernimento de lhes dizer isso mesmo.
A nostalgia pode muitas vezes ser uma prisão, impedindo-nos de ver além daquilo que já foi, suspirando eternamente por momentos que não se voltarão a repetir nesta vida ou na outra. Pode, até, impedir-nos de apreciar devidamente o crescimento e amadurecimento criativo de uma banda que decida abandonar grosso modo a juventude e abraçar a idade adulta (ver, por exemplo, quem não gostou do concerto dos Arctic Monkeys neste mesmo festival). Mas não é disso que se trata no caso dos QotSA; aquilo por que eles passaram não foi um crescimento, e sim um retrocesso. Em vez de dar um passo atrás para dar dois à frente, tombaram pelas escadas abaixo e fizeram o pior disco das suas carreiras, renegando a magia que conferiam às suas guitarras.
Ao pior disco só poderia, por isso, suceder um concerto de travo demasiado amargo para quem já os acompanha há anos, e que até foi capaz de lhes perdoar “...Like Clockwork” (2013), álbum semi-falhado que é o antecessor direto de “Villains”, e que também mereceu um destaque enorme no alinhamento desta noite. Encontrámos os Queens of the Stone Age, os verdadeiros, em temas como 'No One Knows' (completo com um fantástico solo de bateria) e no quarteto fantástico com o qual puseram fim ao seu espetáculo: 'Make It Wit Chu', 'Little Sister' (dedicada às mulheres presentes na audiência), 'Go With The Flow' e 'A Song For The Dead'. Estava lá tudo: a sensualidade, a energia, a sensação de vertigem. A espera foi penosa, mas rendeu o suficiente para que não desistamos deles. Pelo menos, não para já.
Quem não desiste de Portugal são os National, que vieram ao NOS Alive dar o seu 15º concerto em Portugal, poucos meses depois de se terem apresentado no Coliseu dos Recreios. Um concerto onde tudo aquilo que amamos na música dos National se estraçalhou por completo, talvez porque Matt Berninger sinta que os fãs nacionais comerão da sua mão faça ele o que fizer, talvez porque as canções escolhidas pela banda não tenham sido as melhores, talvez porque os norte-americanos estavam apenas num dia mau.
Se o início de noite, período no qual subiram ao Palco NOS, ainda revelou ser o ambiente perfeito para se escutar um tema como 'Nobody Else Will be There', o que seguiu foi de uma sonolência desmesurada. Nem a própria banda pareceu querer combatê-la, ou ter sequer capacidade para o fazer. A mecânica pachorrenta dos National doeu, sendo apenas combatida pela maravilhosa canção que é 'I Need My Girl' e pelo ruído com o qual polvilharam o final de 'Fake Empire'. Nenhuma dor tão forte, no entanto, como aquela provocada por 'Mr. November' – talvez uma das piores interpretações dos National daquele que é o seu clássico por excelência. Nem um Berninger no meio do público, como é seu apanágio, conseguiu animar tudo isto. Está tudo bem, National? Ainda somos amigos, certo?
Era rock que se pedia, e foi rock – com uma colher de surf e duas de blues – aquilo que Mark Oliver Everett, vulgo Mr. E, ofereceu ao muito público que encheu a tenda do Palco Sagres apenas e só pra o vislumbrar uma vez mais, já que as oportunidades para o fazer não têm sido muitas. Foi dos norte-americanos a grande exibição do dia, intercalando as suas canções com momentos de bom humor; devíamos ter percebido logo ao que íamos quando o tema que os recebe em palco é o de “Rocky”...
Com disco novo na bagagem, o ótimo “The Deconstruction”, os Eels cantaram e encantaram e, o que é melhor, não disseram que não à distorção. O seu blues é sujo, mas diverte. A palavra “diversão” foi, aliás, bastante repetida por Everett, que neste palco pareceu ter já afastado todos os seus antigos demónios. Só não afastou o espírito do rock n' roll, aquela ginga malandra, aquela faísca que sem cuidado se transforma num poderoso incêndio. Durante cerca de uma hora, o mais famoso dos homens-lobo foi rei e as suas maiores coroas foram 'Bone Dry' e 'You Are The Shining Light', ambas do novo álbum, e 'Novocaine For The Soul', uma antiga para os fãs mais antigos. Pelo meio, uma série de tiradas hilariantes, como esta que aqui se transcreve: “eis um facto pouco conhecido sobre o nosso guitarrista... ele perdeu a virgindade. É só isso!”.
Nome de culto para todos aqueles que encontram no rock de cariz independente a sua própria faísca, os Yo La Tengo apresentaram-se no Palco Sagres em modo pôr-do-sol, fazendo uma espécie de apanhado da sua carreira e levando muitos a ansiar rapidamente por outubro, para que 'Autumn Sweater' soe ainda melhor. Existe algo de muito maravilhoso no seu ruído, e continuará a existir, desde que eles não o coloquem de lado. Tal como acontece com os Japandroids, que em nova demanda por um país que bem conhecem – três concertos, no espaço de um ano – trouxeram de volta o espírito do punk misturado com a perícia de um Springsteen. 'North East South West', tema cujo vídeo foi parcialmente gravado em Portugal, em 2017, não faltou. E, do outro lado, os Black Rebel Motorcycle Club, uma banda que ainda encara o rock como ele deve ser: algo perigoso, vertiginoso, onde cada riff é cortante e uma horda de sujeitos mal-encarados, de cabedal preto e correntes em torno dos pulsos, nos aguarda na esquina para nos encher de porrada. Cumpriram. Mais não se esperaria.
O NOS Alive termina este sábado, com aquele que é o concerto mais aguardado do festival: Pearl Jam. Jack White, Alice In Chains e Franz Ferdinand também por lá passarão.
Texto de Paulo André Cecílio com fotografias de Rita Sousa Vieira
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