Ao fim de uma espera de 19 anos, o Sporting Clube de Portugal sagrou-se ontem campeão nacional da I Liga de Futebol. E como não há fome que não dê em fartura, a festa que ontem tomou conta do país — mas em particular no eixo entre o Estado de Alvalade e a praça do Marquês de Pombal, em Lisboa — foi acorrida por muitos, apesar de ainda estarmos em situação pandémica.

Ainda decorria o jogo em Alvalade, já os confrontos entre a polícia e alguns adeptos deflagravam em frente ao estádio. Essa animosidade foi mais transportada para o Marquês, onde o autocarro do clube leonino tinha uma passagem estipulada no seu cortejo de campeão.

Com a zona delimitada com grades para impedir os celebrantes de se deslocarem para a estrada, a praça foi palco de tentativas de destruição das baias e arremesso de garrafas e very-lights às forças policiais destacadas, que reagiram com bastonadas e tiros de balas de borracha. Ao todo, três pessoas foram detidas e 30 identificadas durante os festejos.

A cena representou o pico da tensão de uma festa que se queria pacífica, mas mesmo longe dos confrontos, foi visível a concentração de muitas pessoas em vários locais — principalmente junto ao estádio, antes e depois do jogo —, contrariando os pedidos da PSP horas antes para evitar aglomerações dada a continuidade da pandemia em Portugal.

Dir-se-á que alguns excessos eram inevitáveis: se já é bem conhecida a sensação de euforia desregrada que as conquistas futebolísticas muitas vezes proporcionam, mais ainda quando se tratava de um título há tanto desejado. 

No entanto, depois das festas, há sempre quem tenha de pagar a fatura. A quem vão ser cobradas as celebrações?

Aos adeptos e ao país

Todos aqueles que participaram nos festejos devem evitar o contacto social nos próximos 14 dias e devem estar atentos a sintomas de covid-19. O aviso é dado tanto pela Direção-Geral da Saúde como por vários epidemiologistas, que alertam para o facto de que a concentração de pessoas propiciou a propagação do vírus — ainda que dada a atual diminuta prevalência da doença na zona de Lisboa e Vale do Tejo, seja pouco provável que tenham  estado pessoas infetadas nos festejos.

À PSP e à Câmara Municipal de Lisboa

Os mesmos epidemiologistas lamentaram nas comunicações que fizeram hoje ao país a falta de fiscalização para evitar os ajuntamentos, assim como problemas de organização, a começar por se ter permitido a colocação de ecrãs junto ao estádio de Alvalade.

De quem será a culpa? Apesar de recusar “atirar pedras” à PSP, o Governo pediu hoje à Inspeção-geral da Administração Interna a abertura de um inquérito à atuação desta força de segurança durante os festejos. Já a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia devolveu que parte do problema esteve nos “comportamentos sociais” que “transformam a euforia e as festas em confronto com a polícia”.

A Câmara Municipal de Lisboa, por seu lado, também foi alvo de duras críticas, principalmente de Carlos Moedas, o candidato do PSD às eleições autárquicas na cidade. Com a mira no seu concorrente, Fernando Medina, Moedas acusou o autarca socialista de falhar na preparação.

“Ao contrário do compromisso e das afirmações de Fernando Medina, o que se verificou foi uma total falha de segurança e de organização. Fernando Medina não soube dividir atempadamente e com variedade os espaços de festejo do Sporting. Fernando Medina revelou uma vez mais a sua incapacidade e incompetência. Fernando Medina é responsável. Fernando Medina deve muitas explicações aos lisboetas”, acusou Carlos Moedas.

A Eduardo Cabrita

Estando as estruturas de polícia e a superintendência de eventos ao encargo do ministério da Administração Interna, houve quem tenha optado por responsabilizar o ministro Eduardo Cabrita pelos eventos da madrugada.

Durante o debate parlamentar bimestral com o primeiro-ministro, tanto Rui Rio, do PSD, e Telmo Correia, do CDS-PP, como André Ventura, do Chega, e João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal criticaram a atuação do ministro, tendo os últimos dois pedido mesmo a sua demissão.

“Ontem houve a festa do título do Sporting, não havia plano absolutamente nenhum e continua aqui o ministro, que é incompetente, mau nas decisões e pior nas justificações. Fica, dizem, por que andou consigo (António Costa) na escola. É altura de saber quem andou consigo na escola para este parlamento saber quem é inimputável neste país”, afirmou Cotrim de Figueiredo.

António Costa, porém, defendeu o seu ministro. “Quem me dera que o meu problema fosse o MAI. Significa que não tenho um problema porque tenho um excelente MAI”, declarou o primeiro-ministro.

Já Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de se recusar a visar diretamente Cabrita, deixou uma indireta ao seu jeito, dizendo que "quem deve prevenir" aglomerados de pessoas como os dos festejos do Sporting, em Lisboa, "não conseguiu prevenir".

Ao Sporting

Depois dos festejos do título, o Sporting não vai poder fazê-lo como gostaria nos Paços do Concelho, já que a autarquia não vai permitir a presença de adeptos nas celebrações.

"Tendo em conta os acontecimentos da noite passada, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu alterar os moldes em que se vai processar a receção e homenagem nos Paços do Concelho ao campeão nacional de futebol", informa a autarquia em comunicado enviado às redações.

Desta forma, "não será permitida a presença de adeptos na Praça do Município, bem como nas Praças e Ruas adjacentes, estando a cerimónia reservada a convidados e atletas do Sporting Clube de Portugal (em especial das escolas do Sporting), bem como aos órgãos de comunicação social".

"Os adeptos poderão assim acompanhar a cerimónia pela televisão", disse ainda a autarquia.