É preciso recuar quase 10 anos para recordar que as menções quanto a Portugal ser um “bom aluno” provocavam mais urticária do que orgulho. Foi nos tempos da crise quando, às imposições económicas trazidas pelo Memorando de Entendimento assinado com a Troika, o Governo de Pedro Passos Coelho respondeu com um plano orçamental ainda mais rigoroso — o resultado é que o seu executivo ficou conotado com um excesso de zelo que lhe custou a reeleição.

Desde então, a ideia do “bom aluno” português tem vindo a ser reabilitada junto à opinião pública — basta recordar a imagem de um Mário Centeno sorridente a ser equiparado ao “Cristiano Ronaldo do Ecofin” —, mas se há exemplo cristalino de um trabalho de casa bem feito, podemos apontar ao esforço de vacinação desde o início do ano.

Às dúvidas quanto à forma como as autoridades de saúde iam conseguir coordenar a vacinação da população portuguesa contra a Covid-19, a task-force da vacinação respondeu com ações. Sim, é preciso recordar que o processo começou aos tropeções — lembremo-nos das vacinas indevidas a quem “passou à frente” na fila — e que o primeiro coordenador, Francisco Ramos, saiu sem glória.

Mas isso foi aí, e agora é agora. Neste momento, Portugal apresenta-se como um dos países com os níveis de vacinação mais elevados a nível mundial, segundo o Our World in Data. O Governo esperava atingir 70% da população vacinada em inícios de setembro, mas hoje a ministra da Saúde teve razões para sorrir ao anunciar que essa meta já foi atingida.

Como tal, foi adiantado esta tarde que o executivo reunirá amanhã em Conselho de Ministros extraordinário para discutir se avança para a segunda fase do desconfinamento — a qual estava planeada apenas para setembro, quando o limiar dos 70% fosse atingido.

Em cima da mesa estarão várias alterações, desde o aumento da lotação em espetáculos ao alargamento do número de pessoas à mesa num restaurante — já o fim da utilização das máscaras ao ar livre, apesar de planeada pelo Governo, é uma prerrogativa da Assembleia da República, pelo que só poderá ser decidida no próximo mês.

É um feito a assinalar, mas é cedo para lançar os foguetes. Se nos recordarmos há uns meses, o objetivo da Comissão Europeia era ter todos os estados-membros a atingir esses 70% de vacinação completa, o limiar a partir do qual se assumia que tinha sido conseguida a imunidade de grupo.

A variante Delta, todavia, veio baralhar as coisas. Pela virulência com que ataca e se espalha, foi necessário reavaliar todo o processo — assume-se agora que é aos 85% que a tal imunidade de grupo possa ser atingida, tanto que Marta Temido afirmou hoje que será importante o país não desfocar-se dessa meta.

Mas será que essa imunidade é sequer atingível dadas as novas circunstâncias? Se o processo de vacinação em Portugal tem sido animador, as novas que chegam de além-fronteiras não. Na Universidade de Oxford apurou-se que pessoas vacinadas conseguem atingir níveis de infeção tão elevados como as não vacinadas à conta da Delta, apesar de terem sintomas bastante mais moderados. Estes dados, ainda que preliminares, podem significar que o vírus pode, em última análise, não desaparecer, ao contrário dos anticorpos, que, em alguns casos, decrescem ao longo do tempo.

É por isso que o tema de uma eventual terceira dose para manter a imunização tem ganho força. Da parte de Portugal, Marta Temido anunciou que Portugal apenas vai considerar administrar mais reforços consoante a orientação da Agência Europeia do Medicamento (EMA), estando a aguardar-se os resultados de alguns estudos a serem publicados no final deste mês.

A questão é espinhosa porque enquanto nos países desenvolvidos se discutem terceiras doses, no dito “Sul global” há países muito atrasados na vacinação — o continente africano, por exemplo, só vacinou cerca de 2% de pessoas. É por isso a Organização Mundial de Saúde (OMS) para África considerou hoje que a decisão dos países ricos de avançarem para a terceira dose da vacina, comprando novos lotes, "é ridicularizar o conceito de equidade das vacinas".

Desde o início da pandemia que tem sido claro que não há imunidade local enquanto não houver global — o vice-almirante Gouveia e Melo relembrou-o no fim de semana, de que a solidariedade deve imperar, não só como princípio, mas como fim para combater a pandemia.

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