Não é preciso sequer acompanhar a atualidade noticiosa de perto para ter consciência de que os últimos meses têm sido muito difíceis para o Governo.

Se, por um lado, os “casos e casinhos” (entre eles, a TAP e as suas revelações) têm queimado o executivo em lume brando, por outro, pacotes de medidas pensadas para reverter a impopularidade do Governo têm sido recebidos com tepidez (os apoios económicos) ou descrédito (o “Mais Habitação”).

O resultado tem-se saldado numa queda nas sondagens que já seria incomum em condições normais, mas que num contexto de maioria absoluta torna a situação ainda mais grave para António Costa.

Hoje, todavia, foi um dia em que o Governo, à semelhança dos exemplos acima descritos, voltou a apresentar uma série de novidades e propostas para inverter a situação de derrocada que atravessa.

O que aconteceu?

De manhã, o ministro das Finanças, Fernando Medina, apresentou o Programa de Estabilidade, com uma série de previsões económicas mais otimistas e mais medidas para desagravar a crise do custo de vida que se tem abatido sobre a população.

À tarde, o primeiro-ministro, António Costa, e a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, anunciaram um aumento intercalar de 3,57% a partir de julho nas pensões.

O que é que Medina disse?

Pode consultar o texto completo no link acima partilhado, mas fique aqui com o resumo:

  • De acordo com Medina, a taxa de inflação vai cair para 5,1% este ano, acima dos 4% estimados em outubro, antes de se reduzir para 2,9% em 2024;
  • Por outro lado, o Governo reviu em alta a previsão de crescimento da economia portuguesa deste ano para 1,8%, ligeiramente acima dos 1,3% previstos em outubro;
  • O ministro prevê ainda que o défice orçamental se situe em 0,4% este ano, abaixo dos 0,9% inscritos no Orçamento do Estado;
  • Já a dívida pública prevista dever-se-á situar em 107,5% do PIB em 2023, abaixo do que estava no OE, caindo assim de 113,9% em 2022. Segundo os cálculos do Governo, deverá baixar para 103% em 2024 e para 99,2% em 2025. Para 2026 prevê-se um rácio de 95,6% e para 2027 de 92%, o que significa uma redução de 22 pontos percentuais entre 2022 e 2027.

Estes dados dizem pouco ao cidadão comum, já que são previsões macroeconómicas que não se refletem necessariamente na sua carteira. Medina sabe-o e é por isso que à explicação técnica adicionou duas novidades.

Quais?

  • Comprometeu-se com um desagravamento do IRS acumulado superior a 2.000 milhões de euros até 2027. Além disso, quer rever o IRS Jovem para perceber qual o seu impacto. “Queremos avaliar as alterações que introduzimos de redução da tributação já para 2023, o automatismo relativamente a essa tributação mais reduzida", disse;
  • Medina anunciou também que o Conselho de Ministros reunir-se-ia hoje para rever o elenco de medidas de apoio às famílias na sequência da melhoria dos indicadores da economia portuguesa em 2023, sugerindo haver margem para a atualização das pensões em 2024, com a correção integral da base do cumprimento da fórmula de cálculo prevista na lei.

Ok, e foi isso que António Costa e Ana Mendes Godinho apresentaram à tarde?

Sim. Ao início da tarde, os dois deram um briefing pós-Conselho de Ministros para fazer saber que os pensionistas vão ter, a partir de julho, um aumento de 3,57% nas suas pensões.

Mais especificamente, no conjunto do ano de 2023, as pensões até dois Indexantes de Apoios Sociais (IAS) terão uma atualização total de 8,4%, enquanto nas que estão entre dois e seis IAS esta será de 8,06% e entre seis e 12 IAS será de 7,46%. A esta atualização soma-se o pagamento de valor equivalente a meia pensão que foi feito ainda em outubro do ano passado.

"Estes 3,57% [do aumento intercalar] serão aplicados a todas as pensões em pagamento", afirmou Ana Mendes Godinho, detalhando que a medida abrange, assim, as pensões cujo valor vai até aos 12 Indexantes de Apoios Sociais (IAS) e que "abrangerá também as pessoas que se reformaram no ano passado".

Esta questão das pensões não tinha já sido discutida?

Sim, e com grande controvérsia. Em setembro de 2022, o Governo anunciou o tal pagamento de valor equivalente a meia pensão em outubro, mas, em contrapartida,  apresentou também um corte na atualização regular das prestações a ter início em 2024.

Recordando os cálculos feitos pelo Dinheiro Vivo à época:

  • Em prestações até 886 euros, o aumento que seria de 8% baixaria para 4,43%;
  • Entre 886 e 2659 euros, a subida prevista de 7,64% passaria para 4,07%;
  • Entre 2659 euros e 5318 euros, a atualização que seria de 7,1% desceria para 3,53%.

Por outras palavras, o que deu a mais nessa prestação extra, tiraria indefinidamente a partir de 2024, o que resultou em críticas vindas de todo o espectro político. Entre elas, a acusação de que o Governo estava a operar um “truque”, o que motivou uma resposta de António Costa.

E o que mudou então?

Com as medidas hoje apresentadas, o Governo essencialmente apagou as alterações do ano passado, mas justificou-o dizendo que o fez agora porque as previsões económicas mais positivas assim o permitiram.

De acordo com o primeiro-ministro, as medidas adotadas pelo seu Governo “permitiram que a economia tivesse um desempenho melhor do que se estimava e que a evolução da sustentabilidade da Segurança Social fosse melhor do que se previa”.

“Portanto, hoje estarmos em condições de, com toda a confiança, podermos dizer que pode haver um aumento intercalar das pensões a partir de julho”, acrescentou.

"Isto significa que não só não haverá qualquer perda de poder de compra das pensões, como a partir de julho e até dezembro já será uma pensão correspondente ao que teria resultado da lei de bases", precisou Costa, sublinhando a necessidade de as medidas serem tomadas tendo também em conta as condições necessárias para manter a confiança no contrato intergeracional em que assenta o sistema de Segurança Social.

Qual foi a reação a estas novidades?

À exceção do PS, que valorizou uma vez mais a política de controlo orçamental do Governo, à direita criticou-se o que se considerou serem metas de crescimento insuficientes e à boleia do PRR, assim como fraco desagravamento fiscal.

O PSD, em particular, considerou a decisão de reverter os cortes nas pensões uma manobra de "desonestidade política" do PS, como acusou o presidente dos sociais-democratas, Luís Montenegro.

Para Montenegro, o primeiro-ministro apareceu hoje “a fazer uma festa, na qual está a dar aos pensionistas e reformados aquilo que já é deles”, salientando que o PSD tinha apresentado esta proposta em novembro, então rejeitada pelo PS. De resto, salientou que, “do ponto de vista substantivo, ”o PSD vê com bons olhos que os pensionistas e reformados recuperam aquilo que é deles e a que têm direito pela aplicação da lei”.

“O primeiro-ministro está a ser tão ziguezagueante que chumba em novembro o que aprova em fevereiro e em abril. Ainda assim, mais vale tarde do que nunca. O primeiro-ministro é demorado, é lento, mas acaba por chegar às orientações políticas fundamentais que o PSD tem deixado”, defendeu.

Já à esquerda, criticou-se a manutenção das metas do défice e lamentou-se a insuficiência na devolução de rendimentos. Catarina Martins, pelo BE, considerou que o programa de estabilidade apresentado é “uma verdadeira irresponsabilidade” e aquele que “qualquer partido de direita” apresentaria, acusando o executivo de “viver num país absurdo”. Já o PCP, pela voz de Paula Santos, defendeu que as medidas do Plano de Estabilidade têm como objetivo “satisfazer Bruxelas e os interesses dos grupos económicos” e sublinhou que a valorização das pensões se trata “tão somente do cumprimento da lei”.

E Marcelo, já reagiu?

Sim, às novidades nas pensões. O presidente da República afirmou hoje que já contava que o Governo viesse a atualizar as pensões de acordo com a fórmula de cálculo legal, porque caso contrário haveria problemas jurídicos.

"Ficámos a saber uma coisa que era para mim uma evidência: é que a base de cálculo do aumento de pensões vai ser a base correspondente ao aumento que haveria e que era devido pela aplicação da lei. Eu nunca tive dúvidas que ia acontecer", declarou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, à entrada para a Culturgest, em Lisboa.

Segundo o chefe de Estado, em matéria de pensões o Governo está agora "a fazer aquilo que podia ter feito quando a certa altura decidiu esperar para ver se podia fazer".