A 17 de setembro de 2019, Taylor Swift foi anunciada como cabeça de cartaz do NOS Alive, deixando em polvorosa os fãs portugueses (que há muito sonhavam com a presença da cantautora norte-americana em Portugal) e irritando outros tantos (que não concebem o conceito de diversão e que se enquadram perfeitamente no verso que Swift cantou em 'Shake It Off': odiadores vão odiar). Porém, a pandemia da Covid-19 acabou por estragar os planos, tanto aos fãs, como ao NOS Alive, como à própria Taylor Swift. Quase quatro anos volvidos desde esse anúncio, podem finalmente soltar-se os fogos: Swift estará em Portugal, não num contexto festivaleiro, mas em nome próprio. O palco será o do Estádio da Luz, a promotora não será a do NOS Alive, e o espetáculo, estima-se, será muito diferente daquele que iria ser apresentado caso o vírus não tivesse parado o planeta.
Isto porque Taylor Swift não andou propriamente parada durante a pandemia. Depois de lançar “Lover”, em 2019, aproveitou o confinamento para trabalhar em dois álbuns, posteriormente editados de surpresa: “Folklore” e “Evermore”, ambos de 2020. Com um pequeno twist: a pop eletrónica de “Lover” ficou para trás, restou o conforto da guitarra e da solidão e uma catrefada de canções produzidas com a ajuda de um colaborador habitual, Jack Antonoff, e de uma pequena surpresa, Aaron Dessner, dos National (é sempre uma surpresa quando um artista conotado com o indie colabora com uma grande estrela pop).
O sol nunca se põe no império Taylor Swift
Num período em que ou ouvíamos música ou líamos livros ou andávamos a comunicar com amigos via internet, “Folklore” bateu recordes. Foi o álbum de uma artista feminina mais ouvido no Spotify, num só dia, um recorde entretanto batido pela própria Swift; foi número um na Nova Zelândia, no Reino Unido e no Canadá (o que prova que o sol nunca se põe no império Taylor Swift); foi galardoado com o Grammy para Álbum do Ano, o que fez da sua autora a única mulher da história a receber esse prémio por três ocasiões.
É como se, mesmo nos piores momentos da sua história, o mundo encontrasse uma réstia de esperança em Taylor Swift, independentemente do quão introspetivos e sombrios possam ser os seus discos. Mas isso é natural – pouca gente, no século XXI, conseguiu alcançar o mesmo impacto cultural que ela. No embate pelo trono da figura maior da música pop deste século, só Beyoncé é adversária à altura. Nada mau para uma artista que, ao contrário da voz de 'Crazy In Love' (que já tinha criado nome através das Destiny's Child, antes de se lançar a solo), começou a sua carreira numa editora independente. Mesmo com a ajuda preciosa do dinheiro dos pais.
Nascida Taylor Alison Swift a 13 de dezembro de 1989, a cantautora cedo descobriu um gosto pela música, sobretudo por musicais, pelos quais se interessou aos nove anos. Antes de entrar na adolescência, seria a música country – sobretudo pela mão de Shania Twain – a cair-lhe no goto. “As canções dela davam-me vontade de correr pelas ruas, a sonhar com tudo”, afirmou, ao “The Guardian”, em 2012. Os pais, ele um antigo corretor da Merrill Lynch, ela uma antiga chefe de marketing de um fundo de investimento, nunca lhe negaram as aspirações.
Da Pensilvânia, a família Swift mudou-se para o Tennessee, mais especificamente para Nashville, berço da country e cidade obrigatória para todos os que almejam ter uma carreira na música. Aprendeu a tocar guitarra, gravou algumas maquetas, passou horas em viagens com a mãe em busca do sentido para a sua vida. E rapidamente o encontrou quando, aos 14 anos, se tornou na mais jovem artista (à altura) a assinar com a Sony/ATV, onde não permaneceu por muito tempo.
Em 2005, Taylor Swift chamou a atenção de Scott Borchetta, que nesse mesmo ano fundou uma editora independente, a Big Machine Records. Com o seu próprio pai a pagar 120 mil dólares por uma parcela da empresa, Swift obteve os fundos necessários para gravar o seu primeiro disco, homónimo, que seria lançado no ano seguinte. O impacto foi quase imediato: “Taylor Swift” atingiu o quinto lugar das tabelas de vendas da Billboard, a autora recebeu inúmeros elogios pela sua escrita “honesta”, partiu em digressão com os Rascal Flatts, Brad Paisley ou Tim McGraw (que deu nome ao seu primeiro single). Além de todos os prémios que recebeu, entre eles o de Artista do Ano para a Nashville Songwriters Association, Swift conseguiu ainda gerar uma legião de fãs que fugia ao estereótipo da country, o de raparigas adolescentes que escutam esse tipo de música, o que foi assumido por Borchetta. Era um mercado por explorar, e a cantautora conquistou-o com sucesso.
Aos 16 anos, seria muito fácil descansar sobre os louros colhidos ou aproveitar a recém-conquistada fama para se dedicar aos excessos próprios da juventude. Mas não Swift. “Fearless”, em 2008, foi editado com pompa e circunstância, novamente merecendo elogios pelas suas letras – trechos autobiográficos onde esses dilemas adolescentes eram contados sem vergonha. E é o álbum onde se começa a falar de Taylor Swift, estrela pop, muito pela força de 'Love Story', canção que vendeu mais de 8 milhões de cópias, entre edições físicas e números obtidos com o streaming.
Ela e o músico a quem Obama se referiu como “um idiota”
No ano seguinte, seria uma das partes envolvidas numa das disputas mais estranhas da pop deste século; a outra foi Kanye West, que invadiu o palco durante os MTV Video Music Awards de 2009 para reclamar do facto de ter sido Swift a conquistar o galardão de Melhor Vídeo de uma Artista Feminina, e não Beyoncé. O tempo acabou por dar razão a Taylor Swift e a Barack Obama, à altura Presidente dos Estados Unidos, que se referiu a Kanye, em off, como “um idiota”.
Daí para a frente, Taylor Swift foi uma espécie de Cristiano Ronaldo: tudo o que fazia batia recordes. “Speak Now”, o seu terceiro álbum de estúdio, de 2010, tornou-se à altura no disco de uma artista feminina mais descarregado de sempre, valendo-lhe uma entrada no livro do Guinness. Não só: fez de Swift a primeira mulher a colocar dez canções nas tabelas da Billboard, ao mesmo tempo. O sucesso dos álbuns traduzia-se nos espetáculos ao vivo, ainda sem a pompa de hoje; a digressão em torno de “Speak Now” foi a quarta mais lucrativa de 2011. A pompa veio depois, com “Red”, onde a country começa a abrir-se para a dança, e sobretudo com “1989”, com 'Shake It Off' a ser entoada por pessoas de todo o mundo, dos 8 aos 80.
“Reputation”, de 2017, surgiu numa fase complicada da sua vida. As suas relações amorosas eram espalhadas e dissecadas pelos tablóides. Kanye West, outra vez ele, colocou-a nua no seu videoclip para 'Famous', versando, no braggadocio habitual do hip-hop, que tinha sido ele a “tornar essa [Swift] cabra famosa”. Um processo movido contra o radialista David Mueller, da KYGO-FM, terminou em vitória: Swift acusou-o de assédio sexual durante um meet and greet em 2013, o júri deu-lhe razão, Mueller foi obrigado a pagar uma indemnização no valor de um dólar. Um valor simbólico, que também fez dela um símbolo para as mulheres vítimas de assédio e abuso, pouco antes de o Movimento #MeToo rebentar.
Depois de se tornar num símbolo para as mulheres, tornou-se também num símbolo para os artistas. Em 2019, já tendo assinado pela Republic (editora detida pela Universal), Swift envolveu-se numa disputa com Borchetta e o agente Scooter Braun, que havia adquirido a Big Machine, pelos direitos sobre as suas masters. A cantautora tentou adquiri-las, sem sucesso, revelando que os termos propostos por Braun eram “desfavoráveis” e descrevendo-o como “um bully manipulador”. Sem acesso ao trabalho de uma vida, Swift optou por contornar a situação: regravando todos esses álbuns, o que lhe permite recuperar os direitos sobre as composições, ao mesmo tempo que desvaloriza as masters originais, para que ninguém possa lucrar sobre elas. “Fearless” e “Red” já foram alvo desse processo; “Speak Now” sairá em julho deste ano.
A capacidade lírica de uma Joni Mitchell e de uma entertainer ao nível da Beyoncé
Ao mesmo tempo que trabalhava sobre o passado, Swift trabalhou também o presente. O já supracitado “Folklore” apareceu depois de um confinamento passado a ver filmes e a ler livros (como com muita gente, menos apta à composição de canções). Foi, naturalmente, gravado à distância, um processo que Swift aprendeu nas conversas que teve com Aaron Dessner, que lhe explicou que é assim que os National, cujos membros moram em diferentes partes do mundo, trabalham. O músico acabou a colaborar com Swift em 11 das 16 canções de “Folklore”, e repetiria o processo em “Evermore”, que saiu em dezembro do mesmo ano. “Ela é uma compositora fantástica”, disse, em entrevista ao jornal “The Telegraph”, em abril passado. “Tem a capacidade lírica de uma Joni Mitchell, mas também é uma entertainer ao nível da Beyoncé. Creio que nunca vimos nada assim”.
“Midnights”, o seu último álbum, lançado em 2022, manteve as colaborações com a realeza indie, mas recuperou sonoridades mais eletrónicas – a “Rolling Stone” descreveu-o como “um clássico instantâneo”, os fãs concordaram, levando o disco ao primeiro lugar das tabelas não só dos Estados Unidos como do Reino Unido, da Austrália e, claro, de Portugal. Apresentado de surpresa durante a cerimónia de entrega dos MTV Video Music Awards, em agosto, o disco mereceu também destaque pela forma como foi lançado: em cinco versões diferentes, sendo que houve, claro, quem as comprasse todas.
Ao álbum sucedeu-se o anúncio da “The Eras Tour”, a mesma que trará Taylor Swift ao Estádio da Luz. Ainda não tinha começado e já tinha, também, batido um recorde: o de mais bilhetes vendidos num só dia. Não sem polémica. A Ticketmaster, responsável por essa venda, não conseguiu lidar com tamanha procura, com o website a ir abaixo durante o processo de venda. Não só isso, como ainda teve que lidar com as reclamações de fãs enfurecidos, que criticaram duramente a política de venda da empresa e as taxas por esta impostas. Greg Maffei, diretor executivo da Live Nation, que se fundiu com a Ticketmaster em 2010, justificou essas falhas com os números: houve 14 milhões de registos, quando a plataforma estava preparada para acolher 1,5 milhões.
O fiasco levou a própria Taylor Swift a comentar a situação. Dizendo-se “irritada”, a artista salientou que quer dar aos seus fãs a melhor experiência possível, dizendo que “não iria arranjar desculpas” e revelando ter perguntado à Ticketmaster, “por diversas vezes, se conseguia lidar com tamanha procura”. A empresa acabou a lamentar o sucedido, mas não se conseguirá livrar do caso tão cedo. Os fãs de Swift, vulgo Swifties, deram entrada nos tribunais com vários processos contra a Ticketmaster, acusando-a de “fraude, fixação de preços e violação de leis anticoncorrenciais”.
O impacto resvalou para o campo da política, com senadores e membros do governo a criticar a Ticketmaster – incluindo o próprio Presidente, Joe Biden, que afirmou que “capitalismo sem concorrência é exploração”. Foram, entretanto, aprovadas várias leis com vista a regular o processo de compra de bilhetes, desde a proibição do uso de bots, a uma maior transparência nos preços. E não só nos Estados Unidos: no Brasil, onde Taylor Swift atuará ainda este ano, foi proposta uma lei que criminaliza a venda de bilhetes em segunda mão.
Depois do que aconteceu com os quatro concertos que os Coldplay deram em Coimbra, em maio, que causaram filas e filas nos pontos de venda habituais e horas de seca em frente a ecrãs de computadores, e que levaram a ASAE a investir contra os candongueiros, a venda de bilhetes para a “The Eras Tour” promete gerar o mesmo tipo de loucura – ainda para mais quando foi anunciado um único concerto.
12 de julho, a partir do meio-dia, espera-se a venda total dos bilhetes em poucos minutos
A promotora Last Tour, responsável pelo MEO Kalorama, explicou que os fãs interessados deverão fazer o registo no website da SeeTickets até esta sexta-feira, 23 de junho, tendo depois de aguardar por uma hiperligação e um código de acesso, o que ainda assim não garante a compra; os bilhetes serão adquiridos por ordem de chegada. A venda propriamente dita dar-se-á a 12 de julho, a partir do meio-dia, esperando-se que esgote em pouquíssimos minutos. Uma loucura que, ainda assim, não terá paralelo com a Argentina, onde houve fãs a acampar à porta do Estádio Monumental... cinco meses antes de Swift ali atuar.
Por seu turno, a “The Eras Tour” tem sido vista pelos críticos como a melhor digressão de sempre de Taylor Swift. O espetáculo percorre quase toda a sua carreira, desde “Fearless” a “Midnights”, consistindo em três horas de música, espalhadas por mais de 40 canções. O “Daily Telegraph” descreveu-o como “um dos concertos de estádio mais ambiciosos e espetaculares de sempre”; a “Rolling Stone” salientou o sentimento de “comunhão” vivido por todo o público que a presencia. “Não há outra experiência, na música, como fazer parte do mundo que Taylor Swift cria durante algumas horas”, escreveu Rob Sheffield. Algo que, para a “New Yorker”, é testemunho da qualidade artística de Swift. “Mesmo falando para um estádio com 70 mil pessoas, ela parece falar diretamente connosco, parece confessar algo urgente”.
“Um génio da economia”
Em 2019, o economista Alan Krueger criou o conceito de “Rockonomics”, onde procurou explicar a economia através da indústria musical (o seu livro sobre este assunto acabou por ser editado de forma póstuma, já que Krueger se suicidou em março desse ano). Um dos exemplos que deu foi precisamente o de Taylor Swift, que classificou como “um génio da economia”. Porquê? Porque, independentemente de recessões, independentemente das dificuldades, os fãs continuam a gastar as suas poupanças em bilhetes para os seus concertos, sabendo que não terão muitas oportunidades na vida para ver aquela que é a sua artista favorita ao vivo.
E porque um concerto de Swift nunca é “apenas” um concerto de Swift; em Lisboa, não será apenas ela a lucrar, mas sim os restaurantes, os hotéis, o comércio local, os taxistas e motoristas de Uber.
Uma sondagem realizada pela QuestionPro determinou que, em média, um fã de Taylor Swift que vá a um concerto da artista nos Estados Unidos gasta 1327,74 dólares. Números que, para o presidente da empresa, "são incríveis". "Se ela fosse uma economia, seria maior que a de 50 países. Se fosse uma empresa, seria a quarta marca mais admirada entre os consumidores. E os números relativos à lealdade dos fãs são semelhantes aos dos súbditos de um monarca", disse.
Se calhar, em vez de estrela pop, podemos começar a chamar-lhe outra coisa: chefe de Estado. E o seu povo acorrerá em massa para a aclamar.
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