Se depois dos traumáticos primeiros dois meses do ano, estávamos convencidos que já tínhamos virado a página quanto ao pior que esta pandemia tem para oferecer, o dia de hoje tratou de nos colocar os pés na terra. Com 2.362 casos registados esta quarta-feira, desde 17 de fevereiro que não se via um valor assim tão elevado: 2.324.

A progressão da Covid-19 que se começou a verificar nos últimos dois meses atingiu assim um novo patamar e há quem já tema uma possível quarta vaga. Para lá do epicentro em Lisboa e Vale do Tejo, há sinais de que a região Norte está a assistir a um aumento também. No Serviço de Urgência do Hospital de São João tem-se sentido um aumento de 40 a 50% de casos suspeitos covid-19, com uma taxa de positividade que aumentou dos 1 a 2% registados nos últimos três meses para 10 a 15% nos últimos cinco dias.

Marcelo Rebelo de Sousa, apesar deste aumento, decidiu meter água na fervura, pedindo para que se evite um "discurso alarmista fundamentalista". O Presidente da República tem razão num aspeto: o esforço de vacinação empreendido desde o início do ano tem dado frutos, pois mesmo que não contendo a infeção comunitária — culpe-se as novas variantes — tem-se saldado em números mortais e de internamentos bem mais baixos que noutras alturas.

Faça-se o exercício: os 2.324 casos de 17 de fevereiro foram acompanhados por 127 óbitos e 4.137 internamentos, dos quais 719 em cuidados intensivos; hoje, foram registados 4 mortos e 504 internamentos com 120 em cuidados intensivos.

[Faça-se, no entanto, as devidas ressalvas, já que em fevereiro estávamos numa rota descendente de casos e essa mortalidade refletiu números muito elevados de infeções das semanas que antecederam esse dia — mas percebe-se que estamos ainda longe desse cenário]

Não obstante, apesar de longe de fases mais negras, o aumento não deixa de provocar preocupação, ainda mais perante as dificuldades que o Governo está a ter em conter o aumento sem recorrer a formas de confinamento mais rígidas. Uma dessas iniciativas em oposição às restrições tem sido a disponibilização da testagem. Hoje foi tornado oficial que os testes rápidos de antigénio vão ser 100% comparticipados a partir desta quinta-feira, sendo que cada pessoa vai ter direito a quatro por mês.

A juntar-se a estes problemas, a principal arma para debelar a pandemia, a vacina, tem sofrido níveis de rejeição alarmantes: apesar de mais de metade da população portuguesa já ter sido vacinada contra a covid-19 com pelo menos uma dose, perto de um milhão de pessoas não respondeu ao SMS da vacinação, seja por não concordar com a data, seja porque não quer ser vacinado. Quanto a este segundo grupo, um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública indica que 6,5% dos inquiridos disse não pretender receber a vacina e outros 6,8% estão indecisos.

Tais resistências podem provocar um atraso no esforço de vacinação, atraso esse que terá forçosamente de ser no caso de quem já foi vacinado com a primeira dose e ficou infetado a seguir (recorde-se, a primeira dose da vacina pode não prevenir a transmissão da Covid-19, contendo sim os seus sintomas): segundo a DGS, o reforço será dado apenas seis meses após infeção.

A questão quanto à segurança que se tem quando já se está vacinado, aliás, foi hoje motivo de notícia também. O tema começou com o gabinete de António Costa a anunciar que o primeiro-ministro entrou em isolamento após um membro do seu gabinete ter resultado positivo num teste à covid-19, isto apesar de Costa ter testado negativo e já ter recebido as duas doses da vacina.

Perante esta situação, o Presidente da República veio perguntar publicamente porque é que esse confinamento foi imposto a alguém aparentemente livre de perigo. “Isto tem de ser explicado, para que não haja a ideia errada de que a vacina não serve para nada”, disse Marcelo.

A resposta veio já ao fim do dia, por parte da DGS: Costa foi isolado pelo "princípio da precaução". “As pessoas vacinadas são abordadas, no que diz respeito ao isolamento e testagem, respetivamente, da mesma forma que as pessoas não vacinadas", disseram as autoridades de saúde.