CSKA de Moscovo, Bayern de Munique e RB Leipzig. O que é que estas três equipas têm em comum? Pouca coisa. As duas primeiras já ganharam títulos europeus. As duas últimas são do mesmo país. Mas a única característica que as une a todas é terem sido as equipas com que o Benfica jogou (e perdeu) em casa na ronda inaugural da fase de grupos da Liga dos Campeões nos últimos três anos.
Talvez pareça estranho estar a começar um texto com uma comparação destas, mas o futebol, como todos os desportos, vive do contexto. O Benfica partiu para esta edição da Liga dos Campeões com o fantasma das más prestações nesta prova nas últimas duas edições, pelo que importava dar um pontapé no historial, de preferência em direção à baliza adversária.
Com a estreia de Bruno Lage — a ver o jogo da bancada — na prova, esperava-se que o Benfica — apesar de não estar a fazer um arranque de campeonato com a mesma potência com que terminou o anterior — entrasse na Champions de peito cheio, fazendo esquecer a mediocridade dos últimos anos de Rui Vitória nesta competição. Só que tal não aconteceu.
Para começar, o Benfica entrou com várias surpresas no onze. Parte do núcleo duro dos encarnados manteve-se, com Odysseas na baliza, Ruben Dias e Ferro no centro da defesa, Pizzi na ala direita e o duo de médios voltando a consistir em Fejsa e Taarabt, este tornando-se cada vez mais preponderante na equipa.
Só que Bruno Lage, que já mostrou uma e outra vez como não tem receio de fazer grandes alterações à equipa em momentos importantes, fez mudanças de deixar qualquer adepto benfiquista sem unhas mal se soube a convocatória do onze titular.
Com André Almeida retirado de novo da convocatória, o técnico promoveu mais uma estreia de uma jovem promessa do Seixal em jogo europeu. No alto dos seus 18 anos, Tomás Tavares foi colocado na ala direita da defesa, mantendo-se Grimaldo dono do outro lado. Outra novidade foi a chamada de Franco Cervi para a esquerda do meio-campo, ele que ainda não tinha somado quaisquer minutos de jogo este ano, com Rafa Silva remetido para o banco. Por fim, já que a dupla Seferovic - Raul de Tomás tardava em produzir resultados concretos (entre os dois há apenas um golo marcado desde o início da temporada), veio Jota para o lugar do espanhol, que avançou para a vaga deixada pelo suíço.
Há que arriscar para petiscar — e diga-se que Bruno Lage tem-se dado bem nas apostas que faz — mas quando a coisa corre mal, fica-se com migalhas em vez de um festim. Pior ainda, a inovação roça a imprudência quando se faz frente a uma equipa como o RB Leipzig. A tarefa de entrar a abrir pela Champions nunca seria fácil, mais ainda não trazendo um onze rotinado frente a um conjunto que neste momento está no topo da tabela classificativa da liga alemã.
Afinal de contas, este trata-se do projeto de estimação da Red Bull, que teve uma ascensão meteórica da quinta divisão alemã para disputar a Bundesliga taco-a-taco com Bayerns e Borussias no espaço de meia década — está neste momento em primeiro lugar na liga alemã, sem derrotas. É a equipa de Werner, Forsberg, Orbán e Sabitzer, tendo já sido a casa de craques como Naby Keita, Joshua Kimmich e, sim, o “nosso” Bruma. É uma equipa jovem — mas nem por isso imberbe —, a começar pelo seu treinador, Julian Nagelsmann, que aos 28 anos se tornou o mais jovem técnico de sempre da Bundesliga, quando se estreou a comandar o Hoffenheim e projetou este emblema para os lugares europeus.
Ainda assim, a primeira parte não faz jus à diatribe dos últimos parágrafos. A verdade é que o Leipzig entrou com respeito contra o Benfica e as equipas a anularam-se ao longo dos primeiros 45 minutos.
Os alemães começaram pressionantes, com muita circulação no centro e a recuperar bolas no meio-campo ofensivo. Contudo, rapidamente perderam esse fulgor, e começaram a lançar a bola mais para as laterais, conseguindo o Benfica anular o perigo das combinações de Forsberg e Sabitzer, com Ruben Dias, Ferro e o miúdo Tomás Tavares a defenderem com segurança.
Do outro lado, os encarnados procuram partir em velocidade, tendo em Taarabt o pêndulo do ataque, lançando para Grimaldo ou Cervi — mas menos Pizzi, que mal se viu — assistirem Jota e RDT, mas estas duas lanças precisavam de estar mais afiadas. Foram várias as jogadas de perigo do Benfica, mas poucos os remates.
No fim da primeira parte, apenas Werner e RDT alvejaram as balizas contrárias. O alemão, sempre a descair para a esquerda, infletiu para o centro e obrigou Vlachodimos defender (já antes tinha marcado golo, mas em fora de jogo), ao passo que o espanhol cabeceou com perigo ao segundo poste depois da marcação de um livre, mas Gulácsi negou-o.
No segundo tempo, porém, as ambições benfiquistas caíram por terra. Se Nelson Veríssimo, adjunto de Lage a fazer as suas vezes no banco encarnado, optou por não mexer na equipa, Nagelsmann, que já tinha sido obrigado a tirar o médio Laimer, lesionado aos 39 munutos, por Haidara, fez as suas famosas mudanças ao intervalo e, com isso, sagrou-se vitorioso.
É que vendo a segunda metade da partida, fica claro que o Leipzig apenas não foi mais perigoso no primeiro tempo por erro de estratégia. Fazendo Sabitzer e Forsberg passarem a deambular entre a ala e o miolo, os alemães começaram a somar jogadas de golo iminente através de sucessivas triangulações, ora pecando na definição, ora tendo em Vlachodimos o salvador, com o guardião grego a sair da baliza em diversas ocasiões inextremis. Aos 60 minutos de jogo, o resultado só se mantinha nulo por responsabilidade da equipa visitante.
O Benfica, cada vez mais acossado e incapaz de controlar o seu meio-campo — com Taarabt, por um lado, a perder demasiadas bolas e Cervi e Pizzi, por outro, incapazes de dar cobertura aos laterais — fez finalmente alterações. Só que em vez de entrar um jogador como Samaris (que não foi convocado), David Tavares, outro estreante, substituiu Jota.
Teria mais uma aposta de sucesso? Quase. O médio de 20 anos, acabado de entrar, lançou uma bola longa para Pizzi, na esquerda, que atirou cruzado, a rasar o poste direito. O problema é que, logo depois, o Leipzig acabaria mesmo por marcar. Num raide pelo centro do terreno, o lateral Mukiele abriu para Poulsen no coração da área, arrastando este Ferro consigo e deixando a bola para Werner atirar sem hipóteses para a esquerda.
A verdade é que o resultado dava alguma justiça ao que estava a ser o jogo, mas os encarnados reagiram. Primeiro por Grimaldo — que tentou repetir a mesma proeza de livre direto que deu a vitória ao Benfica frente ao AEK no ano passado, só que Gulácsi fez uma defesa magistral —, depois por Cervi, que desperdiçou um passe de mestre de Taarabt, atirando à figura.
Procurando, pelo menos, chegar ao empate, o Benfica lançou as suas principais armas, saindo Cervi e Pizzi para entrarem Seferovic e Rafa. Demasiado tarde. Repetindo aquilo que já tinha sido a fórmula do primeiro golo, depois das águias desperdiçarem, o Leipzig marcou, outra vez por Werner, finalizando uma grande jogada.
Naquele que foi uma prova de um jogo falhado para Bruno Lage — à exceção da confirmação de Tomás Tavares como talento a seguir —, Seferovic e Rafa apenas puderam reduzir os estragos já nos 84 minutos de jogo, voltando o sérvio a fazer o gosto ao pé. Até ao fim, o Benfica atacou como pôde, mas sem critério, e voltou a fracassar em casa no arranque de uma Liga dos Campeões.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
“Pizzi tem de aparecer nos grandes jogos”, “Pizzi não pode fazer só exibições de gala no campeonato”, “Onde estava Pizzi?”. São críticas que se vão arrastando ao longo de várias temporadas, mas que nem por isso têm perdido validade. É um problema crónico o que o capitão de equipa benfiquista tem enfrentado e que hoje não conseguiu ultrapassar. Fica no ar a ideia que o seu posicionamento à direita hoje pouco o beneficiou, mas espera-se sempre mais do capitão de equipa e do jogador benfiquista que leva mais golos desde o início da época. Pouco influente no processo ofensivo, não fez favores ao novato Tomás Tavares a defender e ainda falhou duas oportunidades.
Tomás Tavares, a vantagem de ter duas (jovens) pernas
Dita a lógica que os maiores elogios acabem por recair para um jogador da equipa vitoriosa, mas por todo o contexto que enfrentou, Tomás Tavares sai deste jogo como vencedor. A estrear-se na mais prestigiada prova de clubes do mundo, o miúdo sacudiu o peso dos ombros e a pressão da cabeça, realizando uma grande partida e demonstrando a Lage (e à direção benfiquista) que é lateral para ter em conta daqui em diante. Não só mostrou grande solidez defensiva — a maioria dos erros que cometeu foi por falta de apoio dos médios — como, com a confiança que foi ganhando ao longo do encontro, foi ele que começou a jogada do golo encarnado, descobrindo Rafa Silva isolado.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
A jogada do segundo golo do Leipzig é a concretização de tudo aquilo que a equipa alemã estava a tentar fazer desde o início do jogo. Um passe a mais aqui, um toque excessivo ali, uma hesitação acolá, e a bola perdia-se, novamente. Não aqui. Com a segurança de já estar a vencer, o segundo tento dos germânicos fez-se de passes ao primeiro toque estilo FIFA, em que Forsberg pinga uma bola deliciosa para Sabitzer, que só precisou de encostar para Timo Werner fazer o segundo.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
Cervi já não era titular na equipa do Benfica desde abril deste ano e o lance que protagonizou aos 74 minutos mais do que parece justificar essa condição de suplente mal-amado. Com a equipa a perder por 1-0 e com possibilidade de empatar, o argentino recebe um passe genial de Taarabt já dentro da grande área e, isolado, atira sem qualquer nexo à figura de Gulácsi. Pouco tempo depois, foi substituído e, pela expressão que emitia a partir do banco, não só soube da gravidade do seu erro, como se apercebeu que provavelmente continuará sentado durante o resto da época.
Comentários