Episódio 4: “Um gajo sempre andou aqui. Tem saudades disto”. A história de Ivo e dos outros que ficaram longe do mar

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Homens debaixo de sombrinhas cosem as redes, um trator leva os barcos para o mar e turistas curiosos fazem perguntas e tiram fotografias. É assim a zona dos pescadores na praia de Monte Gordo. Mas durante o confinamento houve momentos em que a praia ficou deserta. Pouco mais se ouvia do que as gaivotas e o mar. O verão trouxe de volta algum movimento, mas nem tudo voltou ao que era. Agora os pescadores pedem aos visitantes que mantenham alguma distância. E, se o medo aperta, às vezes sai um “raspe-se daqui para fora”.
Episódio 4: “Um gajo sempre andou aqui. Tem saudades disto”. A história de Ivo e dos outros que ficaram longe do mar
Fotografia: Margarida Alpuim | Ilustração: Rodrigo Mendes

Ouça aqui o quarto episódio da série "O que se ouve quando o país pára":

Durante uns tempos, a covid-19 deu muitas voltas à vida dos pescadores de Monte Gordo: menos tempo de trabalho, mais isolamento e cada vez menos dinheiro. Mas um dos momentos que mais marcou o confinamento de alguns deles nada teve que ver com a pandemia.

"O que se ouve quando o país pára"

Episódio 1: O silêncio das pedras mortas

Episódio 2: Como assim uma largada de touros se as festas estão proibidas? Assim, de bicicleta

Episódio 3: E tudo correu bem, para eles e para os morangos

Episódio 4: “Um gajo sempre andou aqui. Tem saudades disto”. A história de Ivo e dos outros que ficaram longe do mar

Episódio 5: Eles já lá estavam, mas quando nos fechámos em casa é que os vimos melhor

Episódio 6: “A gente sentir-se só é muito triste”. Quando as portas se fecharam, só sobrou silêncio na vida de Alzira e Maria das Dores

Episódio 7: “Estamos aqui no paraíso, o vírus não tem cá que fazer”

Quando Armando Silva, o pescador mais novo da comunidade, recorda a situação, a voz fica-lhe trémula e os olhos brilhantes. Mas quem conta a história é o Ivo, a quem tudo aconteceu.

Ivo tem 71 anos. É um dos pescadores mais velhos daquela praia e muito acarinhado pelos outros. No início de agosto, encontrámo-lo no areal a remendar "as artes” — nome que os pescadores dão às redes de pesca. 

Não foi preciso muito para que contasse o que se passou quando, em junho, teve um enfarte em pleno mar.

“Eu fui de manhã [para o barco]. Navegámos, tínhamos lá a bóia a sinalizar as redes”.

“Daí a cinco minutos comecei-me a sentir mal disposto. Comecei a deitar aquela coisa pela boca e cada vez a agravar-se mais. O meu filho largou tudo da mão, deu a força toda ao barco e viemos para terra. Quando cheguei, o INEM veio logo em seguida. Meteram-me oxigénio e levaram-me para Faro. Dei entrada no hospital e lá trataram de mim”. Acabou por ser operado e ficar internado seis dias, mas Ivo descomplica a situação.

“Agora disseram para não apanhar irritações, que levasse a vida com calma”.

Poucas semanas depois de ter saído do hospital, Ivo já tinha voltado à praia.

Ivo (ou Ivon, para alguns) tem 71 anos e é um dos pescadores mais velhos na praia de Monte Gordo. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Acorda às seis da manhã - antes era às cinco - e fica na areia, junto aos barcos, “a trabalhar nas redes até às 10h30”. Depois vai para casa e já não volta. “Não posso apanhar o soalheiro”, explica, bem disposto, sentado numa cadeira de plástico debaixo de uma sombrinha.

Agora já não vai no barco. “Eu queria ir, mas o meu filho não me quer levar”, diz quase a fazer beicinho.

“Um gajo sempre andou aqui. Tem saudades disto”, termina, sorrindo.

Já bem de saúde, o Ivo é um dos pescadores que no episódio de hoje conta como têm sido os tempos de pandemia na praia de Monte Gordo. Clique no player no início do artigo para ouvir. Para a semana o som das gaivotas vai continuar a acompanhar-nos, mas num espaço muito diferente. No próximo destino, vamos encontrar também corujas, mochos, cegonhas, ouriços e outros animais.


“O que se ouve quando o país pára” é uma coleção de histórias e de sons que nos mostram como a vida das pessoas e dos lugares foi afetada quando Portugal parou por causa da covid-19.

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Os banhistas passam em frente à zona dos pescadores. Do lado de cá do passadiço, as barracas dos pescadores (à direita) e os covos para apanhar o choco. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Beto (Carlos Alberto Ruivinho Pires), depois de regressar do mar, tira "o lixo" das redes - algas, estrelas do mar e peixes que não são para consumo. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Armando Silva, à porta da sua barraca na praia, tem 36 anos e é um dos elementos mais novos na comunidade piscatória de Monte Gordo. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

João Guerreiro, 69 anos, é pescador em Monte Gordo e desde os 13 anos que se dedica à pesca. Diz, a rir-se, que é mais "peixeiro do que carneiro", para explicar que prefere comer peixe "seja de que maneira for". créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Manuel Araújo de Santos tem 72 anos e é pescador em Monte Gordo desde os 11. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

A zona dos pescadores e a zona de sombrinhas ficam lado a lado no areal. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Detalhe da embarcação "Bem vindo". Na praia de Monte Gordo, os pescadores estão habituados a que os visitantes tirem fotografias e se aproximem com curiosidade de conhecer mais sobre a vida na pesca. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

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