Para lá das teorias que davam o Norte como foco de infeções por causa das estatísticas médias de educação, ensino — e mesmo a abertura dos seus habitantes —, Graça Freitas traçou esta tarde em Lisboa o percurso da covid-19 no Norte.

A pandemia chegou pelas fábricas após as feiras de calçado em Itália e infiltrou-se nos lares de idosos antes de as autoridades de saúde terem tomado medidas para os proteger.

Na região de Lisboa, porém, o cenário é outro: estão a ser afetados os mais jovens e os mais desfavorecidos.

"São padrões epidemiológicos diferentes, que refletem momentos diferentes da epidemia e que refletem também realidades diferentes — e isso tem de ser muito bem medido", disse hoje Graça Freitas.

Em resposta ao SAPO24, na conferência de imprensa para atualizar os números da pandemia, a diretora-geral da Saúde explicou que "o surto teve sobretudo origem no Norte — e teve origem numa situação de importação de casos, sobretudo da região de Itália, que coincidiu com uma altura de grandes feiras do calçado, de grandes eventos em Itália".

Os primeiros casos foram detetados em fábricas de calçado nos concelhos de Felgueiras e Lousada, no distrito do Porto.

"A zona Norte foi atingida mais precocemente e alguns desses casos importados deram origem a grandes cadeias de transmissão. Portanto, a zona Norte no auge, no pico da nossa epidemia, tinha entre 500 e 600 casos por dia, o que agora não se passa", afirmou Graça Freitas.

"Também o padrão inicial na zona Norte foi distinto do que agora existe [na região de Lisboa e Vale do Tejo], no que respeita aos grupos etários", explicou a diretora-geral da Saúde.

"Se bem se lembram, a partir destes casos importados, a população mais vulnerável, nomeadamente aquela que estava em lares e os mais idosos — ainda não tínhamos tomado todas as medidas para proteção destas situações —, foi a mais atingida".

"O padrão do Norte era de facto de mais casos e mais casos em pessoas idosas, obviamente acarretando consequências — em termos de internamentos, de unidades de cuidados intensivos, de taxas de mortalidade", reconheceu.

"Agora, o padrão em Lisboa é distinto", afirmou Graça Freitas: "atinge, sobretudo, pessoas adultas jovens, habitualmente saudáveis e em ambiente laboral".

Este cenário reflete-se em menos internamentos "e, obviamente, se as pessoas não são internadas, também não vão para cuidados intensivos e têm melhor prognóstico".

Isto traduz-se numa taxa de mortalidade que "não é tão elevada", explicou.

"Depois — e hoje foi muito abordado no Infarmed —, em Lisboa e Vale do Tejo, tal como no Norte, há sempre os determinantes, ou as circunstâncias que estão a montante", acrescentou ainda a diretora-geral da Saúde.

"No Norte, a montante tínhamos estes casos importados de Itália, que tinham determinadas características socioculturais; e agora, na região de Lisboa e Vale do Tejo temos um outro padrão."

Aqui, "a montante temos pessoas de condição socioeconómica às vezes mais desfavorecida, temos trabalhadores precários e temos populações migrantes", referiu Graça Freitas, sublinhando que "nem todos os casos de Lisboa estão dentro desta tipologia".

"Qualquer grupo que esteja exposto ao vírus, independentemente da sua condição social, pode ser atingido", recordou.

"Mas este padrão reflete uma população com estas características — e tal como para os lares e os mais idosos a estratégia foi uma, o senhor secretário de Estado já anunciou aqui as estratégias possíveis para conter esta situação em Lisboa e Vale do Tejo."

O que se passa em Lisboa e Vale do Tejo?

A região de Lisboa e Vale do Tejo regista vários surtos de covid-19 que “estão estáveis” e 200 a 300 novos casos diários, o previsto pelas autoridades para esta fase da pandemia, disse hoje a diretora-geral da Saúde.

“Genericamente a situação de Lisboa e Vale do Tejo mantém-se estável. Tínhamos dito que se esperava entre 200 a 300 casos [diários] e é isso que se está a verificar”, afirmou Graça Freitas na conferência de imprensa diária sobre a covid-19.

O maior foco é na Azambuja, onde no entreposto da Sonae, estão 175 trabalhadores infetados, entre os 833 que foram testados e outros sete casos positivos espalhados por cinco empresas diferentes.

No Seixal, destacou Graça Freitas, registam-se surtos em dois bairros diferentes, um dos quais no Bairro da Jamaica, com 16 cidadãos infetados, mas que “está neste momento estável e já começa a ter até doentes recuperados”.

No Bairro da Jamaica, o encerramento de cafés legais e ilegais é uma das “medidas preventivas que “estão a ser tomadas, porque se juntavam muitas pessoas nesses cafés”, explicou.

Em Sintra, um lar em Queluz registou duas mortes por covid-19 e tem infetados seis trabalhadores e 32 dos 62 utentes. De todos os testados, 30 estão negativos.

Os utentes foram separados por pisos em função de estarem ou não infetados e, no âmbito de continência, “foi conseguido o reforço de 13 auxiliares”, a partir de sexta-feira, para “substituir os trabalhadores doentes e dar apoio aos utentes, sem que as equipas se cruzem entre pisos”

Os casos de infeção nos concelhos de Loures (934), Odivelas (506) e Amadora (753) preocupam também as autoridades de saúde.

Situação em Lisboa vai ser ponderada nas decisões do Governo

Momentos antes, após a reunião com as autoridades de Saúde, o presidente da República afirmava que o surgimento de casos de covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo deve e vai ser ponderado nas decisões a adotar pelo Governo nos próximos dias e semanas.

"O que se passa hoje na Lisboa e Vale do Tejo deve ser ponderado e vai ser ponderado nas decisões do Governo nos próximos dias e próximas semanas, nomeadamente as que têm a ver com 01 de junho e depois, certamente", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, em resposta a questões dos jornalistas, no Infarmed, em Lisboa.

Segundo o chefe de Estado, que falava no final de mais uma reunião técnica alargada sobre a evolução da covid-19 em Portugal, essa ponderação será feita "não com a ideia de haver aqui um sinal que conduza a uma inflexão de linha definida, mas naturalmente um ajustamento permanente, um ajustamento que é a razão de ser também destas sessões".

Antes, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que na região de Lisboa e Vale do Tejo o R, o indicador de transmissão da doença, "está ligeiramente acima de 1, é 1,01, sendo a média nacional inferior a 1" e que se considerou que esta situação merece "atenção e preocupação".

O presidente da República adiantou que este surgimento de novos casos de covid-19 "parece, segundo os especialistas, estar ligado a condições socioeconómicas, de vida, em certas áreas da região de Lisboa e Vale do Tejo".

Tendo perto de si o primeiro-ministro, António Costa, e o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, o chefe de Estado defendeu que "não se pode falar em descontrolo na região de Lisboa e Vale do Tejo" e salientou que em termos gerais "a fotografia é favorável" quanto à evolução da covid-19 em Portugal.

"Pergunta: mas não há o risco de descontrolo na região de Lisboa e Vale do Tejo? Essa questão não foi posta em tais termos pelos especialistas. Há uma preocupação permanente de acompanhamento, de vigilância. Não se pode falar em descontrolo na região de Lisboa e Vale do Tejo", disse Marcelo Rebelo de Sousa.

"Fala-se, sim, em surtos localizados, conhecidos, com cadeias de transmissão que estão a ser acompanhadas e a preocupação de prevenir", contrapôs o Presidente da República, reiterando que é "uma situação de atenção e preocupação".

Escusando-se a antecipar soluções concretas para a região de Lisboa e Vale do Tejo que estejam a ser equacionadas pelas autoridades sanitárias, Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que, além das "condições socioeconómicas", há "realidades muito diversas entre si que podem explicar um ou outros desses surtos".

"E depois outras realidades que têm de ser conhecidas: pontos de encontro, forma de transporte, realidades prévias ou o próprio local de trabalho. Tudo isso está a ser acompanhado e vai ser acompanhado pelas autoridades sanitárias, quando for necessário intervindo caso a caso", completou.

Portugal regista hoje 1.369 mortes relacionadas com a covid-19, mais 13 do que na quarta-feira, e 31.596 infetados, mais 304, segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Direção-Geral da Saúde.

Em comparação com os dados de quarta-feira, em que se registavam 1.356 mortos, hoje constatou-se um aumento de óbitos de 1%.

Relativamente ao número de casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus (31.596), os dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) revelam que há mais 304 casos do que na quarta-feira (31.292), representando uma subida de 1%.

A região Norte é a que regista o maior número de mortos (761), seguida da região de Lisboa e Vale do Tejo (340), do Centro (237), do Algarve (15), dos Açores (15) e do Alentejo, que regista um óbito, adianta o relatório da situação epidemiológica, com dados atualizados até às 24:00 de quarta-feira, mantendo-se a Região Autónoma da Madeira sem registo de óbitos.

*Com Lusa

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